“Não há um dia sem que um banco tente bloquear nossas contas”
Reitor da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra) desde abril de 2009, Marcos Fernando Ziemer afirmou em entrevista exclusiva ao jornal Extra Classe que em 2010 a Universidade vai continuar operando com déficit. A conta herdada da administração de Ruben Becker já beira os R$ 3 bilhões apenas em débitos tributários com a União. Mesmo com a adesão à nova lei de parcelamento, que alonga o prazo de pagamento para 15 anos, o valor “é impossível de pagar”, admite. A expectativa é encontrar um banco disposto a ser parceiro da Universidade, mas a alternativa esbarra na absoluta falta de garantias que a Ulbra pode fornecer já que todo o seu patrimônio está comprometido com empréstimos anteriores. A dívida com fornecedores e bancos ainda está sendo calculada pela empresa de auditoria KPMG, mas não é menor que R$ 500 milhões.
Foto: René Cabrales
Foto: René Cabrales
A operação mensal continua deficitária em aproximadamente R$ 6 milhões o que levou a atual Reitoria a adquirir novos débitos com a Fazenda Nacional: apenas em 2009 foram R$ 50 milhões em tributos retidos na fonte que deixaram de ser recolhidos aos cofres públicos. “Tivemos que escolher entre pagar impostos ou salários”, defende-se o gestor. Uma situação que pode comprometer a avaliação do Conselho Nacional de Assistência Social sobre a renovação da filantropia da Universidade, expirada em 31 de dezembro de 2009. Como há uma demora na análise dos processos em Brasília, a instituição ainda está enquadrada como beneficente. Mas três ações populares questionam os certificados que concederam abono de tributos à instituição. Ziemer garante que a opção é manter-se nessa categoria. “Por enquanto”, acrescenta.
Extra Classe – A Ulbra aderiu em 20 de outubro ao novo parcelamento proposto pela lei 11.941. Qual o valor da dívida informado na ocasião?
Marcos Ziemer – A adesão à lei não implica em determinar quais valores serão parcelados. Nesse momento, a receita está fazendo um levantamento de todos os débitos. A informação que temos do advogado da União é que esse valor deverá estar consolidado nos meses de abril ou maio. Depois disso faremos uma discussão. Há uma parte da dívida que é incontroversa – basicamente Imposto de Renda retido na fonte, as contribuições dos funcionários que nos últimos dez anos não foram pagas. Mas há também débitos cobrados duas ou três vezes e multas que chegaram a 150%, o que não está previsto em lei.
Extra Classe – A Procuradoria Geral da Fazenda Nacional informa que a dívida total já chegou a R$ 2,8 bilhões.
Marcos Ziemer – Não colocaremos no programa o que não conseguiremos honrar. Hoje a receita mensal da Ulbra ainda não cobre a despesa, apesar de estarmos com os salários em dia. Isso foi uma prioridade que elegi: manter os vencimentos dos funcionários. Por isso, não estamos honrando nossos tributos em 100%.
Extra Classe – Quanto a Ulbra pretende abater desse total através da negociação com União e qual deve ser o impacto desse pagamento nos cofres da instituição?
Marcos Ziemer – Calculamos duas possibilidades. Depois que assumi, em abril, passamos dois meses promovendo um trabalho minucioso de levantamento físico dos processos da dívida, que possibilitou chegar ao valor de R$ 2,3 bilhões. Aplicando os benefícios e reduções que a lei 11.941 nos fornece, cairia para algo em torno de R$ 1,5 bilhão. Esse total parcelado em 180 meses (15 anos) nos daria uma conta de R$ 8 milhões por mês, fora a taxa Selic. Isso é impossível de pagar. Numa segunda simulação colocamos apenas os débitos incontestáveis, que significariam um pagamento de R$ 1,5 milhão por mês. E também não temos como nos comprometer a pagar. Por aí se vê que precisamos de uma parcela bem menor. Nos encontros com representantes do governo em Brasília, explicamos que o caso da instituição não se enquadra nos 180 meses. A lei permite que nessas exceções se negocie direto com a Advocacia Geral da União. Fizemos uma proposta em novembro que está sendo analisada.
Extra Classe – A Ulbra entrou com uma ação cobrando o total da dívida tributária de Ruben Becker.
Marcos Ziemer – É uma ação judicial que redireciona o total da dívida – R$ 2,2 bilhões – para os antigos gestores. É uma tese jurídica inédita, que defende que o mau uso de recursos é responsabilidade do gestor.
Extra Classe – Mas a atual Reitoria já deve 50 milhões em tributos retidos na fonte. A tese da cobrança dos gestores não pode ser um tiro no pé também para a atual gestão?
Marcos Ziemer – O compromisso que assumimos no dia da posse foi com o pagamento em dia da folha salarial. Ainda não temos um equilíbrio de receita e de despesa e precisamos optar entre pagar imposto ou os salários. Eu não tenho escolha. De repente, em um dia, chega uma conta de R$ 4 milhões em tributos e a tua receita é de R$ 500 mil. É uma decisão política.
Extra Classe – Desde a adesão ao parcelamento a Ulbra paga simbolicamente um valor mensal de R$ 16 mil. Também há os repasses de receita proveniente dos leilões.
Marcos Ziemer – Exato. Pagamos um valor por cada processo ligado aos diferentes CNPJs, o que dá uns R$ 16 mil ao mês. Quanto aos leilões, logo que assumi fizemos um acordo com a Justiça para que os repasses à União pudessem ser pagos da seguinte forma: 10% no ato da venda e os outros 90% divididos em parcelas de 5% ao mês. Estamos honrando esse compromisso rigorosamente em dia. É importante dizer que esse acordo permitiu que saldássemos a maior dívida salarial, que era com os professores e girava em torno de R$ 28 milhões. Sem os leilões não teria sido possível.
Extra Classe – Quanto já foi repassado à União no total?
Marcos Ziemer – A maioria dos recursos dos leilões é parcelada, em muitos casos em 24 meses, principalmente os terrenos. Isso dificulta um cálculo preciso. Mas segundo a avaliação feita pela Ulbra, os bens penhorados valem R$ 110 milhões. Esse valor inclui patrimônio que ainda está sendo leiloado, caso, por exemplo, dos carros aqui do Museu.
Extra Classe – A parte dos automóveis que estava no nome do ex-reitor Ruben Becker e da empresa dele RME está sendo considerada nesse cálculo?
Marcos Ziemer – Não. Esse valor é exclusivo dos bens em nome da Universidade.
Extra Classe – Neste momento, como está o caixa da Universidade?
Marcos Ziemer – Ainda operamos com um déficit mensal. Nossa receita gira em torno de R$ 34 milhões, contando os repasses feitos pelos governos para área da saúde – 80% desse valor é proveniente das mensalidades pagas pelos alunos.
Extra Classe – Balanços de 2007 davam conta de um faturamento em torno de R$ 40 milhões mensais. O valor se mantém estável, portanto?
Marcos Ziemer – Nesse caso, vamos entrar num campo mais complexo. Algumas prestações de contas mostravam arrecadação de até R$ 80 milhões ao mês. Mas sabemos que não é possível confiar plenamente nos números fornecidos pela antiga gestão.
Extra Classe – Quando a crise tornou-se pública, no início de 2008, havia a possibilidade de utilização de créditos do Prouni para pagamentos a terceiros e de tributos devidos. Isso foi realizado?
Marcos Ziemer – Isso era impossível de acontecer porque já nos beneficiamos do Prouni através da isenção de alguns tributos. Esse valor já tem uma aplicação, portanto. Foi uma ilusão vendida na época! Chegaram a falar em números, R$ 180 milhões ou algo assim. Abordamos com o MEC essa possibilidade, mas de fato é impossível.
Extra Classe – A Ulbra possui um passivo que beira os R$ 3 bilhões, sem contabilizar os débitos com bancos e fornecedores. Operou em 2009 com déficit e 2010 também tem essa perspectiva. Qual a proposta de recuperação da universidade?
Marcos Ziemer – A nossa situação financeira ainda é muito delicada, vamos operar em 2010 com déficit também. A auditoria da KPMG está desenvolvendo um trabalho para organizar o fluxo de caixa a longo prazo, de forma que permita acomodar os passivos bancários e tributários. Assim que estiver pronta essa programação, nossa ideia é buscar uma parceria com algum banco para injetar recursos na instituição.
Extra Classe – Mas como buscar recursos com bancos se o patrimônio da Ulbra já está inteiramente comprometido com empréstimos anteriores?
Marcos Ziemer – Isso de fato é um problema. Não há um dia sem que um banco tente bloquear as nossas contas. Apesar de a KPMG já ter notificado a todos e estarmos verificando a possibilidade de renegociação das dívidas. Nossa intenção é fazer uma proposta para que o Governo Federal libere alguns bens para que possamos usar como garantias de novos empréstimos. Algo em torno de R$ 400 milhões, que estimamos ser nossa dívida bancária atual.
Extra Classe – A filantropia da Ulbra está sendo discutida na Justiça e o prazo do Certificado de Entidade Beneficente e de Assistência Social (Cebas) expirou em 31 de dezembro. Como fica a situação da instituição a partir de janeiro 2010?
Marcos Ziemer – Já protocolamos a renovação do Cebas para o próximo período, mas isso demora um tempo para ser avaliado. Enquanto isso, estamos amparados pela lei como entidade filantrópica. Por enquanto, nossa opção é pelo regime tributário filantrópico.
Extra Classe – Durante alguns meses de 2008, havia a tese de que o problema da Ulbra era a manutenção dos hospitais. Isso se confirmou?
Marcos Ziemer – O Hospital Universitário possui um equipamento de primeira linha, o que é maravilhoso, mas tem um custo muito alto. Como durante um período nos anos 90 tivemos uma expansão muito grande do ensino – apenas no Campus de Canoas chegamos a ter 32 mil alunos matriculados – havia espaço para investimentos altos. O problema é que nos últimos dez anos o número de matrículas está em decréscimo. E ninguém soube parar os investimentos, o que determinou a necessidade dos empréstimos bancários. Também houve essa expansão para fora do Rio Grande do Sul que é muito positiva, mas que se fez sem nenhum planejamento. Essa é a verdade! Todas as unidades fora do Estado transformaram-se em Centros Universitários o que requer investimento alto, novos cursos, bibliotecas…
Extra Classe – As unidades de fora do RS estão sendo afetadas pela crise?
Marcos Ziemer – As unidades do Norte e Centro Oeste têm autonomia jurídica, pois possuem CNPJ específico, ainda que estejam ligadas à mantenedora. Nesse aspecto a KPMG também está atuando para verificar quais unidades são rentáveis e quais não são. O que será feito no futuro é uma decisão a ser tomada: vamos subsidiar algumas escolas com valores arrecadados pelas outras? Por enquanto não sei.
Extra Classe – Qual a relação com a escola no Uruguai?
Marcos Ziemer – Essa é uma escola de ensino fundamental e médio que deu muito certo. Está muito bem organizada, não recebe repasses da Ulbra e mesmo assim foi feito um plano de expansão local. A única questão que temos que resolver é organizá-la juridicamente no Uruguai.
Extra Classe – Uma das determinações da Justiça no início do processo de execução fiscal era a extinção das atividades que não se enquadrassem em educação e saúde. Era o caso do museu, criações de animais, pesque e pague, TV e clube de futebol. O que foi feito?
Marcos Ziemer – Decidimos na época que faríamos uma análise individualizada de cada situação. O importante era atrelar as atividades ao ensino. Foi o caso da TV e da Rádio, que se sustentam com recursos próprios. E estão agregadas ao ensino porque se transformaram em um laboratório para os alunos de comunicação social. Hoje, são 35 estagiários da Ulbra trabalhando lá, é um diferencial em seu currículo.
Extra Classe – E o clube de futebol?
Marcos Ziemer – Esse não era viável e decidimos fechar. Nem com os patrocínios se sustentava! Na verdade ele nunca esteve no nome da Ulbra, estava no nome de pessoas físicas. Mas era a Ulbra quem pagava a folha, por exemplo. O projeto do esporte é interessante, mas não nesse momento. Futuramente, em outra condição financeira, porque não? Agora estamos focados no esporte universitário, amador. O complexo esportivo está sendo negociado com o Internacional para que as categorias de base treinem e façam seus jogos aqui na Ulbra.