Apagão no fornecimento de energia elétrica no RS coloca em xeque privatização da CEEE
Foto: Agergs/ Divulgação
Os mais de 450 mil consumidores que continuam sem energia elétrica no Rio Grande do Sul após o temporal de terça-feira, 16, e os problemas decorrentes do apagão das últimas 48 horas incendiaram o debate sobre a privatização da empresa de energia do estado, a Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE).
A estatal de energia foi um dos setores mais estratégicos a entrar na agenda de privatizações dos sucessivos governos gaúchos e acabou vendida totalmente em 2021 pelo governador Eduardo Leite (PSDB).
Na madrugada de terça para quarta-feira, 17, mais de 1 milhão de unidades consumidoras ficaram sem energia das cerca de 4,2 milhões que integram as duas distribuidoras que dominam o setor no estado.
De acordo com a Equatorial, os problemas no abastecimento devem se estender até sábado, 20.
O grupo Equatorial Energia tem 1,2 milhão de clientes.
Controladora do setor em Alagoas, Amapá, Goiás, Maranhão, Pará e Piauí, arrematou a CEEE-D pelo valor simbólico de R$ 100 mil em leilão realizado pelo governo gaúcho em março de 2001.
A companhia assumiu um passivo de R$ 4,4 bilhões em ICMS reduzido para R$ 1,7 bilhão para pagamento em 15 anos.
A Equatorial assumiu a distribuição de energia em 102 municípios há cerca de dois anos, já foi multada diversas vezes pela agência reguladora devido à baixa qualidade dos serviços.
A RGE tem mais de 3 milhões de clientes e atende 381 municípios.
Até Melo e Leite reclamaram
Em uma realidade de caos na qual o próprio prefeito da capital, Sebastião Melo (MDB), se queixou nas redes sociais por não conseguir fazer contato com a distribuidora de energia e até o governador Eduardo Leite (PSDB) chegou a falar na possibilidade de retirar a concessão das mãos da Equatorial Energia, sobram de todos os lados cobranças e defesas.
Leite foi o articulador do processo que vendeu para a iniciativa privada as CEEE GT (Geração e Transmissão) e a CEEE-D (Distribuição) e Melo, quando deputado estadual, foi um dos votos decisivos para a privatização da estatal.
Passando pano
Críticos da privatização como o do jornalista Celso Schröder apontam para formas diferentes de tratamento da atual distribuidora no principal jornal do estado, o Zero Hora (ZH).
Rosane de Oliveira, colunista de Economia do jornal do Grupo RBS, lembrou que na época da estatal houve casos similares e que contou com a compreensão da população.
Cedo ou tarde, mas pagando a conta
Enquanto Rosane de Oliveira em sua coluna nesta quinta-feira, 18, diz que ainda é “cedo” para dizer que a estatal faria diferente, Schröder, que lecionou por 36 anos na PUCRS matérias que foram da Teoria do Jornalismo à Ética e Legislação lembra que, quando a pauta é positiva, o nome Equatorial figura nas manchetes.
Já, “quando o serviço vira uma m…., o jornal a chama de CEEE”, dispara o jornalista ao mostrar as manchetes da ZH nesse sentido.
“Calma lá, CEEE era aquela empresa estatal criada pelo Brizola a partir de outra empresa privada falida”, completa o jornalista e professor ao registrar ainda que os gaúchos tiveram “por muitas décadas, energia de qualidade e por preços razoáveis”.
Vicente José Rauber, que presidiu a CEEE logo após a privatização de dois terços de sua distribuição pelo governo Antônio Britto (ex-PMDB) no final dos anos 1990, recorda que “a privatização do Britto, de fato, deixou marcas profundas que nós não recuperamos em seu todo”.
Rauber fala do fato da CEEE ter renunciado a dois terços de sua distribuição para dar origem às então RGE e AES Sul.
Para isso, se saneou o que foi para as privadas e, ao mesmo tempo que a parte estatal abriu mão de dois terços de sua receita, teve que ficar com cerca de 80% do passivo.
“Mas, nós colocamos a empresa nos trilhos para ela andar, apesar disso e com muita qualidade”, defende Rauber.
Os passos da destruição
Para o ex-presidente da estatal, o trabalho acabou não tendo continuidade nas gestões do governo estadual que sucederam o então governador Olívio Dutra (PT) e culminou com as bases reais para a privatização do que restava da companhia (Geração, Transmissão e um terço da distribuição no estado) no governo de José Ivo Sartori (MDB).
Sobre a opinião da colunista, Rauber é categórico: “Ela voltou a fazer o mesmo jogo que fazia antes. A Zero Hora ajudou a privatizar a empresa com a Rosane de Oliveira à frente”, aponta.
Outra fonte da alta administração da CEEE quando a empresa ainda era uma estatal falou ao Extra Classe na condição de anonimato.
“O Sartori foi o grande destruidor da CEEE. E a Zero Hora nunca noticiou nada sobre isso. Ele fez uma intervenção branca. A diretoria tinha que se reunir para decidir qualquer coisa na Casa Civil. O representante da Eletrobras lá na diretoria de Geração se negou a se reunir lá”, pontua a fonte que continua atuando no setor elétrico como consultor.
O golpe de misericórdia que acabou alimentando o discurso pró-privatização total da CEEE, diz, foi determinação para que a companhia não repassasse o ICMS aos cofres do estado. “Isso gerou um passivo que ultrapassou R$ 4 bilhões”.