As peças da engrenagem da violência no campo: grileiros, fazendeiros e o estado – Parte 2
Foto: Araquém Alcântara
A origem da violência no campo e do desmatamento está, normalmente, naquele que deveria combater essas práticas: o Estado. Ao patrocinar grandes projetos de infraestrutura – como rodovias, hidrovias e hidrelétricas – o poder público aumenta o interesse econômico em determinada região.
O problema é que as obras não vêm acompanhadas dos demais aparatos de controle e assistência do Estado.
De acordo com o pesquisador do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), Paulo Barreto, o resultado é um verdadeiro faroeste em terras brasileiras:
“O governo abre uma infraestrutura sem investir em outras ferramentas de controle, seja a questão fundiária, seja a presença de órgãos de justiça. Tem pouca presença do Judiciário, do Ministério Público e da polícia. E aí vira um lugar em que quem tem mais bala vence”, constata.
A violência é apenas uma das consequências dessa ocupação desordenada. A outra é o desmatamento, que segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) já atingiu 700.000 quilômetros quadrados da Amazônia, o equivalente ao território de 23 Bélgicas.
No ano passado, foram desmatados 6,6 mil quilômetros quadrados, área 4,4 vezes maior que a da cidade de São Paulo.
Omissão do Estado facilita a vida do agronegócio
Foto: Imazon
Ayala Dias Ferreira é integrante do Movimento Sem Terra (MST) e vive no assentamento 26 de Março, em Marabá, no sudeste paraense.
O assentamento foi criado em 1998 em uma área de 11 mil hectares ocupada pela família Mutran, maior exportadora de castanha do pará do Brasil.
Em 2004, a empresa foi condenada a pagar multa de R$ 1,3 milhão pela prática de trabalho escravo.
A região sofre há 40 anos os efeitos da expansão agrícola, primeiro com a pecuária, a mineração, e mais recentemente com o avanço do dendê e do eucalipto.
Mas o que mais preocupa é a soja. Em 2010, a área colhida de soja no Pará era de 1205 hectares, segundo o IBGE. Em 2017, foram 433.813 hectares. Ou seja, 360 vezes maior.
Ayala explica que os camponeses são assediados por fazendeiros com propostas de arrendamento que variam entre R$ 30 mil e R$ 80 mil.
Os contratos costumam ter validade de 15 anos, e o proprietário se compromete a usar pelo menos 70% da terra para o cultivo da monocultura.
Mais uma vez, a omissão do Estado facilita a vida do agronegócio. Segundo Ayala, a falta de estrutura para viabilizar os territórios já conquistados pela reforma agrária deixa as famílias mais vulneráveis a esse tipo de assédio.
“Não há investimentos em estradas, habitação, escola, posto de saúde e nem em crédito.
Porque, por mais que você tenha boas ideias, força de vontade e os braços para produzir, sem o subsídio do Estado isso é praticamente inviável”, pondera.
Por enquanto, nenhuma das 206 famílias do assentamento 26 de Março se rendeu às propostas de arrendamento.
Mas Ayala está em alerta, principalmente com a ofensiva da soja: “a gente sabe que está chegando, estamos vivendo um cerco”, revela a agricultora.
Outra preocupação das comunidades locais é com o veneno que acompanha as monoculturas. Luís Ventura Fernandéz vive em Boa Vista, Roraima, e faz parte da Coordenação do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Regional Norte I.
Ele conta que a possibilidade de contaminação de fontes de água pelos agrotóxicos da soja já é uma preocupação entre os povos indígenas.
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