AMBIENTE

As peças da engrenagem da violência no campo: grileiros, fazendeiros e o estado – Parte 2

Grandes investimentos da União em projetos de infraestrutura sem o acompanhamento dos demais aparatos de controle e assistência promove um verdadeiro faroeste no campo
Por Fernanda Wenzel / Publicado em 26 de abril de 2018

Foto: Araquém Alcântara

Segundo o Inpe, o desmatamento já atingiu 700.000 quilômetros quadrados da Amazônia, o equivalente ao território de 23 Bélgicas. No ano passado, foram desmatados 6,6 mil quilômetros quadrados, área 4,4 vezes maior que a da cidade de São Paulo.

Foto: Araquém Alcântara

A origem da violência no campo e do desmatamento está, normalmente, naquele que deveria combater essas práticas: o Estado. Ao patrocinar grandes projetos de infraestrutura – como rodovias, hidrovias e hidrelétricas – o poder público aumenta o interesse econômico em determinada região.

O problema é que as obras não vêm acompanhadas dos demais aparatos de controle e assistência do Estado.

De acordo com o pesquisador do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), Paulo Barreto, o resultado é um verdadeiro faroeste em terras brasileiras:

“O governo abre uma infraestrutura sem investir em outras ferramentas de controle, seja a questão fundiária, seja a presença de órgãos de justiça. Tem pouca presença do Judiciário, do Ministério Público e da polícia. E aí vira um lugar em que quem tem mais bala vence”, constata.

A violência é apenas uma das consequências dessa ocupação desordenada. A outra é o desmatamento, que segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) já atingiu 700.000 quilômetros quadrados da Amazônia, o equivalente ao território de 23 Bélgicas.

No ano passado, foram desmatados 6,6 mil quilômetros quadrados, área 4,4 vezes maior que a da cidade de São Paulo.

Omissão do Estado facilita a vida do agronegócio

Foto: Imazon

“O processo começa com o grileiro, que ocupa terras devolutas (terras do Estado sem destinação) e destrói a floresta, para depois revendê-las a atores bem mais poderosos. Lá na ponta está o grileiro que está ocupando terras na fronteira, mas ele está fazendo isso porque recebe um sinal que vem lá do mercado na outra ponta”, explica Paulo Barreto, pesquisador do Imazon.

Foto: Imazon

Ayala Dias Ferreira é integrante do Movimento Sem Terra (MST) e vive no assentamento 26 de Março, em Marabá, no sudeste paraense.

O assentamento foi criado em 1998 em uma área de 11 mil hectares ocupada pela família Mutran, maior exportadora de castanha do pará do Brasil.

Em 2004, a empresa foi condenada a pagar multa de R$ 1,3 milhão pela prática de trabalho escravo.

A região sofre há 40 anos os efeitos da expansão agrícola, primeiro com a pecuária, a mineração, e mais recentemente com o avanço do dendê e do eucalipto.

Mas o que mais preocupa é a soja. Em 2010, a área colhida de soja no Pará era de 1205 hectares, segundo o IBGE. Em 2017, foram 433.813 hectares. Ou seja, 360 vezes maior.

Ayala explica que os camponeses são assediados por fazendeiros com propostas de arrendamento que variam entre R$ 30 mil e R$ 80 mil.

Os contratos costumam ter validade de 15 anos, e o proprietário se compromete a usar pelo menos 70% da terra para o cultivo da monocultura.

Mais uma vez, a omissão do Estado facilita a vida do agronegócio. Segundo Ayala, a falta de estrutura para viabilizar os territórios já conquistados pela reforma agrária deixa as famílias mais vulneráveis a esse tipo de assédio.

“Não há investimentos em estradas, habitação, escola, posto de saúde e nem em crédito.

Porque, por mais que você tenha boas ideias, força de vontade e os braços para produzir, sem o subsídio do Estado isso é praticamente inviável”, pondera.

Por enquanto, nenhuma das 206 famílias do assentamento 26 de Março se rendeu às propostas de arrendamento.

Mas Ayala está em alerta, principalmente com a ofensiva da soja: “a gente sabe que está chegando, estamos vivendo um cerco”, revela a agricultora.

Outra preocupação das comunidades locais é com o veneno que acompanha as monoculturas. Luís Ventura Fernandéz vive em Boa Vista, Roraima, e faz parte da Coordenação do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Regional Norte I.

Ele conta que a possibilidade de contaminação de fontes de água pelos agrotóxicos da soja já é uma preocupação entre os povos indígenas.

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