MOVIMENTO

Indígenas e quilombolas recebem doações do projeto Professores Solidários

A aldeia Tekoá Pindó Mirim, localizada junto ao Parque Estadual de Itapuã, vem enfrentando todos os tipos de restrições, a começar pela falta de energia elétrica e de água potável
Por Gilson Camargo e Valéria Ochôa / Publicado em 28 de maio de 2024
Indígenas e quilombolas recebem doações do projeto Professores Solidários

Foto: Igor Sperotto

O cacique Valdeci Moreira, que aguarda final da demarcação da TI pela Funai, vê com preocupação a realidade dos indígenas no estado

Foto: Igor Sperotto

As cerca de 30 famílias Mbyá Guarani, que vivem na área de 20 hectares da aldeia, também têm dificuldades para o cultivo, já que a área cedida pelo governo do estado em 2018 é imprópria para o plantio por ser arenosa e infestada pelo capim-braquiara.

Essa é a realidade de uma das 30 aldeias e acampamentos provisórios de indígenas e comunidades quilombolas, em situação de vulnerabilidade no estado do Rio Grande do Sul, selecionadas pelo projeto Professores Solidários para receber doações de alimentos, materiais escolares, roupas e equipamentos domésticos.

A aldeia Pindó Mirim é relacionada pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi) como um dos 24 acampamentos considerados provisórios existentes no estado e mantidos em condições precárias, enquanto esperam a demarcação de terras pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). Segundo o Censo do IBGE de 2022, o RS tem, ao menos, 36 mil indígenas nessa situação fundiária indefinida, ou seja, com seus direitos territoriais indígenas violados de forma sistemática.

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Foto: Igor Sperotto

Moreira com os filhos no centro cultural da aldeia

Foto: Igor Sperotto

“Fizemos um levantamento das comunidades em situação de vulnerabilidade e suas necessidades. A partir desta interação é que organizamos as doações”, explica Cecília Farias, diretora do Sindicato dos Professores do Estado do Rio Grande do Sul (Sinpro/RS), entidade instituidora do projeto Professores Solidários, o qual foi criado em 2020 com o objetivo de auxiliar comunidades e professores atingidos pela crise financeira provocada pela pandemia de covid-19.

Além de aldeias da Região Metropolitana, são atendidas em 2024 comunidades em Osório, Lajeado, São Leopoldo, Barra do Ribeiro, Santa Maria, Passo Fundo, São Francisco de Paula e Bento Gonçalves.

De janeiro a abril deste ano, foram entregues mais de 2,8 toneladas de alimentos, 340 kits de materiais escolares, além de roupas, calçados, materiais de limpeza e um datashow. As demandas das comunidades indígenas e quilombolas estão sendo atendidas graças às doações financeiras de professores ao projeto, segundo Cecília.

Em 2023, o projeto garantiu a entrega de 7,1 toneladas de alimentos, auxiliando, inclusive, moradores das regiões dos Vales do Taquari e de Rio Pardo, atingidos pelo ciclone em novembro, e de Uruguaiana, que amargaram uma das maiores enchentes dos últimos tempos, em outubro.

Além de alimentos, uma força-tarefa dos Professores Solidários assegurou a entrega de água mineral, produtos de higiene, telhas, cobertores, fraldas, liquidificador, forno elétrico. O projeto também atendeu a comunidades da Região Metropolitana, de Eldorado do Sul, Passo Fundo, São Francisco de Paula, Bento Gonçalves, São Leopoldo, Pelotas e Santo Ângelo.

Nos dois últimos anos, o Professores Solidários recebeu um reforço nas doações. Duas associações de professores que encerraram suas atividades, a da Faculdade de Arquitetura de Porto Alegre (AeDFaupa) e a da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra), repassaram parte de seus recursos para o projeto, o que garantiu a ampliação do público assistido.

Onde as políticas públicas não chegam

Indígenas e quilombolas recebem doações do projeto Professores Solidários

Foto: Sinpro/RS Santa Cruz do Sul/ Divulgação

Distribuição de cestas básicas na comunidade do Quilombo Cruzaltina, em Rio Pardo

Foto: Sinpro/RS Santa Cruz do Sul/ Divulgação

Apesar de estarem em um contexto urbano, as famílias Guarani da aldeia Pindó Mirim, de Viamão, vivem uma rotina de desafios, na falta de políticas públicas. “Quando falta luz, falta água, pois o abastecimento da Corsan depende de uma casa de bombeamento. Por isso, a comunidade deseja um poço artesiano e um açude, que, além de melhorar o acesso à água, vai servir para a criação de peixes”, explica o professor de Língua Portuguesa da reserva, Gustavo Peruzzo.

Pesquisador da Ufrgs, Peruzzo viveu entre os Guarani até concluir o mestrado em Desenvolvimento Rural, em 2021. Agora está fazendo o doutorado de Sociologia sobre os anfitriões.

No início do processo de demarcação, a partir de 2008, houve a reação de posseiros e o registro de ameaças e violência contra os indígenas. Em novembro de 2021, invasores queimaram a casa de reza, a despensa e dois veículos da comunidade.

De acordo com o cacique Valdeci Moreira, os ânimos andam relativamente calmos nos últimos anos. Ele relata as reuniões que tem feito com representantes do governo e da Funai e afirma que o processo de demarcação já está praticamente concluído. “A reserva pode ser declarada Terra Indígena a qualquer momento pela Funai”, anima-se a liderança.

A aldeia é um dos três locais identificados na região como parte de uma área de ocupação tradicional Mbyá Guarani, com mais de 8 mil hectares de extensão e que abrange a Ponta da Formiga e o Morro do Coco.

Escola indígena

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Foto: Igor Sperotto

Escola Nhamandu Nhemopu’ã tem 35 alunos, do pré ao ensino médio e 12 professores, dos quais três são indígenas

Foto: Igor Sperotto

A escola estadual indígena Nhamandu Nhemopu’ã tem 35 alunos, matriculados do pré ao ensino médio, e conta com 12 professores, dos quais três são indígenas.

A casa onde funciona a escola indígena foi doada por um ancião da aldeia, Turíbio Gomes, avô materno de Valdeci, que morreu no ano passado, aos cem anos de idade. Ele relata que a avó, Laurinda, viveu até os 102 e o avô paterno, Alcindo Moreira, está em uma aldeia em Santa Catarina. Tem 114 anos.

No mês de abril, o movimento e o colorido tomaram conta da aldeia com a chegada dos “parentes” de outras comunidades para as comemorações do Dia dos Povos Indígenas, que começaram bem antes do dia 19 e estão relacionadas ao contexto cultural e de ancestralidade da educação indígena.

“A gente recebe mais de 200 alunos de outras aldeias, tem apresentação do nosso grupo de coral regido pelo professor de música da aldeia, artesanato e culinária Guarani”, relata o cacique.

Valdeci explica que a comunidade não tem muito espaço em Porto Alegre para vender artesanato e, por isso, a venda é feita na própria aldeia durante as festas e no site da escola.

Em 2022, a escola formou a primeira turma do ensino médio. Os alunos não tiveram acesso às aulas on-line durante a pandemia, mas mantiveram as atividades de forma física.

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