AMBIENTE

Inundações em Porto Alegre: moradores da Zona Norte jogados à própria sorte

Bairros da Zona Norte da capital gaúcha seguem alagados e os mais de 30 mil moradores continuam fora de casa, uma parte acampada nas margens da Freeway
Por Valéria Ochôa e Igor Sperotto (fotos) / Publicado em 29 de maio de 2024
Inundações nos bairros da zona norte de porto alegre

Nas águas da enchente, moradores dizem que já encontraram diversos animais mortos

Foto: Igor Sperotto

Valdemar Nunes Florão, 65 anos, não arreda o pé do acampamento que montou no acostamento da Freeway, a poucos metros da sua casa, no bairro Farrapos, um dos mais carentes da capital gaúcha e atingido em cheio pelas inundações deste mês de maio.

Está “acampado” ali há 25 dias, desde que a enchente invadiu sua casa, na Avenida Voluntários da Pátria.

Na manhã desta quarta-feira, 29 de maio, Valdemar apontava para a sua moradia ainda alagada. “Lá atrás, perto daquela árvore eu estava construindo mais uma casinha… faltava o reboco. Construí sozinho”, contou desolado.

As condições do acampamento são precárias, improvisadas. Um plástico preto cobre alguns pertences e serve de abrigo para ele e os quatro cachorros. Mas ele prefere ficar na rua para vigiar a casa e impedir saques, até as águas baixarem.

“De vez em quando passa alguém aqui e deixa uma comida, mas de vez em quando mesmo”, disse. De resto, procura se virar com o que tem e garantir os remédios para o diabetes, bronquite e pressão alta.

Valdemar está há 25 dias acampado no acostamento da Freeway

Foto: Igor Sperotto

Natural de Soledade (município do Planalto Médio do Rio Grande do Sul, há 225 quilômetros da capital), Valdemar vive em Porto Alegre há 35 anos, 18 deles na casa que divide com o filho e a nora no bairro Farrapos. Trabalha com reciclagem de lixo, como boa parte da vizinhança.

O bairro Farrapos, local da nova sede do Grêmio Futebol Porto Alegrense, a Arena do Grêmio, faz divisa com os bairros Humaitá e Navegantes, na Zona Norte de Porto Alegre. Juntos, segundo a prefeitura do município, esses bairros somam cerca de 30 mil habitantes e mais de 3,5 mil empresas.

Com a liberação do transito na Freeway (entrada e saída de Porto Alegre), os moradores acampados têm de conviver com o barulho intenso dos veículos e redobrar o cuidado com os bichos de estimação.

Protestos pela falta de solução na Zona Norte

Darlan Gaspar

Darlan Gaspar teve a serralheria e a marcenaria no térreo de sua casa inundadas

Foto: Igor Sperotto

Nas áreas centrais e na Zona Sul de Porto Alegre a água baixou e a população começa a limpeza das casas e estabelecimentos comerciais. Nos bairros da Zona Norte, não. Ali a água persiste e os moradores protestam e acusam a prefeitura municipal da capital de descaso.

“Das quatro bombas aqui do bombeamento de água da Estação 5, apenas uma está funcionando”, desabafou Darlan Gaspar Marques, 38 anos, morador da Farrapos. A informação é confirmada por servidores do Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae) que estavam hoje pela manhã no local.

Morador do bairro desde o nascimento, Darlan tem uma empresa de serralheria e marcenaria no térreo de sua casa, onde vive com a esposa e a filha de 14 anos. “A água chegou na laje do segundo piso”, observou.

Parado junto à estrutura da bomba de drenagem flutuante instalada no início desta semana para retirar a água dos bairros Humaitá e Farrapos, junto à Freeway, Darlan se dizia indignado.

“Só funcionou ontem, no dia do protesto dos moradores. E não está funcionando por falta de diesel!”.

Na segunda-feira, 27, e na terça-feira, 28, moradores protestaram no acesso a Porto Alegre, pedindo providencias urgentes da prefeitura para que pudessem retornar logo para suas casas.

“O que me indigna é que a prefeitura não faz nada”, desabafou o técnico de áudio e vídeo Anderson Tiago Filgueira Alves, 40 anos, morador da Farrapos desde 1999. “Nos bairros nobres estão limpando tudo rapidamente. Aqui continua deste jeito. Isso não pode acontecer”.

Um mês do início da maior tragédia ambiental do RS

As inundações que assolam o estado completam um mês nesta quarta-feira, 29. As chuvas começaram no dia 27 de abril e se estenderam por mais de 10 dias, sobrecarregando as bacias dos rios Taquari, Caí, Pardo, Jacuí, Sinos e Gravataí, provocando a maior tragédia ambiental da história do Rio Grande do Sul, com cidades inteiras arrasadas.

Segundo a Defesa Civil, 169 pessoas foram mortas, 44 estão desaparecidas e 629,2 mil expulsas de suas casas.

 

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