Foto: Antonio Cruz - Agência Brasil
Foto: Antonio Cruz - Agência Brasil
O que se faz agora com o inverno do golpe? Quem cuida do pato da Fiesp? Quem convence Michel Temer de que poucos dos que estão à sua volta, incluindo os novos oportunistas de copa e cozinha, confiam mesmo nele? Quem se habilita a reanimar a direita diante da Operação Temer? Como acalmar Aécio?
Quantos admitirão daqui a alguns anos, desconsolados, que um dia chegaram a erguer cartazes por Bolsonaro, para ver depois que Dilma seria trocada pelo vice sem votos? E que o vice do vice é o Eduardo Cunha?
Claro que a abertura do processo pró-impeachment abateu os derrotados, na trágica sessão da Câmara do dia 17 de abril, e pôs as esquerdas – e não só o PT – sob o desafio da autoavaliação e da reação, passado o período de autoindulgência e de choradeira. Mas é dura também a caminhada de quem venceu.
É agora que a ameaça real de impeachment se abate sobre boa parte dos que militaram pela derrubada do governo e não vislumbram perspectivas compensadoras. É incerto e nebuloso o cenário até para os vencedores. Acontece em golpes, rebeliões, revoluções, mas só no Brasil os vitoriosos podem ser tão brancaleones.
Quem esperava uma oposição tucana fortalecida viu Aécio, Alckmin e Serra se esvaírem como alternativa eleitoral. As últimas pesquisas para as eleições de 2018 são devastadoras para os tucanos. A maioria pode até não querer mais saber de Dilma e de Lula, mas também não quer nada com o PSDB. E o PSDB comandou o golpe, tendo Eduardo Cunha e o PMDB apenas como prepostos.
Quem saiu às ruas de verde-amarelo, com a trágica camiseta dos 7 a 1, tenta entender o que deu errado. Por que alguns dos principais líderes do golpe pouco ou nada podem ganhar com ele? Por que o poder está indo para as mãos da turma de Michel Temer, se não foi bem pra isso que a Avenida Paulista se encheu de patos?
A ressaca não é apenas política. Quantas amizades foram desfeitas, na longa caminhada até a sessão da Câmara por Deus e pela família? Que laços podem ter sido rompidos para sempre, com dolorosas sequelas familiares, para que Michel Temer se transformasse no protagonista do pós-golpe? Valeu a pena?
São poucas as compensações capazes de reparar os danos produzidos por cusparadas, bate-bocas e telefonemas deixados pela metade, tudo porque era preciso lutar por um Brasil melhor, por uma vida correta, pelos netos, pela ética, pela bandeira do Rio Grande e pelas façanhas que impressionam a toda a Terra.
Foto: Antonio Augusto - Câmara dos Deputados
Foto: Antonio Augusto - Câmara dos Deputados
Aos vencedores, o prêmio pode ser também o grande dilema que persegue crédulos, ingênuos e farsantes: e agora, o que se faz com o golpe? Diga o caminho, Zé Agripino. Acalme as almas aflitas, Ronaldo Caiado. Volte a pedir a Deus que ele seja misericordioso, Eduardo Cunha.
Quem vai assumir os custos do que vem aí? Quem anunciará solenemente o arrocho? Quem se atreverá a falar em austeridade em nome do bordão do ajuste fiscal? Quem será sincero a ponto de confessar que os donos do pato da Fiesp tramam cortes em direitos trabalhistas, na Previdência, na saúde e na educação?
Alguns dos líderes da trama terão de admitir, mais adiante, que não era pra ter sido bem assim, que o golpe saiu com defeito e talvez nunca mais venha a ser consertado. É melancólico o ambiente para o cidadão comum que não sabe como usufruir da vitória na Câmara e da esperada consagração do golpe no Senado.
O juiz Sergio Moro desapareceu. Dilma, que deveria estar se arrastando, exibe um penteado de afrontar os topetes dos senhores deputados de cabelo acaju. Enquanto isso, Temer conchava no Jaburu. Foi pra isso que fizeram o golpe?
Você aí, que advertiu os parentes para os arrependimentos pós-abertura de impeachment, você tem razão. Mas admita que o golpe só deu errado para quem esperava dele o que ele não podia prometer. Console os mais desiludidos: foram traídas também as expectativas dos empurrados para o colo de Temer. Não era o planejado. O programado era cassar Dilma e Temer no TSE e abrir caminho para uma nova eleição purificadora.
Há outros consolos. O novo cenário oferece alguns pequenos prazeres, como o proporcionado pelo debate sobre a eventual antecipação da eleição à Presidência. Os contrários à ideia agarram-se a pretextos variados, alguns respeitáveis, na mais atraente controvérsia depois da sessão famosa da Câmara. Mas o argumento da turma pró-impeachment é constrangedor. Propor eleição agora, dizem eles, seria golpear a democracia.
Cada país tem os golpistas que merece. Os nossos não sabem nem o que fazer com o próprio golpe.
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Moisés Mendes passa a publicar quinzenalmente, a partir de abril, artigos exclusivos no www.extraclasse.org.br.