OPINIÃO

O novo ‘milagre’ dos argentinos dolarizados

Os hermanos voltam a invadir as praias brasileiras, porque descobriram que é melhor gastar seus dólares aqui
Por Moisés Mendes / Publicado em 27 de fevereiro de 2025
O novo ‘milagre’ dos argentinos dolarizados

Foto: Julio Cavalheiro/ Secom SC/ Arquivo

“Os argentinos vivem num país desarrumado e empobrecido e vieram passar o verão aqui porque é um baita negócio”

Foto: Julio Cavalheiro/ Secom SC/ Arquivo

Quem passar uns dias em Santa Catarina, pode imaginar, se não prestar atenção nos detalhes, que Javier Milei enriqueceu todos os argentinos e enviou milhares deles para veraneio no Brasil. Só como ostentação. Mas não é bem assim.

A observação dos detalhes vai revelar que estão nas praias do Sul do Brasil os representantes de uma classe média argentina bem mediana mesmo. Argentinos que vieram bem antes e ficaram morando nas praias do Sul sabem qual é o perfil desses turistas.

Por isso, quem andou pela Praia do Rosa, no litoral catarinense, em janeiro e fevereiro, viu todos os dias, descendo a lomba em direção a parte sul, alguns carros argentinos com manutenção precária.

Viu uma camioneta picape Hilux que transitava pelo centrinho do Rosa como se tivesse saído de uma refilmagem de Mad Max. A camioneta chamava a atenção pela devastação da ferrugem em toda a lataria.

Mas como esse pessoal chegou até aqui em camionetas com décadas de uso e com toda a família, se a Argentina está com metade da população na pobreza?

Porque quem anda por aí é uma classe média que veio gastar seus dólares no Brasil. Claro que há os que ficaram mais ricos com a crise e preferem subir mais, em direção ao Rio e ao Nordeste. Mas os que são vistos nas praias gaúcha e catarinense são integrantes de uma classe média clássica e com poupança em dólares.

Mas é assim mesmo? É bem assim. Os argentinos que conseguem poupar alguma coisa guardam dólares desde o longo e hipnotizante período de 10 anos, terminado em 2001, em que um peso valia um dólar. Era assim por lei.

Com a renda em dólares, eles invadiram Canasvieiras e outras praias do norte de Florianópolis. Vinham para passear, compravam tudo, inclusive hotéis e pousadas. Muitos ficavam morando no Sul.

Foi a época em que eles compravam sempre mais do que uma unidade de qualquer coisa e quando ficou famosa a expressão ‘dame dos’. Pediam sempre de dois pra cima. Dois televisores, dois carros, dois apartamentos. O que se vê agora parece ser, mas não é a mesma coisa.

Os argentinos vivem num país desarrumado e empobrecido e vieram passar o verão aqui porque é um baita negócio. Com os custos de viagem e hospedagem, eles podem gastar aqui, pagando com dólares, até menos do que gastariam lá sem sair de casa.

Porque o câmbio foi quase congelado pelo governo, e o peso está sobrevalorizado em pelo menos 40% em relação ao dólar. O dólar deles vale menos lá, assim como o nosso real e, claro, os dólares que levamos daqui como turistas.

Passear na Argentina hoje é uma péssima ideia. Porque é claro que o peso se valorizou também em relação ao real, e os argentinos ganham mais na hora da conversão das moedas.

Milei criou um falso peso forte, para controlar a inflação artificialmente. A economia vai decrescer 4% esse ano e a inflação, que era de mais de 20% ao mês há um ano, está abaixo de 3%. Porque não há consumo. Os argentinos, com salários e aposentadorias arrochadas, não conseguem comprar o que precisam. O país está em estagnação.

Por isso, antes mesmo do veraneio, ele atravessavam as fronteiras e iam comprar comida e bens duráveis no Brasil e no Chile. As estatísticas do Indec, o IBGE deles, revelam que a saída de turistas argentinos do país em janeiro aumentou 74,9% em relação ao mesmo mês de 2024.

Saíram 2,6 milhões de pessoas. No caminho inverso, a Argentina recebeu 25,8% menos turistas em janeiro. Segundo o Ministério do Turismo brasileiro, os argentinos representaram 58,6% de todos os estrangeiros que passaram pelo país em janeiro.

Eles saem a passear com os dólares que pouparam e que teriam que gastar de qualquer forma, no aperto, dentro do país. Desfrutam do veraneio aqui e alguns ainda economizam em relação ao que gastariam lá, porque a moeda americana no bolso deles vale ouro no Brasil.

Essa é uma das distorções de uma aberração econômica que uma aberração política criou para a Argentina, enquanto atua também como inventor de criptomoedas. Esse é o cara que ganhou o prêmio de economista do ano da Ordem dos Economistas do Brasil.

Um farsante que já está sendo processado como vigarista tem o reconhecimento dos empresários brasileiros, do bolsonarismo e dos economistas liberais. Porque está destruindo um país, mas vai ‘conter’ os gastos públicos e a inflação.

Muitos dos argentinos que passeiam por aí não sabem o que acontecerá com eles nos próximos meses, enquanto até os brasileiros que moram lá retornam ao Brasil, porque a vida, principalmente em Buenos Aires, ficou insustentável.

Mas os argentinos sabem que o negócio hoje é gastar os dólares no Brasil, em algumas das praias mais lindas do mundo, ou na Europa, o destino de quem tem bastante dinheiro.

Muitos deles, talvez até o homem da Hilux caindo aos pedaços, são mileinistas e acreditam que as coisas ainda vão melhorar. Enquanto não melhoram, o programa do verão é desfrutar das maravilhas do Rosa.

Moisés Mendes é jornalista e escreve quinzenalmente para o Extra Classe.

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