CULTURA

Patrimônio da cultura brasileira, Choro também faz história no RS

Ao contrário do Samba, seu filho mais ilustre, o chorinho sempre teve momentos de altos e baixos na música brasileira
Por Marcelo Menna Barreto / Publicado em 18 de junho de 2024
Patrimônio da cultura brasileira, Choro também faz história no RS

Foto: Leonardo Savaris

Grupo Roda de Choro na programação do Parangolé Bar, reduto do chorinho na Cidade Baixa, em Porto Alegre

Foto: Leonardo Savaris

Patrimônio Histórico imaterial da cultura brasileira desde o dia 29 de fevereiro, o Choro pode até ter uma visibilidade modesta diante de sua grandiosidade, mas não passa despercebido. Bastam alguns acordes tocados pelo conjunto de bandolim, flauta, violão de sete cordas, pandeiro, cavaquinho e clarinete para encantar multidões. Mas, ao contrário do Samba, seu filho mais ilustre na opinião da maioria dos historiadores da música brasileira, o chorinho sempre teve momentos de altos e baixos.

Conhecedores da cena cultural gaúcha, Márcio Gobatto e Carlos Branco, ouvidos em momentos diferentes, concordam com o que afirmou Jessé Silva (1919-1988) sobre esse curioso gênero musical: “O Choro está sempre na UTI, mas nunca morre”.

“O Rio Grande do Sul talvez esteja entre os cinco principais polos do Choro no país, junto com o Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília e Recife”, registra Carlos Branco, curador e produtor do Instituto Ling e diretor da Branco Produções. Márcio Gobatto lembra que, assim como São Paulo e Rio de Janeiro, Porto Alegre também tem alguns espaços tradicionais de choro. “Não tanto quanto a gente gostaria, mas há aquele reduto, principalmente na Cidade Baixa”, cita ele, que, por 20 anos, produziu o Clube do Choro de Porto Alegre e hoje apresenta o programa Ficha Técnica, na FM Cultura, e produz o Cultura na Mesa e o Canto do Sul da Terra, ambos na TVE.

Patrimônio da cultura brasileira, Choro também faz história no RS_1

Foto: Leonardo Savaris

Partitura do grupo Roda de Choro,
com João Madruga no violão
sete cortas; Lupe Fernandes no
bandolim; Jonathan Dalmonte no
acordeon e Manuel Macedo no
pandeiro

Foto: Leonardo Savaris

Cláudio Freitas, proprietário do Parangolé Bar, afirma que o Choro foi o responsável por caracterizar o seu estabelecimento como um importante espaço de música ao vivo, que chega a atrair turistas. Tudo começou ainda no primeiro ano de funcionamento, há 18 anos, quando uma musicista da Orquestra Sinfônica de Porto Alegre (Ospa) o procurou com a proposta de fazer uma roda de Choro no bar.

Ela fazia a Oficina de Choro no Santander Cultural e, com colegas, buscava a experiência de tocar em um local aberto. Deu certo. A Roda de Choro que acontece todas as terças-feiras só foi interrompida durante o período da pandemia.

“É uma nova geração de chorões”, brinca o empresário ao lembrar que, no início, um dos músicos, com 15 anos de idade, vinha acompanhado da mãe. Hoje, o jovem que tocava bandolim no Parangolé, orgulha-se Freitas, “é um músico de expressão nacional”. Ele está se referindo a Pedro Franco, que tocou violão durante seis anos na banda de Maria Bethânia.

Caldo musical

Esse ritmo nasceu no século 19, a partir da “forma abrasileirada” de tocar ritmos europeus “como a polca, o xote e a própria valsa”, explica Branco. Uma espécie de expressão “swingada” de gêneros que, no final das contas, deu origem ao mais novo patrimônio imaterial da nossa cultura.

De fato, o Choro não nasceu no morro, mas pelas mãos de músicos considerados virtuoses, de formação erudita sólida, e que, pelos anos de 1870, se reuniam em rodas de música nos bairros da Cidade Nova, Catete, Rocha, Andaraí, Tijuca, Estácio e nas vilas do centro antigo do Rio de Janeiro. Ao executarem os ritmos europeus que aprenderam em conservatórios, esses músicos deixaram fluir a sonoridade predominante da então capital do Império do Brasil, os batuques, cateretês e lundus das almas africanas.

“O Choro montou esse caldo musical que é o Brasil. Ele que começou isso, né? E aí, pode-se ver que está até no Axé da Bahia. Está em tudo”, sintetiza Branco.

Chorão, o primeiro nome do sambista

Patrimônio da cultura brasileira, Choro também faz história no RS

Imagem: TVERS/ Reprodução

Carlos Branco e Márcio Gobatto: o choro está sempre na UTI, mas nunca morre…

Imagem: TVERS/ Reprodução

Originado na musicalidade das ruas, o Choro subiu aos morros cariocas à medida que se popularizou na cidade. Lá, encontrou afrodescendentes livres e ex-escravizados que, na busca por reproduzir as rodas de música do centro do Rio, deram origem a uma forma improvisada de tocar, com base em instrumentos de percussão. Muitos desses músicos não tinham acesso a instrumentos musicais e formação, mas lhes sobravam intuitividade e sensibilidade artística. Pelas suas mãos, do Choro nasce o Samba.

A paternidade, no entanto, não foi esquecida inicialmente. Aquele que hoje é conhecido como sambista, na época era chamado de chorão. Porém, entre os músicos há um dito popular, lembra Márcio Gobatto: “Quem toca choro, toca todo tipo de música. Agora, não é todo tipo de músico que pode tocar o choro”.

Não se trata de sofisticação, mas de “um nível de execução mais complexo”, que, muitas vezes, foi a tábua de salvação nos altos e baixos do gênero, esclarece Gobatto. “Vários desses músicos de Choro tiveram que tocar rock na época da Jovem Guarda. Acabaram trocando o bandolim e o violão pela guitarra elétrica para poder sobreviver”, acrescenta Branco.

Chorões clássicos e a nova geração

Jessé Silva, Plauto Cruz, Octávio Dutra, Lúcio do Cavaquinho, Avendano Júnior, Dante Santoro, entre outros, estão entre os gaúchos que são expoentes do Choro. Eles não viveram para ver esse gênero musical ser registrado no Livro das Formas de Expressão do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), mas deram contribuições expressivas para que isso ocorresse.

Embalada pela ascensão do Choro à condição de patrimônio imaterial, a nova geração está mais do que nunca empenhada em dar continuidade ao legado dos “chorões” clássicos. Gobatto identifica Matias Pinto (violão de cordas) e Elias Barboza (bandolim), ambos de Porto Alegre, como novos expoentes do gênero.

Ele destaca eventos pelo interior do estado, como o Festival de Choro da Serra Gaúcha, cuja terceira edição será realizada de 2 a 4 de agosto, em São Francisco de Paula, e o Festival do Choro de Pelotas, no Dia Municipal do Choro, 11 de novembro.

O gênero musical que deu origem ao samba encontra muitos aficionados entre os pelotenses. Afinal, a cidade portuária do Passo dos Negros tem um filho ilustre no Choro: o falecido chorão Avendano Júnior, que tocou com o Jacó do Bandolim. “Tocava na noite em Pelotas. Depois que ele faleceu, vários outros grupos surgiram e o Choro de Pelotas se consolidou com o surgimento de muitas rodas de choro”, ressalta Gobatto.

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