Foto: Igor Sperotto
O Rio Grande do Sul é sede de uma iniciativa que poderá ajudar a melhorar os índices de transplantes em todo o país. Intitulado Donors (do inglês, doadores), o projeto é baseado em duas grandes ações: capacitação de profissionais de saúde para condução da entrevista com familiares de potenciais doadores de órgãos para verificação da intenção de doação e implementação de um check-list voltado para manutenção clínica do potencial doador. “O objetivo é atuar sobre as principais causas que impedem a doação de órgãos entre potenciais doadores, que são a não aceitação da família e a parada cardíaca de pacientes com morte encefálica”, explica Regis Rosa, médico intensivista do Hospital Moinhos de Vento (HMV) de Porto Alegre e líder do Donors.
Com início em agosto de 2016 e previsão de término em dezembro de 2017, o Donors resulta de uma parceria público-privada do HMV com o Ministério da Saúde – Coordenação do Sistema Nacional de Transplantes, através do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde (Proadi SUS), o qual possibilita ao hospital reverter ações de qualificação do SUS em isenção fiscal. O projeto irá capacitar profissionais de 70 hospitais de todo o Brasil com alto desempenho na notificação de potenciais doadores de órgãos. Além disso, passarão pelo treinamento outras 60 instituições indicadas pelo Sistema Nacional de Transplantes. A meta é atingir pelo menos 750 profissionais de saúde, multiplicando o alcance com um curso de Educação a Distância.
Atualmente, a recusa familiar atinge índices de 40% a 50% no Brasil. A expectativa é que, ao final do projeto, com o aumento das capacitações e a ferramenta de check-list, fique em torno de 15%, índice da Espanha, que é uma referência mundial em doação de órgãos. Rosa explica que, muitas vezes, a negativa da família está associada à desinformação, e não tem a ver necessariamente com a não convicção do paciente de se declarar um doador em vida. Pode estar ligada ao momento e à forma como os profissionais oferecem a doação.
A lista de checagem, ou check-list, é uma tecnologia organizacional, de baixo custo, de procedimentos e ações que as equipes médicas devem tomar para evitar a parada cardíaca de um paciente com diagnóstico confirmado de morte cerebral. De cada quatro potenciais doadores, um tem parada cardíaca. Essa ferramenta reduziu em até três vezes as perdas de doadores pela parada do coração nos hospitais de Santa Catarina.
A eficácia da ferramenta será avaliada em um ensaio clínico randomizado. Das 70 UTIs cujos profissionais são capacitados pelo projeto, 35 serão sorteadas para utilizar a check-list. As demais seguirão com o manejo usual. Se os resultados se confirmarem positivos como os de Santa Catarina, o check-list poderá ser estendido para todo o Brasil. Associada às técnicas de abordagem e comunicação humanizada com as famílias, a expectativa é diminuir a discrepância entre oferta e demanda de órgãos para transplantes.
Transformar a perda em algo positivo
Foto: Jeniffer Caetano/ Comunicação HSL
Dagoberto Rocha, 39 anos, é enfermeiro da Organização de Procura de Órgãos do Hospital São Lucas da Pucrs (OPO 2) desde 2011. Como enfermeiro, uma de suas principais atribuições é visitar regularmente as UTIs e emergências para identificar precocemente pacientes que possam estar evoluindo para a morte encefálica. Como está dentro do Hospital São Lucas da Pucrs, a OPO 2 faz também as atribuições da Comissão Intra-Hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplante (CIHDOTT). Rocha já participou de cursos, e continua participando, para aguçar sua sensibilidade e habilidade na hora de falar com as famílias sobre doação de órgãos.
“Às vezes, a informação da doação é dada de forma antecipada para a família”, diz. O diagnóstico de morte encefálica é feito para qualquer paciente, independentemente se é potencial doador ou não. Realizados todos os exames, se o paciente for declarado morto, as equipes da OPO e da CIHDOTT, em parceria com a Central de Transplantes, devem avaliar as condições clínicas do doador. Nem todo paciente com morte encefálica pode doar seus órgãos. Alguns critérios excluem, como doenças prévias. Caso não seja doador, é ético-legal o médico entregar o corpo para a família e nem se falar em doação. Por isso, a informação da doação antes do diagnóstico pode acabar frustrando algumas famílias.
A notícia da morte de um ente querido gera uma crise emocional, lembra Rocha. Naquele momento, os familiares pensam em muita coisa ao mesmo tempo: no velório, como a mãe vai sustentar o filho sem o pai. É preciso escutar os desabafos, o choro, ou o silêncio, oferecer ajuda e dar apoio emocional. “Através do meu apoio e acolhimento, ofereço a possibilidade da doação de órgãos. Se aceitarem, a doação pode se tornar algo positivo e muitos se tornam multiplicadores depois, ajudando a divulgar a doação de órgãos”, constata.
Leia também:
Cinco anos de Cultura Doadora
Junto com a nota do trimestre, um lembrete
Transplantes estão fora dos currículos
Ah, como é bom respirar!
RS é quarto colocado em número de doações