Agrotóxicos: o veneno está no ar, no solo, na água e na mesa dos gaúchos
Foto: Igor Sperotto
Mesmo sem conseguir controlar os danos provocados pelo uso de agrotóxicos em apenas 24 municípios prioritários do programa Deriva Zero em 2020, o governo do estado tenta afrouxar as regras para o uso de químicos no Rio Grande do Sul. No final do ano passado, o governador Eduardo Leite (PSDB) encaminhou à Assembleia Legislativa o projeto de lei 260, que flexibiliza o uso de venenos em lavouras gaúchas e pode trazer de volta o perigoso Paraquat, químico utilizado na Guerra do Vietnã, há anos banido da Europa e também proibido por aqui. Com viés econômico, o governo gaúcho aposta na expansão das culturas que vicejam à base de venenos nos pampas, enquanto os próprios dados do programa Deriva Zero mostram que o estado ainda está muito distante do controle adequado. Embora a aplicação de venenos em larga escala elimine pragas e aumente a produtividade das lavouras, a aplicação excessiva e ilegal contamina o solo e a água, causa danos irreparáveis ao meio ambiente, provoca intoxicações, doenças crônicas e mortes – no meio rural e nas cidades
Fotos: Arquivo Pessoal e Igor Sperotto
Em novembro de 2020, uma pulverização aérea irregular de agrotóxicos destinados a lavouras de grãos em Nova Santa Rita, na região metropolitana de Porto Alegre, dizimou cerca de 70% da produção orgânica de pelo menos duas dezenas de famílias de agricultores do assentamento Santa Rita de Cássia II, que integra o complexo de cultivo orgânico da reforma agrária do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), maior produtor de arroz agroecológico da América Latina. A comunidade é rodeada de fazendas que praticam o cultivo convencional de arroz e soja, com aplicação de venenos em larga escala nas lavouras.
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Os agricultores relatam, ainda, que foram alvo de intimidação depois dos registros e após a Justiça entrar no caso, proibindo pulverizações aéreas em lavouras do entorno do assentamento. Em março, no entanto, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) manteve um recurso ajuizado pelo produtor João Carlos Hanus, que arrenda parte da Granja Nenê, lindeira ao assentamento, e um dos produtores apontados como responsável pela deriva, mas proibiu a pulverização de agrotóxicos com aeronaves em lavouras no entorno do assentamento. Advogado de Hanus, Anderson Belloli afirma que, em novembro, a lavoura do produtor já estava em desenvolvimento e que o 2,4-D danificaria o arroz pelo estágio em que se encontrava naquele período.
Depois da decisão judicial que proibiu a pulverização aérea de agrotóxicos, produtores registraram imagens do sobrevoo de um avião de pequeno porte sobre o assentamento. Após rasantes sobre as moradias, roças e estufas, segundo os produtores, um forte cheiro se espalhou pela colônia e novas perdas foram registradas. Nas horas que se seguiram, parte dos assentados foi parar no posto de saúde local com sintomas de intoxicação.
“Foi um claro ataque contra pessoas, porque o avião dava rasantes sobre as casas. Não estava pulverizando lavoura nenhuma. Nós éramos o alvo. Chegou tão perto que conseguimos fotografar o prefixo da aeronave”, relata um agricultor que não quis ser identificado, apreensivo com a própria segurança.
O delegado responsável pelas investigações, Mário Souza, prefere não relacionar os dois episódios, mas ressalta que é importante denunciar. Investigações e boletins de ocorrência sobre deriva não são comuns e dependem de perícias técnicas e laudos externos. O que ocorreu no assentamento, diz Souza, serve de alerta para produtores de todo o estado ao mostrar que a deriva e prejuízos causados a outros agricultores são, também, um caso de polícia.
“Já ouvimos diversas testemunhas e os pilotos, mas um dos laudos não apontou a deriva. Uma das razões pode ser o uso de químicos ilegais que não são identificados nas amostras colhidas.”
Foto: Igor Sperotto
Joice dos Santos, um dos produtores que registrou perdas em quase todas as suas culturas e também animais, diz que precisou vender uma camionete e trator para pagar as contas do prejuízo. “As denúncias, na polícia e na Justiça, acho que nem vão servir tanto para nós, mas sim como respaldo para outros produtores, no futuro. E espero que venham a inibir em todo o estado que isso se repita”, avalia.
Os prejuízos aos agricultores que, mesmo sem usar agrotóxicos, viram solo e plantas contaminados, perderam clientes e têm quebra na produção, se avolumam em todo o Rio Grande do Sul. Mas os danos do uso desregrado de químicos nas lavouras vão muito além dos econômicos e raramente são ressarcidos. Assim como em pouquíssimos casos, os impactos na saúde são contabilizados.
No posto de saúde onde os produtores de Nova Santa Rita buscaram ajuda – com ardência nos olhos, enjoos, dores de cabeça e outros sintomas de intoxicação –, nenhum exame foi feito ou sangue coletado. Foram mandados embora com “suspeita” de covid-19, apesar dos relatos da pulverização e dos visíveis danos nas hortas e nos pomares. A falta de notificações de intoxicações por agrotóxicos é comum no país, tanto nos casos imediatos, pelo uso ou proximidade de uma área de aplicação, quanto os casos crônicos de envenenamentos. E isso não apenas no meio rural, alerta o Instituto Nacional do Câncer (Inca): toda a população está suscetível à exposição por meio da ingestão constante de alimentos ou água contaminada.
O veneno está no sangue e na mesa da população urbana
Foto: Igor Sperotto
“Análises laboratoriais de sangue para detecção de agrotóxicos em quem busca atendimento são praticamente inexistentes e defasadas. Há uma intensa liberação de princípios ativos novos todos os anos, mas sem que estejamos fazendo nenhum estudo sobre os impactos na saúde”, alerta Vanda Garibotti, servidora da Secretaria Estadual da Saúde no Fórum Gaúcho de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos (FGCIA).
Doenças causadas pelo uso de agrotóxicos podem até ser mais “visíveis” na população rural, mas os químicos usados nas lavouras vão parar na mesa da população urbana pelos alimentos e até mesmo pelas fontes de abastecimento de água de grandes cidades. As vítimas do uso indiscriminado de agrotóxicos, no entanto, são invisíveis devido às carências de diagnósticos, à falta de exames adequados e às subnotificações de casos e exames em postos de saúde e hospitais.
Em Porto Alegre, por exemplo, 27 agrotóxicos foram detectados nas fontes que abastecem a cidade entre 2014 e 2017, segundo dados compilados pelo portal Por Trás do Alimento, colhidos a partir do Sistema de Informação de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano (Sisagua), do Ministério da Saúde. Onze deles são associados a doenças crônicas, como câncer, defeitos congênitos e distúrbios endócrinos. Como isso é possível se, apesar de possuir extensas áreas rurais na Zona Sul, a capital gaúcha está longe de ser polo do agronegócio?
“A água que chega a Porto Alegre tem origem em diferentes rios, como o Gravataí, o Sinos e o Jacuí, entre outros, que costeiam quilômetros e quilômetros de lavouras ao longo de seus cursos. É comprovado que existe uma carga tóxica trazida nos alimentos e que pode ir se acumulado no corpo pelo consumo diário, amplo e irrestrito”, explica Juliano de Sá, presidente do Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável do Rio Grande do Sul (Consea/RS).
O Departamento Municipal de Água e Esgotos da capital (Dmae) contesta os dados e afirma que não há detecção de agrotóxicos na água de Porto Alegre, conforme análises periódicas realizadas pelo órgão. Mas como saber se a água consumida pela população em outras partes do estado tem traços de contaminação por agrotóxicos? A Corsan não oferece qualquer canal público de acesso a dados. Questionada sobre, a companhia gaúcha somente remete ao site do Sisagua, do governo federal, que não é aberto ao público. A falta de transparência é alvo de críticas do Ministério Público Federal (MPF), que pede, há anos, um sistema de fácil acesso aos moradores do estado.
Mata silencia sobre intoxicações e mortandade de abelhas
Foto: Arquivo Pessoal
O caso de Nova Santa Rita assemelha-se a outro de grande repercussão no estado, registrado em 2018 em Mata, município de 5 mil habitantes situado na Região Central gaúcha, e um dos enclaves do cultivo de soja à base de venenos.
Em outubro daquele ano, período em que grandes lavouras de verão começam a ser preparadas, apicultores como Jailson Bressan e Maicon Folgerini viram morrer cerca de 420 mil abelhas. Nos mesmos dias, diversos moradores da cidade recorreram ao hospital da vizinha Jaguari em busca de atendimento, com sintomas clássicos de intoxicação por agrotóxico. Como era outubro e a cidade vivia a euforia das festas de Kerb alemãs, conta Folgerini, o adoecimento de alguns colonos passou por simples intoxicação alimentar associada à comilança durante os festejos.
A morte das abelhas, no entanto, ficou sem explicação até a liberação de um laudo, que atestou a contaminação por Fipronil nas colmeias.
Falar sobre o caso é evitado na cidade, e são poucos que o fazem abertamente, como Bressan, Folgerini e o secretário de Agricultura da época, Guimarães da Silva. No Hospital de Caridade de Jaguari, onde produtores intoxicados buscaram atendimento no mesmo período da mortandade das abelhas, os atendimentos ambulatoriais aumentaram cerca de 10%, mas as autoridades de saúde não se deram ao trabalho de investigar.
Folgerini diz que a maioria dos moradores tem familiares que plantam soja, e por isso a deriva vai sendo empurrada para baixo do tapete. Já as lavouras avançam e cercam o município até quase as calçadas.
Os danos à saúde também se espalham, comenta o apicultor, que perdeu mais de uma centena de colmeias também entre 2019 e 2020. “Ninguém aqui fala muito, mas toda semana tem um novo caso de câncer. Muitos produtores e apicultores têm prejuízos há anos, mas como todo mundo tem um parente que planta, fica por isso mesmo”, relata.
O ex-secretário de Agricultura assegura que nada mudou em Mata desde 2018. Ou seja, a deriva segue descontrolada, os prejuízos aos pequenos agricultores não são ressarcidos, e os culpados seguem impunes.
“Nada foi resolvido, simplesmente os produtores ficaram com o prejuízo. Quem poderia agir não fez nada, nenhuma investigação. Tá tudo calmo e quieto e acho que vai morrer assim. Eu acho que em 2018 foi uma mistura que fizeram, até com coisa proibida, que alguns buscam no Uruguai”, cogita Silva.
Calda tóxica e o medo da primavera
Foto: Arquivo Pessoal
Os casos de deriva de químicos por aplicação incorreta se espalham por quase todo o estado, assim como as lavouras de soja. É como se uma névoa tóxica pairasse sobre boa parte do território gaúcho, especialmente no período de preparação da terra para receber as sementes da oleaginosa, a partir de agosto e setembro.
Entre os produtores de mel, hoje, há inclusive uma expressão trágica para designar o período: Medo da Primavera, que virou título do documentário feito à época pelo Coletivo Catarse.
Hoje, são 6 milhões de hectares semeados com soja, segundo a Conab. Este campo de guerra química aumentou em mais de 1,6 milhão de hectares apenas entre 2015 e 2021. Assim, com uma passada de avião e um pouco de vento, o veneno que deveria cair sobre a lavoura vai sendo despejado de forma criminosa, eliminando, pouco a pouco, pequenas economias rurais, o meio ambiente e arruinando a saúde da população.
Foto: Frente Cidadã Contra os Agrotóxicos/ Divulgação
Em muitos casos, o que é derramado indiscriminadamente sobre lavouras é uma calda tóxica, diz Leonardo Melgarejo, engenheiro agrônomo, mestre em Economia Rural e conselheiro da Agapan e um dos coordenadores do FGCIA. Calda tóxica é o nome dado à mistura irregular de diferentes produtos aplicados todos em uma única “passada de avião”, gerando um composto cujos efeitos sequer se consegue mensurar adequadamente.
Com apenas alguns mililitros, o veneno hormonal 2,4-D mata pomares e videiras, e o inseticida Fipronil elimina milhares de insetos polinizadores (fundamentais à própria agricultura). Difícil mensurar, portanto, o que pode fazer um conjunto deles em larga escala e se acumulado no solo, na água e na comida. Foram os danos econômicos aos vinhedos da Metade Sul, especialmente, que trouxeram o tema da deriva novamente ao centro do debate, em detrimento até mesmo de questões mais importantes, como a saúde humana, alerta Melgarejo.
“Antes, afetava mandioca, melancia… produtores de baixa renda. Agora, como aconteceu o choque entre duas culturas importantes, se criou uma equação para tentar solucionar os problemas econômicos. O que está em debate não é a sociedade, os pequenos agricultores e nem a saúde das pessoas”, critica Melgarejo.
Atuação do MP é alvo de críticas
Os casos de deriva do 2,4-D, que, por ser hormonal, altera todo o ambiente em que não deveria estar, com poucas gotas, foram alvo de inquérito do Ministério Público, o qual acumula mais de cinco mil páginas e que deu origem a inúmeros processos criminais.
O promotor Alexandre Saltz, que coordena o inquérito aberto em 2019 e responde pela Promotoria do Meio Ambiente em Porto Alegre, não sabe informar quantos processos criminais já foram abertos no estado por problemas de deriva. Mas ele assegura que há casos e avanços promovidos pela investigação. Novas regras para tentar conter os danos foram adotadas em 24 municípios em 2020, com 89 casos confirmados de prejuízos em pequenas propriedades.
O Ministério Público esclareceu que não tem esses números consolidados ainda, porque os autos de infração sobre mau uso do 2.4-D, lavrados pela SEAPDR em 69 municípios foram enviados às Promotorias que os atendem. Conforme o MPRS, a avaliação e eventual deflagração de processo criminal é de responsabilidade do promotor de justiça local e que para levantar esse número seria necessário contatar cada uma dessas promotorias para onde os autos de infração foram remetidos.
Enquanto governo e o MPRS comemoram a redução de 25% dos casos (foram cerca de 80 em 2020 ante 110 em 2019), líderes setoriais, como o presidente da Cooperativa Agrária São José, João Alberto Minuzzi, o presidente da Associação dos Vinhos da Campanha, Valter Pötter, e o presidente da Agapomi, José Sozo, criticam o estado pela ineficiência no controle da deriva. O grupo chegou a entrar com uma ação na Justiça pedindo a proibição do 2,4-D até que o governo comprove que tem condições de controlar o uso do veneno.
Legislação permissiva e novos venenos no mercado
Foto: Igor Sperotto
Os indicadores de registros de intoxicação por produtos químicos usados nas monoculturas, não por acaso, ocorrem entre agosto e dezembro. É neste período que acontecem o preparo da terra e os cuidados com as lavouras de verão.
“Há casos de deriva de herbicidas afetando cinamomos em praças no centro de algumas cidades (como em Santana do Livramento, em 2019). E claro que ele também chegou nas casas e até as pessoas e que essa névoa foi também respirada. Não vão ter sintomas imediatos, mas terá ao ser acumulada, e isso pode estar ocorrendo a cada nova safra”, alerta a advogada e bióloga Vanda Garibotti, coautora de um estudo que identifica o estado no topo do ranking das intoxicações por deriva.
Especialista em direito ambiental e defensor de apicultores afetados diariamente pela deriva, José Renato de Oliveira Barcelos lembra que alguns químicos usados em lavouras têm um poder residual no solo de até 400 dias. “Em Mostardas, por exemplo, foram identificados 27 resíduos na água a 50 metros de profundidade. Soma-se a isso a má aplicação. O Fipronil, pela alta toxidade, só poderia ser aplicado direto no sulco, mas aplicam por avião”, espanta-se o advogado.
A contaminação da água e dos alimentos e a legislação frouxa preocupam a procuradora Ana Medeiros, representante do MPF no FGCIA. “No Brasil, estão autorizados 404 princípios ativos para produção de venenos destinados a lavouras. Desses, só 27 parâmetros são monitorados na água”, ilustra. Ela acrescenta que há uma lei para buscar mais 46, somando 73. Mas levar esses indicadores até o conhecimento público, de forma clara, ainda é uma batalha.
Na União Europeia, o volume máximo de resíduos aceitos na água é de 0,1 micrograma por litro. E o somatório de todos os resíduos não pode ser maior que 0,5. No Brasil, a previsão é de limites máximos individuais, que não se somam, e de até 11 mil microgramas, compara a procuradora.
Não bastasse ser uma legislação permissiva, o país estimula o uso de agrotóxicos com recursos públicos, como com incentivos fiscais para produção, em vez de financiar uma produção sustentável. “Além do registro de uma quantidade imensa de novos agrotóxicos, eles são liberados sem que o país tenha capacidade instalada de monitorar seus resíduos, na água, nos alimentos e no corpo humano. Estamos batalhando para mudar isso dentro do Fórum de Combate aos Agrotóxicos e no MPF, em um plano de ação que vai ser trabalhado neste ano”, revela.
Distante do Deriva Zero, governo quer flexibilizar regras
Foto: Divulgação
Difícil imaginar que, confirmadamente envenenando tantas culturas, os agrotóxicos também não estejam causando danos crescentes às pessoas. E os riscos são cada vez maiores. Mesmo sem conseguir conter a contaminação de pomares, videiras e outras culturas sensíveis aos 2,4-D em menos de 30 municípios com o programa Deriva Zero, o governo do estado pretende flexibilizar a Lei de Agrotóxicos no Rio Grande do Sul.
Em 2020, o programa que impôs regras mais rígidas ao uso de químicos em lavouras gaúchas reduziu os casos de deriva em apenas 25%.
O PL altera legislação própria do RS, que, desde 1982, regulamenta o uso de agrotóxicos e não autoriza aqui o uso de químicos importados que sejam proibidos em seus países de origem, como é o caso do Paraquat, já proibido na Europa.
O governo defende que assim estaria igualando o estado ao restante do Brasil, e que o novo texto reforça que a competência nacional para determinar diretrizes e exigências para o registro dos produtos agrotóxicos em todo o país se dá por meio do crivo de três entes: o Ministério da Agricultura, o Ibama e a Anvisa.
Encaminhado em regime de urgência no final do ano passado, o projeto foi retirado da apreciação dos deputados estaduais depois de mobilizar quase 300 entidades gaúchas. Mas pode voltar à cena em breve, inclusive trazendo de volta o temido Paraquat.
O veneno desfolhante usado no Vietnã, inicialmente em florestas e depois para eliminar inimigos, foi banido do nosso território nos anos 1980, ao menos oficialmente, e agora ronda mais uma vez o Rio Grande do Sul. Caso o PL 260 seja aprovado pela Assembleia Legislativa, o Paraquat poderá tornar a ser usado legalmente no estado (ilegalmente, há suspeitas de que ainda seja).
Rita Grasselli, chefe adjunta da Divisão de Insumos e Serviços Agropecuários, diz que o trabalho da Secretaria de Agricultura em 2020 pode ter sido prejudicado no ano passado pela pandemia. E admite que não está previsto nenhum reforço, até o momento, para fiscalizar todo o Rio Grande do Sul, que, em julho, passará a estar integralmente sob as regras do Deriva Zero.
Sobre as mudanças na legislação estadual, Juliano de Sá, presidente do Consea/RS, alerta que a sociedade precisa discutir mais e ter mais conhecimento sobre o que está ocorrendo no estado, assim como sobre o que está colocando no prato e no copo. Essa foi uma pequena conquista das quase 300 entidades que conseguiram barrar o PL 260 para votação em regime de urgência. Neste processo, poderia ir à votação sem debate público e sem passar pela Comissão de Saúde e Meio Ambiente.
Não é por acaso, atesta Sá, que o Rio Grande do Sul está entre as maiores incidências do ranking de casos de câncer na população, de acordo com o Instituto Nacional do Câncer (Inca), bem como de depressão e suicídios – em muito relacionados aos químicos usados em lavouras.
Vale do Rio Pardo, tradicional região de produção de tabaco, é um caso clássico em que o chamado mal da folha verde encontrou nos venenos aplicados em lavouras um campo próspero para semear suicídios. O alerta vem de diferentes especialistas, como da médica do trabalho Adriana Skamvetsakis, do Centro Regional de Referência em Saúde do Trabalhador da Região dos Vales.
“A intoxicação por agrotóxico pode ocorrer aos poucos, sem um quadro de sintomas tão claro, mas que, cumulativamente, provocam alterações ligadas a transtornos mentais, depressivos, cognitivos, câncer… Isso também vale para o consumo de alimentos. Não são doenças exclusivas geradas por esses químicos. Mas o agrotóxico é uma bomba-relógio, que, muitas vezes, dispara o potencial genético para isso, mais cedo ou de forma mais agressiva”, projeta a médica.