EDUCAÇÃO

Greve de professores sinalizou desejo de mudança na cultura da universidade

Da Redação / Publicado em 19 de dezembro de 2008

Maior instituição de ensino privado do estado, com 15 campi em nove municípios, 144,1 mil alunos, 2,3 mil professores e 10 mil funcionários, a Universidade Luterana do Brasil (Ulbra) pouco fez para enfrentar a mais aguda das crises administrativas e financeiras da sua história. Mergulhada em dívidas fiscais e com bancos, que somam R$ 2,3 bilhões, boa parte contestada na Justiça, e sem pagar salários em dia, a Ulbra tentou recorrer a um empréstimo internacional que não se concretizou. Informações contraditórias, negação dos números inicialmente anunciados pela própria instituição e nenhuma iniciativa concreta para contornar a crise, que atinge ainda suas unidades em Goiás, Tocantins, Pará, Rondônia e Amazonas, só fizeram piorar a situação da Ulbra nos últimos meses.

“A crise da Ulbra é resultado da sua própria trajetória de gestão centralizada, de sua expansão desordenada e sem planejamento, de isolamento e de falta de transparência dos seus gestores”, avalia Marcos Fuhr, diretor do Sinpro/RS. Para o dirigente, o fato da interlocução com a Reitoria ser feita por intermédio de um advogado tributarista e um criminalista, ambos terceirizados, evidencia a inversão de valores e a profundidade da crise da instituição. A falta de perspectivas de superação da crise da instituição é motivo de grande preocupação do Sindicato, segundo Fuhr, especialmente considerando o porte da instituição e a sua condição de maior empregador do ensino privado gaúcho. Desde o início do segundo semestre, quando a crise começou a se evidenciar, o Sinpro/RS vem atuando na esfera judicial na luta pela garantia dos salários dos professores.

Em novembro, as contas bancárias da instituição foram bloqueadas judicialmente por uma ação coletiva dos professores que, diante do atraso de dois salários e meio, decidiram paralisar as atividades, em assembléia realizada no dia 10. A greve foi parcial e durou nove dias. A cultura institucional – cristalizada ao longo de 36 anos por seus dirigentes – à base de constrangimento, ameaças e repressão a professores, funcionários e alunos e a postura de isolamento e falta de transparência da Reitoria foi denunciada pelos professores ao longo da mobilização, que teve o apoio dos estudantes e ampla cobertura dos meios de comunicação locais e do centro do país.

No final de novembro, às ações ajuizadas pelo Sinpro/RS para garantir a prioridade ao pagamento dos salários atrasados se somaram iniciativas de outras categorias profissionais que ingressaram na Justiça buscando o bloqueio de contas bancárias da Ulbra para também garantir seus vencimentos. O Sindicato Médico (Simers), por sua vez, anunciou um conjunto de medidas para tentar evitar o colapso do atendimento no complexo de saúde da Ulbra. A entidade informou que hospitais em Porto Alegre, Canoas e Tramandaí (que atende 90% SUS) já estavam com parte dos serviços paralisados por falta de profissionais e até de materiais, como oxigênio e pediu vistorias do Cremers para possível interdição é tica dos estabelecimentos, além do cancelamento do vestibular para Medicina. No dia 27, por falta de medicamentos e seringas, as internações foram suspensas no Hospital Independência, em Porto Alegre, que pertence à Ulbra.

PEDAGOGIA DO MEDO – Em uma reunião de professores no dia 8 de novembro, um sábado, na sede estadual do Sinpro/RS, muitos docentes deixaram clara sua indignação com os atrasos salariais, com a falta de explicações por parte da Reitoria e a inconformidade com as ameaças e constrangimentos. Professores de diversos campi relataram ter sofrido ameaças e advertências irônicas por terem cobrado explicações sobre os atrasos de salários. A decisão de ir à greve, hipótese tão improvável para professores de uma instituição marcada pela pedagogia do medo, começava a ser defendida de forma aberta.

No dia 10 de novembro, 186 professores dos campi da Grande Porto Alegre decidiram, em assembléia realizada em Canoas, pela paralisação. Naquela data, foram realizadas assembléias também em Torres, Cachoeira do Sul, Carazinho e Santa Maria, com tímida participação dos professores e posicionamento contrário à paralisação. Decidida a paralisação na assembléia de Canoas, na mesma noite ocorreu uma vigorosa manifestação de estudantes que ensejou a convocação da Brigada Militar com cães para garantir a segurança da Reitoria e do Museu do Automóvel.

Na manhã do primeiro dia de paralisação, os estudantes se solidarizaram com os professores e fizeram manifestações em frente à Reitoria. “A Ulbra deve prestar contas aos alunos e professores e à sociedade”, ressaltou Mateus Fiorentini, vice-presidente da União Nacional de Estudantes no RS. O Centro Acadêmico de Design divulgou nota de apoio aos professores: “… a paralisação escancarou para a sociedade todas as mazelas desta instituição. Uma universidade-conglomerado de empresas que, mesmo crescendo desordenadamente e de forma não-sustentada, se tornou importante como provedora de empregos e de serviços”.

Mais do que a questão salarial, enfatiza Marcos Fuhr, a greve reivindicou mudança na cultura da universidade. “Avaliamos a paralisação como um fato muito positivo no cenário de crise da Ulbra e que certamente credenciou os professores como protagonistas na luta pela regularização salarial, pela dignidade profissional e por mudanças administrativas e de gestão na universidade”, ressalta. Para o dirigente, o apoio dos estudantes surgiu de forma espontânea, à revelia do DCE e confirmou, além da compreensão dos alunos quanto ao problema dos professores, a falta de transparência da instituição em relação à sua própria crise.

CONTAS BLOQUEADAS – No dia 7 de novembro, a Justiça do Trabalho concedeu tutela antecipada a uma Ação Coletiva ajuizada pelo Sindicato em nome dos professores, solicitando o bloqueio de contas da Ulbra para priorizar os salários. O juiz da 3ª Vara do Trabalho de Canoas, Luiz Fernando Henzel, determinou o bloqueio das contas bancárias da universidade para pagamento dos salários. Também determinou ao Detran a indisponibilidade dos veículos registrados em nome da Celsp/Ulbra, bem como o repasse dos valores arrecadados nas execuções fiscais da Justiça Federal. O juiz tentou ainda buscar os recursos bloqueados pela Justiça cível em um processo movido pelo banco norte-americano Eximbank. Enquanto a Justiça Federal prontamente deferiu a disponibilização dos recursos para o pagamento de salários atrasados, a Justiça cível manteve os bloqueios. Até o fechamento desta edição, os valores arrecadados continuavam sendo alvo de disputas judiciais.

O primeiro repasse da Justiça do Trabalho aos professores, por intermédio do Sinpro/RS, ocorreu no dia 14, quando foram liberados R$ 3 milhões e 969 mil, suficientes para pagar 84% do saldo da folha de setembro. Na semana seguinte, foram transferidos R$ 508.750 para pagamento de mais 10,69% do salário de setembro. Para o pagamento do salário de outubro, é aguardada para a primeira semana de dezembro a liberação de R$ 8 milhões repassados pela Justiça Federal.

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