Já chovia há quatro dias quando Noé recebeu uma visita. O sujeito, alguém que ele nunca tinha visto, estava ensopado até os ossos.
– Seu Noé? Deus mandou um aviso especial para o senhor. É o seguinte: vai chover 40 dias e 40 noites. É pra construir uma arca, encher de bicho e esperar.
Ilustração: Sica
Ilustração: Sica
– É? E por que não fui avisado antes? Onde vou achar madeira seca?!
– Bom, não tenho nada com isso, meu departamento é outro, o cara dos recados tá de licença. Como esperavam passar o temporal, só recebi a tarefa ontem, mas seu endereço era fora da rota. O senhor assine aqui, por favor.
E sumiu no aguaceiro.
oOo
A maquete da pirâmide ficara uma beleza, seria a maior de todas. Queóps elogiou o arquimestre-de-obras:
– Muito bom o seu projeto, basta uns cortes no orçamento. Precisamos definir é o tempo de construção, o mais rápido possível.
O arquimestre-de-obras consultou a planta da pirâmide para esclarecer:
– Seu faraó, calculei que com 30 mil trabalhadores fica pronta em 60 anos.
– O quê?! Antes disso já estarei morto! Tem que ser no máximo em 20 anos!
– Bem, só se não tiver descanso no fim de semana, nada de férias, três turnos sem hora extra, rigor no cronograma. Quer dizer, exigiria outro regime trabalhista.
Queóps se animou:
– Qual?
– Escravidão.
E assim foi feito.
oOo
Pedro Alvares Cabral reuniu a tripulação. Estava de cara amarrada.
– Pessoal, não dá mais. Já estamos no mar há mais de ano e nada de descobrimentos. O que tá havendo com a turma da gávea? Quero uma explicação já!
Um dos marujos avançou um passo.
– Seu Cabral, a gente não é empregado da sua companhia de navegação.
Ofereceram pra gente um biscate na sua nau, serviços gerais, nenhuma experiência. Não falaram sobre todo dia subir e ficar olhando o horizonte lá de cima. O problema é que eu tenho catarata, o meu colega tem vertigem de altura e o outro ali enjoa desde que embarcamos.
E o capitão-mor deu um suspiro, o mais profundo da sua vida.
Nossa época cultua tanto o efêmero que é até capaz do carbono 14 nos ignorar.