JUSTIÇA

Petrobras vendeu refinaria abaixo do preço aos Emirados Árabes

Tribunal de Contas da União aponta fragilidades na operação de venda da refinaria Landulpho Alves durante o governo Bolsonaro, em 2021
Por Gilson Camargo / Publicado em 5 de janeiro de 2024

Petrobras vendeu refinaria abaixo do preço aos Emirados Árabes

Foto: Fernando Frazão/ Agência Brasil

Foto: Fernando Frazão/ Agência Brasil

A venda da Refinaria Landulpho Alves, na Bahia, em novembro de 2021, apresentou fragilidades, constatou auditoria da Controladoria-Geral da União (CGU).

O principal problema, apontou o relatório, foi a venda abaixo do preço de mercado, decorrente principalmente da escolha do momento do negócio – em plena pandemia de covid-19 – numa época em que a cotação internacional do petróleo estava em baixa.

Rebatizado de Refinaria de Mataripe, o empreendimento foi vendido por US$ 1,65 bilhão (R$ 8,08 bilhões pelo câmbio atual) ao fundo Mubadala Capital, divisão de investimentos da Mubadala Investment Company, empresa de investimentos de Abu Dhabi e que pertence à família real dos Emirados Árabes Unidos.

O relatório não afirmou, de maneira categórica, que houve perda econômica com a venda da refinaria. O documento, no entanto, questionou o momento do negócio, argumentando que a Petrobras poderia ter esperado a recuperação do petróleo no mercado internacional.

A venda, ressaltou a CGU, ocorreu num cenário de “tempestade perfeita”, com a combinação de incerteza econômica e volatilidade trazida pela pandemia, premissas pessimistas para o crescimento da economia no fim de 2021 e alta sensibilidade das margens de lucro, o que resultou em maior perda de valor.

Negócio suspeito

A CGU constatou fragilidade na utilização de cenários como suporte à tomada de decisão, com destaque para a falta de medição de probabilidade realista em eventos futuros.

O relatório também questionou a aplicação de metodologias não utilizadas, até então, para venda de estatais brasileiras.

O órgão de controle sugeriu que, em situações de grande incerteza, duas opções poderiam ter sido consideradas: aguardar a estabilização do cenário futuro ou fazer uma avaliação única, ajustando premissas operacionais e de preços.

Em sua manifestação, a Petrobras defendeu a utilização de cenários como uma prática comum e adequada, mesmo reconhecendo limitações.

A estatal alegou que as projeções foram feitas com consistência e que a pandemia tornou a análise mais desafiadora. A empresa reconheceu desafios e concordou em avaliar melhorias sugeridas, como a inclusão de medição de probabilidade em futuras análises.

Joias dos Emirados Árabes a Bolsonaro  

Petrobras vendeu refinaria abaixo do preço aos Emirados Árabes

Foto: Alan Santos/ PR/ Arquivo

Negócios obscuros: o ex-presidente da República Jair Bolsonaro durante encontro Bilateral com o Principe Herdeiro da Arábia Saudita, Mohammed Bin Salman, em 2019, antes da venda da refinaria

Foto: Alan Santos/ PR/ Arquivo

A divulgação do relatório reacendeu suspeitas em torno de presentes dados pelo governo dos Emirados Árabes Unidos ao ex-presidente Jair Bolsonaro em outubro de 2019 e novembro de 2021, justamente o mês da venda da refinaria.

O ex-presidente devolveu à Caixa Econômica Federal um fuzil calibre 5,56 milímetros e uma pistola nove milímetros dados pelo governo dos Emirados, após uma decisão do Tribunal de Contas da União (TCU).

Além dos presentes devolvidos, a Política Federal investiga joias e esculturas dadas por autoridades públicas dos Emirados Árabes.

Em duas viagens oficiais, uma em outubro de 2019 e outra em novembro de 2021, ele recebeu um relógio de mesa cravejado de diamantes, esmeraldas e rubis, um incensário em madeira dourada e três esculturas, das quais uma ornada com detalhes em ouro, prata e diamantes.

O ex-presidente também é investigado por três caixas de joias, orçadas em R$ 18 milhões, recebidas do governo da Arábia Saudita e devolvidas em março e abril do ano passado.

Conexão entre joias e venda da refinaria

Por meio da rede social X (antigo Twitter) o ministro da Advocacia-Geral da União, Jorge Messias, informou que uma possível conexão entre a venda da refinaria e o recebimento das joias merece ser investigado.

“Importante esclarecer se há alguma conexão com o episódio das joias, já sob investigação pela Polícia Federal”, alertou o ministro. Ele lembrou que os partidos de oposição ao governo Bolsonaro no Senado fizeram inúmeras denúncias das “inconsistências dessa privatização em claro prejuízo ao patrimônio público e aos consumidores brasileiros”, escreveu.

Também por meio da mesma rede social, o ministro da CGU, Vinicius Marques de Carvalho, informou que a auditoria sobre a venda da refinaria está com a Polícia Federal. “A PF já teve acesso ao relatório, que inclusive já está publicado na página da CGU”, ressaltou.

Peculato

Em março do ano passado, quando começaram a circular as suspeitas de ligação entre a venda da refinaria e o recebimento de presentes dos Emirados Árabes, o ex-presidente Bolsonaro postou que a privatização foi aprovada pelo Tribunal de Contas da União (TCU). “O TCU acompanhou e aprovou a venda da refinaria da Bahia aos árabes”, escreveu na época.

No início de dezembro, o Tribunal de Contas da União recomendou que o ex-presidente devolvesse em 15 dias joias e armas que ele desviou do patrimônio público. O TCU apontou para possível prática de peculato, crime praticado por funcionários públicos que se apropria de coisa pública de forma ilegal.

A decisão tem base em um parecer técnico do órgão e reforça decisão cautelar anterior, de março, do ministro Augusto Nardes, relator do processo. Nardes afirma que o caso “revela elevada gravidade. Seja pelo valor dos objetos, seja pela relevância dos cargos dos eventuais autores das irregularidades”.

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