Universidades reprimem com violência seus estudantes
Foto: Reprodução/Redes sociais
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“A juventude vive hoje numa era sem esperança, uma era em que é difícil sequer imaginar uma vida além do capitalismo de livre mercado ou superar o receio de que qualquer tentativa de fazê-lo só pode resultar no agravamento dessa situação” (Henry A. Giroux)
Em datas icônicas, a pedido das próprias universidades americanas, jovens estudantes são reprimidos e presos. No dia 30 de abril de 1968, a polícia de Nova York entrou na Universidade de Columbia para prender centenas de estudantes. Nos última terça (30 de abril de 2024), 56 anos após, as tropas voltaram ao campus e 300 estudantes foram presos desta vez.
Em maio de 1968, também, tiveram início mobilizações realizadas por estudantes franceses na Universidade Paris, em Nanterre. Também os estudantes franceses envolvidos nos protestos foram ameaçados de expulsão pela administração da universidade. Outra manifestação organizada pelos estudantes no dia 3 de maio de 1968 foi duramente reprimida.
A partir destes fatos, as manifestações se espalharam por outras universidades, como a de “Sorbonne”, e pela Europa. Os protestos tornaram-se cada vez mais violentos e espalharam-se pelas ruas de Paris. Barricadas começaram a ser construídas nas ruas e o número de presos e feridos – fruto da repressão policial – aumentou bastante.
Nos anos de 1968, entre os principais temas de contestação universitária, destacavam-se: a recusa do caráter classista da universidade; a denúncia da falsa neutralidade e da falsa objetividade do saber; a denúncia da parcelização e tecnocratização do saber; a contestação dos cursos ex cathedra; a denúncia dos professores conservadores ligados à política do governo; o questionamento do lugar que, na divisão capitalista do trabalho, os diplomados irão ocupar; a denúncia da escassez de possibilidade de empregos qualificados, entre outros.
Estas manifestações e agitações sociais de maio de 1968 estão inseridas dentro de um contexto global bastante tenso. Ideais libertários atuavam em diversas partes do mundo e, neste contexto, destaca-se o impacto da Guerra do Vietnã, travada entre EUA e os norte-vietnamitas de 1959 a 1975.
Nestas últimas quatro semanas, jovens estudantes estão protestando em mais de 40 universidades americanas. O movimento cresce e começa a se espalhar pela Europa. A repressão violenta das forças policiais chamados e autorizados pelos reitores das universidades já resultou em mais de mil estudantes presos, de forma virulenta e com uso de métodos de guerra para “desocupação” dos campus que deveriam serem respeitados como espaços públicos comum de livre expressão e manifestação. A tal democracia liberal americana parece não aplicar-se aos direitos dos estudantes.
O que reivindicam os estudantes americanos nestas manifestações? As reivindicações variam em cada universidade, e se ampliam na medida que as repressões se intensificam, mas todos pedem o fim imediato da guerra em gaza que tem apoio irrestrito dos EUA; o cessar imediato de mortes de civis inocentes; que as universidades americanas deixem de relacionar-se com empresas que fabricam armas e lucram com esta guerra e, principalmente, a responsabilização do presidente israelense pelo elevadíssimo número de mortes de civis, particularmente crianças e mulheres inocentes. Porém, a exigência central refere-as que as universidade não recebam os investimentos de empresas ligadas a Israel ou empresas que estão lucrando com venda de armas nesta guerra, considerando o cenário de apoio incondicional do governo americano a causa Israelense.
Tanto no contexto dos anos de 1960 como agora em 2024, os jovens estudantes reivindicam a paz, o fim das guerras, contra a morte de milhares de civis inocentes, contra financiamento de empresas de armamentos nas universidades. Enquanto a maiores dos países e governos do ocidente se omitem frente ao genocídio em gaza, os estudantes protestam e a violência recai sobre os próprios manifestantes que lutam pelo fim de uma guerra que mata dezenas de milhares de civis indefesos.
A postura dos reitores e das forças de segurança configura-se como um grave um equívoco político, erro de governança dialógica e, principalmente, de incompetência educacional-pedagógica de gestão democrática de resolução de conflitos. A exemplo de 1968, quando os interesses dos poderosos e do mercado eram criticados ou contrariados, a resposta é mais violência e silenciamento dos jovens que ousam gritar: este mundo de guerras, de desigualdades, de destruição do meio ambiente e injustiças não queremos mais.
A sociedade americana – por meio das escolas e das universidades – atacam e negam a prática da cidadania, da democracia e da formação integral como foi proposto educador John Dewey, filósofo e pedagogo norte-americano. Tais repressões com uso da violência deseducam e abdicam do diálogo, da escuta, do respeito ao Outro, do bom debate acadêmico, desrespeitando a pauta de reivindicações dos estudantes, utilizando das forças de segurança. Campus é espaço de diálogo e debate, não de forças militares.
Porém, nas universidades americanas, segundo Noam Chomski, desde os anos de 1960, sempre os “interesses especiais” estavam a causar problemas, as autoridades diziam: “temos de ter mais moderação na democracia,” o público tem de voltar a ser passivo e apático.
As elites americanas já estavam preocupadas com as escolas e universidades que consideravam não estarem desempenhando bem a sua tarefa de “doutrinar a juventude.” Podia ver-se, a partir do ativismo estudantil (o movimento pelos direitos civis, contra o racismo, o movimento contra a guerra, os movimentos ambientalistas), que os jovens não estavam a ser devidamente doutrinados.
Foto: Reprodução/Redes Sociais
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Uma outra técnica de doutrinação, aponta o Professor emérito em linguística, consiste em cortar o contacto entre docentes e estudantes: aulas longas, professores temporários que são sobrecarregados, que mal podem sobreviver com um salário de professor auxiliar. E quando não se tem um emprego seguro, não podemos construir uma carreira, não nos podemos mover e evoluir. Estas são todas técnicas de disciplina, doutrinação e controle.
“É este o modo como operam os sistemas tirânicos. E o mundo do negócio é um sistema tirânico. Quando é imposto nas universidades, percebemos que reflete as mesmas ideias. Isto não devia ser nenhum segredo” (Noam Chomski)
Nos anos de 1960 até 1970, quando ocorreram mobilizações e protestos similares, os professores e estudantes organizaram rodas de conversas, debates, estudos, conversações e negociações. As mobilizações e protestos foram transformados em momentos de diálogos e de aprofundamento das reflexões, diferentemente do que está ocorrendo agora.
Vistos cada vez mais como outro encargo social, os jovens não estão mais incluídos no discurso sobre a promessa de um futuro melhor. Em lugar disso, agora são considerados parte de uma população dispensável, cuja presença ameaça evocar memórias coletivas reprimidas da responsabilidade dos adultos”, assim escreveu Henry A. Giroux em 2011 em um ensaio intitulado “A juventude na era da dispensabilidade”.
O que salva a dispensabilidade total das juventudes hoje é unicamente com sua potencial contribuição à demanda do consumo”. “Pensa-se sobre juventude e logo se presta atenção a ela como “um novo mercado” a ser “comodificado” e explorado. “Atualmente, na era da modernidade líquida, já não são as universidades que formam os profissionais bem-sucedidos. Os valores do mundo do consumo exigem que as pessoas esqueçam hoje o que aprenderam ontem e aprendam hoje o que devem esquecer amanhã”, sentencia Zigmund Bauman.
Para Chomski, há algumas decisões numa universidade onde não se quer ter transparência democrática, porque tem de se preservar a privacidade dos estudantes, digamos, e há vários tipos de assuntos sensíveis, mas, em grande parte da atividade normal da universidade, não há razões para que a participação direta não possa ser, não só legítima, como útil.
A universidade, desde sua origem na idade média, orienta-se pelo princípio da autonomia, da livre expressão, do direito de manifestação e enquanto espaço público comum, fora do controle dos interesses e poderes externos, seja da igreja medieval, dos governos, dos estados, dos mercados, empresas ou indústrias da guerra.
A principal função da universidade e da educação, segundo Mikhail Epstein, é formar humanos, por humanos, para o bem da humanidade!
Gabriel Grabowski é professor, pesquisador e escreve mensalmente para o jornal Extra Classe.