Arte: Rafael Sica
Arte: Rafael Sica
Na dramaturgia, Godot é singular: alguém esperado em vão. Já na imaginação da gente, ele tá sempre presente e pode ser vários
1 – Dizem que Suzanne Deschevaux-Dusmenoil, a esposa de Samuel Beckett, fez inúmeros abortos. Quando foi questionada pela família e por amigos por interromper tantas gestações seguidas, ela nervosamente esclareceu: “Fiquei grávida de vários bebês, mas como nenhum deles seria Godot que tanto queríamos, todas as vezes desisti de esperar”.
2 – Houve um período, entre os anos 1930 e 1940, em que grandes designers de móveis famosos da Europa receberam encomendas de cadeiras, poltronas e até bancos de madeira.
Todas em nome de um certo Godot. E todas pagas à vista, por antecipação. Mas os anos passaram e ele jamais apareceu para retirar nenhum móvel.
3 – Num manicômio, havia doidos de todas as idades e tipos de doidice. Napoleões, Césares, Joana DArc, Elvis Presley, Hitler, Cleópatras, Deus, Hércules. Todos irremediáveis lá na sua insanidade. Havia também um Godot, mas esse não demorou pra ser diagnosticado como um falso maluco: ele chegava pontualmente a todas as sessões onde era esperado.
4 – A peça mais famosa de Samuel Beckett teve uma temporada de estrondoso sucesso. Teatro cheio, bilheteria esgotada meses a fio. Até aí nada demais. O interessante é que noite após noite, no final das longas filas para a compra dos ingressos, estava sempre o mesmo sujeito, quieto e inexpressivo. Após o penúltimo espectador ser atendido, ele chegava ao guichê com o dinheiro na mão, mas a bilheteira avisava: “Não tem mais lugar lá dentro, senhor”. E Godot ia embora.
5 – A mulher de Godot vivia preocupada com o sedentarismo dele: anos e anos de casados e ele não saía. Não ia a um boteco, um cineminha, jogo de futebol – nada o tirava de casa. Foram anos e anos de resmungos sobre ele atrapalhando a vida doméstica, sobretudo em dias de faxina. Homem sem vícios, um dia surpreendeu a mulher ao avisar que ia comprar cigarros. Ele saiu e ela até hoje espera por ele.
6 – Aquela mãe irlandesa estava com uma barriga enorme. O volume crescia enquanto os meses passavam. Seu desejado filho Godot, decerto, ia nascer forte, grande, sadio. A ocasião do parto se aproximava e barriga imensa. Depois de dez meses barriguda, sem contrações nem dores, nem placenta com sinais de rebentar, alguém sugeriu: “Troca o nome desse bebê, ou ele não virá nunca”. Ansiosa, ela trocou e naquela mesma noite nasceu Samuel Beckett.
FRAGA é colunista mensal do Jornal Extra Classe