ECONOMIA

Superação do descompasso entre desenvolvimento e sustentabilidade é liderada por cooperativas

Há modelos de produção que têm procurado unir desenvolvimento e sustentabilidade, como é o caso das cooperativas do estado, hoje responsáveis por 13,5% do PIB gaúcho
Por Elstor Hanzen / Publicado em 26 de setembro de 2024
Superação do descompasso entre desenvolvimento e sustentabilidade é liderada por cooperativas

Foto: Cotrijal/Divulgação

A fazenda New Milk, da família Neuberger, em Coqueiros do Sul (RS), mostra que a produtividade pode e deve estar associada à sustentabilidade

Foto: Cotrijal/Divulgação

Tragédias climáticas como as recentes, diante das quais o RS busca se reerguer, têm raízes no modo de produção e consumo. Mesmo com as causas e consequências identificadas dos fenômenos, ainda prevalece um descompasso entre os que defendem o crescimento a qualquer custo e os que advogam apenas pela causa ambiental, um ranço que é histórico. Entretanto, há modelos de produção que têm procurado unir desenvolvimento e sustentabilidade, como é o caso das cooperativas do estado, hoje responsáveis por 13,5% do PIB gaúcho.

á uma ideologia de base no Ocidente do século 18 que segue no mundo nos dias atuais e parece unir todos: a ideologia do crescimento. Um ponto central capaz de colocar lado a lado esquerda e direita, ou “todos no mesmo saco”, como assegura o professor do Programa de Pós-Graduação de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília (UnB) e do Programa de Pós-Graduação em Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), Elimar Pinheiro do Nascimento.

“Não conseguimos pensar o mundo sem crescimento. Ele foi a base do nazismo alemão, do stalinismo russo e do capitalismo liberal norte-americano. Viver sem o crescimento, para a maioria esmagadora das pessoas, é impensável”, contextualiza o especialista em sustentabilidade. Tudo galgado em dois pilares: produção e consumo.

Uma primeira inflexão nessa lógica ocorreu na Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano, em junho de 1972, em Estocolmo, na Suécia. O evento foi um marco em evidenciar a finitude dos recursos naturais diante de um desenvolvimento econômico permanente, estabelecendo 19 princípios em um manifesto ambiental para os tempos em curso. “Defender e melhorar o meio ambiente para as atuais e futuras gerações se tornou uma meta fundamental para a humanidade”, diz um trecho da declaração.

O professor da UnB resume que duas definições foram consenso no encontro. O desenvolvimento econômico tem um limite real, que é a disponibilidade de recursos naturais, e toda transformação realizada pela atividade humana provoca uma entropia, uma energia de impacto negativo na natureza.

“A partir daí, houve um embate. Os países ricos, do Norte, queriam simplesmente parar o desenvolvimento econômico. Por outro lado, os do Sul reagiram, dizendo ‘Peraí, não podemos parar o desenvolvimento porque temos um mar de pobreza’. Então surgiu a ala desenvolvimentista versus a ecologista”, lembra Nascimento.

A dicotomia entre desenvolvimento econômico e sustentável é menor do que parece, uma vez que ambos admitem o crescimento econômico, destaca o professor. Ele enfatiza que o crescimento da produção de bens e serviços e o consumo, em geral, degradam a natureza. Por isso, propõe uma transição com adoção e implementação de medidas fortes, a fim de se alcançar a sustentabilidade de fato. Entre as ações, “tributações, taxas zero à produção que regenera a natureza, pequenas para os que não a degradam e elevadas, muito elevadas aos que a degradam, incluindo taxações sobre os superricos”, recomenda.

Superação do descompasso entre desenvolvimento e sustentabilidade é liderada por cooperativas

Foto: Igor Sperotto

Modelos de agricultura sustentável e sem uso de veneno, como no caso das cooperativas da reforma agrária, ligadas ao MST, também demonstram viabilidade econômica

Foto: Igor Sperotto

Do lado do consumo, também indica alternativas para a sustentabilidade. Segundo o expert em questões ambientais da Ufam, proibir a obsolescência programada, ou seja, produção com previsão de curto ciclo de vida para os produtos – uma lâmpada pode durar décadas, mas é programada para queimar em torno de um ano ou dois, no máximo; a substituição de carros particulares por meios de transporte coletivos, reduzindo, assim, a produção de gases de efeito estufa; e a eliminação da produção de plásticos de uso único, diminuindo drasticamente o uso de embalagens, enumera o professor Elimar Nascimento.

Além disso, há índices que precisam crescer fortemente para garantir o desenvolvimento humano, ressalta o pesquisador da UnB. Entre eles, estão a distribuição de alimentos, o acesso à água, à educação de qualidade e aos serviços de saúde.

Cooperativismo na dianteira

Em tempos de mudança climática, o sistema cooperativista do Rio Grande do Sul está um passo à frente na adoção de modos mais sustentáveis de produção.

As medidas vão desde o uso de energia limpa até as adaptações feitas nas fazendas de leite. O setor movimentou, em 2023, R$ 86,3 bilhões, 14,9% mais do que no ano anterior, responsável por 13,5% do PIB do RS. Os dados são da Organização das Cooperativas do Estado do Rio Grande do Sul (Ocergs).

O presidente do Sistema Ocergs, Darci Hartmann, afirma que a enchente de maio deste ano reforçou que a perenidade das empresas depende da sustentabilidade do planeta. Segundo ele, o cooperativismo tem atuado intensamente nesta linha, tanto na defesa de concepções mais sustentáveis de produção como na implementação de práticas.

“Nosso sistema produtivo hoje tem preservação das nascentes, de matas ciliares e cobertura do solo, como o projeto 365, que estabelece melhorias da qualidade química, física e biológica dos solos agrícolas. Assim, se busca elevar a sustentabilidade e a rentabilidade das propriedades rurais do estado”, cita.

Superação do descompasso entre desenvolvimento e sustentabilidade é liderada por cooperativas

Foto: Igor Sperotto

Em 2022, o setor de cooperativas movimentou R$ 81,9 bilhões, 14,9% mais do que no ano anterior, responsável por 13,5% do PIB do RS

Foto: Igor Sperotto

Para o professor da UnB, as organizações dirigidas por coletivos, como as cooperativas, tendem a ser mais equânimes. “Não é automático, mas as condições são mais favoráveis a uma melhor distribuição das riquezas produzidas”, salienta Nascimento. Na mesma toada, há outros exemplos, como a agricultura do cacau no sul da Bahia, que, atualmente, pratica uma agricultura regenerativa, conforme o professor da Federal de Brasília. “Porque, na realidade, não basta mais proteger a natureza apenas, é preciso regenerá-la”, orienta.

Hartmann explica que a iniciativa do projeto 365 faz com que todos os dias do ano o solo fique protegido, gerando carbono positivo. “Nos últimos 10 anos, melhoramos bastante isso, alinhando o cuidado e a preservação do meio ambiente com a melhoria da produtividade. Não buscamos lucro a qualquer preço, mas resultados os quais possam ser reinvestidos em nossa comunidade”, destaca o presidente.

Práticas de sustentabilidade no campo

Com a população mais consciente sobre a necessidade de produzir com responsabilidade, há maior chance de integrar desenvolvimento, sustentabilidade e responsabilidade social, visando a uma maior rentabilidade. Uma das cooperativas da agropecuária e indústria mais conhecidas do estado é de Não-Me-Toque. A Cotrijal é responsável pela produção de cerca de 35% da energia utilizada na cooperativa. São 10 usinas, que somam mais de 9 mil placas solares, com a possibilidade de gerar em torno de 7,2 milhões de kW/h a cada ano.

Além disso, em 2024, a utilização de energia do Mercado Livre já gerou 32,86% de economia em relação ao total de gastos no período com energia elétrica. Em 2023, reduziu o equivalente a emissão de cerca de 420 toneladas de dióxido de carbono (CO2), um dos gases causadores do efeito estufa. Desde 2019, 1.797 toneladas de CO2 deixaram de ser emitidos por causa das práticas sustentáveis.

Distante a aproximadamente 60 quilômetros de Não-Me-Toque, em Coqueiro do Sul, fica a fazenda New Milk, da família Neuberger, associada da Cotrijal. A propriedade produz leite e conta com um sistema de boiler de aquecimento de água, placas solares e sistema de gado confinado em compost barn – cama de serragem e compostado junto aos dejetos –, o qual vira adubo orgânico, substituindo os fertilizantes químicos. “A cama como adubo é muito bom. Tivemos aumento de custos, mas também aumentou a média de produtividade das vacas, compensando o valor investido”, ressalta Ricardo Neuberger, um dos proprietários da fazenda.

Além do leite, a família também produz grãos, como soja, trigo e milho para silagem e pastagens para a alimentação dos animais. Ricardo lembra, ainda, que o sistema de energia limpa foi instalado há cerca de cinco anos. Segundo ele, o fotovoltaico foi colocado devido aos altos custos da conta de energia. Após a implementação, o valor gerado em economia, que seria destinado a pagar a conta de luz, está sendo utilizado para quitar o investimento. Inicialmente, foram instaladas 64 placas solares e, com o aumento da demanda de energia, a família dobrou a quantidade de placas solares no ano de 2022. Atualmente, a propriedade conta com 128 placas.

Superação do descompasso entre desenvolvimento e sustentabilidade é liderada por cooperativas

Foto: Cotrijal/Divulgação

Usina fotovoltaica localizada ao lado do parque da Expodireto Cotrijal, em Não-Me-Toque

Foto: Cotrijal/Divulgação

Velhos e novos problemas

Para o professor de Pós-Graduação da Ufam, todas as iniciativas que resultam em sustentabilidade são indispensáveis e devem ser exaltadas. Práticas nas indústrias mais eficientes, economia circular, embalagens tóxicas substituídas e reduzidas, carros sem combustão fóssil são avanços pontuais, porém ainda insuficientes. “É relevante obter sucessos globais – tanto na mudança de produção como no consumo –, reduzir a poluição e a perda de biodiversidade, a fim de eliminar os gases de efeito estufa”, resume.

Por fim, Nascimento lamenta a atual dicotomia: “A divisão mais marcante entre os humanos hoje é aquela que separa os que acreditam na crise ecológica provocada pelas atividades humanas e os que não acreditam”.

Alerta da ONU sobre sustentabilidade

Apenas 17% das metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) estão na direção certa para atingir seu cumprimento em 2030, com metade mostrando progresso limitado e mais de um terço estagnando ou regredindo.

Sem investimentos maciços e ações em escala, o cumprimento dos ODS permanecerá indefinido, é o que aponta o Relatório sobre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável 2024.

Principais pontos:

  • Quase 60% dos países enfrentaram preços de alimentos moderada a anormalmente altos em 2022.
  • A banda larga móvel é acessível a 95% da população mundial, em comparação com 78% em 2015.
  • 55% dos países pesquisados não tinham leis que proibissem a discriminação direta e indireta contra as mulheres.
  • O aumento do acesso ao tratamento evitou 20,8 milhões de mortes relacionadas à AIDS nas últimas três décadas.
  • Apenas 58% dos estudantes em todo o mundo atingiram a proficiência mínima em leitura ao final do ensino fundamental.
  • O desemprego global atingiu o mínimo histórico de 5%, mas ainda há obstáculos persistentes para a obtenção de trabalho decente.
  • As altas temperaturas recordes dos oceanos provocaram um quarto evento global de branqueamento de corais.
  • A geração de eletricidade a partir de energia renovável se expandiu a uma taxa sem precedentes, crescendo 8,1% ao ano.

Cooperativismo em números

Expressão do Cooperativismo Gaúcho 2024 – Ano-base 2023 mostra que, cada vez mais, os gaúchos seguem vendo e buscando as cooperativas como oportunidade para o seu crescimento. Passamos de 3,5 milhões de associados em 2022 para 3,8 milhões. Ao todo, empregamos 75,9 mil pessoas. Fechamos 2023 com faturamento de R$ 86,3 bilhões nas 370 cooperativas registradas no Sistema Ocergs, um aumento de 3,3% em relação ao ano anterior.

O Brasil possui 9 das 300 maiores cooperativas do mundo.

Se as 300 maiores cooperativas fossem um país, seriam a 9ª maior economia do mundo. Seria o tamanho do Brasil.

O RS conta com 370 cooperativas e 3,8 milhões de associados. Tem quase 76 mil empregados.

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