Governo Leite dá mais um passo para privatizar gestão de escolas
Foto: Mauricio Tonetto / Palácio Piratini
Foto: Mauricio Tonetto / Palácio Piratini
O governo do Rio Grande do Sul está dando sequência ao seu plano de estabelecer Parcerias Público Privadas (PPPs) para terceirizar obras e serviços não pedagógicos em 99 unidades educacionais de sua rede de ensino.
Na última quinta-feira, 4, o Diário Oficial do RS divulgou para Consulta Pública minutas de contrato e edital de concorrência internacional do projeto que já é questionado por especialistas e defensores da escola pública.
NESTA REPORTAGEM
A seleção das escolas foi realizada através do Programa RS Seguro, com critérios focados na maior vulnerabilidade social.
O parceiro privado, conforme o projeto, ficará encarregado de requalificar a infraestrutura das escolas e prestar serviços de apoio “que não interferem nas atividades pedagógicas”, tais como: conservação e manutenção predial, conectividade, zeladoria, higiene e limpeza, segurança e vigilância, jardinagem e controle de pragas, fornecimento de utilidades, gestão de resíduos sólidos e fornecimento de mobiliário e equipamentos.
Tendência nacional
Mais do que seguir a tendência dos estados de São Paulo e Paraná e alguns municípios do país, a presidente da Comissão de Educação da Assembleia Legislativa do RS, Sofia Cavedon (PT), vê por trás da iniciativa do governo a influência de grandes empresários que mantêm institutos e ONGs no setor educacional para “capturar fundos públicos”.
Em reunião realizada em novembro de 2023 para estabelecer as premissas da PPP, o governador Leite falou da importância de se repensar o ambiente da rede de ensino estadual. Para ele, o começo se dará pelas estruturas físicas já existentes.
“Ir além do atendimento básico. Oferecer espaços mais atraentes e interessantes, que sejam referências para as comunidades. O parceiro privado será importante para manter esses ambientes em boas condições”, afirmou o governador na ocasião.
A presidente do Cpers-Sindicato, Helenir Schürer, sintetiza a disposição da entidade que representa mais de 80 mil professores, especialistas e funcionários da rede estadual. “Vamos combater, com certeza. É uma privatização!”, afirma.
Educação como negócio
Um dia antes do anúncio do governo, 3, o Cpers-Sindicato emitiu a nota Educação em risco: PPP de Eduardo Leite é ataque direto à educação pública gaúcha.
No documento, a ideia de PPP proposta pelo governador Eduardo Leite (PSDB) é criticado como uma afronta à educação pública e aos direitos dos estudantes e profissionais da educação.
Resumindo o que chama de privatização das escolas públicas nos estados do Paraná, São Paulo e Minas Gerais, o sindicato define a postura como um retrocesso para a educação brasileira.
A lógica empresarial é focada no lucro, registra a nota, e, através da ideia vendida de redução de custos vem o favorecimento de interesses privados em detrimento do bem-estar de alunos e profissionais da educação “que enfrentam salários defasados e condições de trabalho ruins”.
Para a deputada Sofia, “hoje a educação é um grande negócio; tanto é que ‘fora Lemann’ foi o grito na Conferência Nacional de Educação (Conae) na frente do ministro (Camilo Santana, Educação)”, lembra ao se referir ao bilionário que estruturou uma fundação para atuar no setor educacional.
A presidente da Comissão de Educação do legislativo gaúcho diz que está analisando de perto a questão e vai avaliar possíveis ações judiciais e administrativas junto ao Tribunal de Contas do Estado (TCE).
“Enquanto comissão, nós somos plurais; temos base do governo e oposição. Então, ali, é debate e certamente vou encaminhar audiência pública sobre o tema”, destaca Sofia.
Pedagógico afetado
Na visão de Sofia, a autonomia da escola, “a gestão da direção é muito melhor do que qualquer terceirização”. Ela lembra que, diante da tragédia que se abateu no RS no mês de maio, onde foi liberado recursos para a limpeza de escolas afetadas pelas enchentes, tudo ocorreu de forma célere.
O discurso do governo de que as ações administrativas não afetam a questão pedagógica é equivocado para Sofia.
“As escolhas são escolhas que tem sempre atravessamento pedagógico, que tem os tempos pedagógicos, o calendário pedagógico. Então, o proposto é fragmentação na escola, é visão mercadológica, uma declaração de falência do estado e uma falta de aposta na gestão democrática da educação”, conclui a deputada.
Ironicamente o entendimento da parlamentar é seguido por Ricardo Henriques, superintendente-executivo do Instituto Unibanco que dá apoio a redes de ensino estaduais para melhorar a gestão escolar.
Para Henriques, em recente entrevista à Folha de São Paulo, em grande parte, a gestão administrativa das escolas interfere no pedagógico, citou ao mencionar preocupação especial com a alimentação dos estudantes, uma questão de segurança alimentar.
O que diz o governo
Do ponto de vista do governo estadual, a medida visa apenas a qualificação de infraestrutura e gestão administrativa, e que as 99 escolas representam apenas 4,2% da rede. O governo também defende que audiências públicas serão realizadas em datas e locais a serem confirmados pelas secretarias da Reconstrução Gaúcha (Serg) e da Educação (Seduc).
As contribuições e dúvidas serão respondidas após o período de consulta e as audiências. O diálogo com os profissionais da educação e a população tem o objetivo de aprimorar o projeto antes da publicação do edital e de sua implementação. O edital da PPP da Educação deve ser publicado em dezembro deste ano, e a previsão é de que o leilão ocorra em fevereiro de 2025.
De acordo com nota explicativa no site do governo, a responsabilidade sobre a questão pedagógica seguirá sendo da Seduc e a A PPP atuará na transformação da realidade social de crianças, jovens e adultos, com a realização de reformas, adequações e requalificação estrutural em escolas de 15 municípios, beneficiando cerca de 56 mil alunos.
“A PPP visa qualificar a infraestrutura das escolas, melhorar a rotina dos alunos e colaborar para que professores e diretores tenham mais tempo livre para focar no que mais importa, que é a questão pedagógica e o aprendizado dos estudantes. Da parte do governo, vamos fiscalizar e acompanhar a prestação do serviço, com indicadores de desempenho e metas pré-estabelecidas. Também teremos pesquisas de satisfação”, explica o secretário da Reconstrução Gaúcha, Pedro Capeluppi.
As obras de reforma e ampliação das escolas deverão ser concluídas em até 16 meses, após a assinatura do contrato da PPP.
O valor previsto do investimento por parte do parceiro privado será de R$ 1,3 bilhão, que inclui também os reinvestimentos que serão realizados ao longo dos 25 anos da concessão. O montante foi definido após a realização de visitas técnicas e do diagnóstico da estrutura das escolas. A licitação da PPP será dividida em três sublotes, com 33 escolas cada, tendo a opção de um único parceiro assumir os três, se comprovada maior vantagem ao Poder Público.
A escolha da empresa vencedora será pelo critério de menor contraprestação a ser paga pelo Estado. A quantia de contraprestação anual máxima, por parte do Executivo estadual e que inclui o atendimento de todos os indicadores do contrato, é de R$ 203,6 milhões por ano.
Como funcionará
O parceiro privado ficará encarregado de requalificar a infraestrutura das escolas e prestar serviços de apoio, tais como conservação e manutenção predial; conectividade; zeladoria; higiene e limpeza; segurança e vigilância; jardinagem; controle de pragas; fornecimento de utilidades; gestão de resíduos sólidos; e fornecimento de mobiliário e equipamentos. Não há previsão de qualquer intervenção pedagógica nas instituições de ensino.
A realização da PPP permitirá que a direção das escolas envolvidas possa se concentrar no planejamento e na definição de diretrizes das políticas públicas pedagógicas, assegurando uma melhor eficiência na prestação de serviços, além de desonerar professores e diretores de atribuições não pedagógicas.
A estruturação do projeto contou com apoio da empresa SP Parcerias, responsável por projetos semelhantes em municípios como São Paulo e Porto Alegre.
Resiliência climática
A PPP também incorpora medidas proativas para mitigar os riscos associados às mudanças climáticas, bem como ações necessárias para requalificar as escolas atingidas em 2024. Com o Plano de Mitigação de Riscos em Decorrência de Eventos Climáticos, pretende-se avaliar os riscos específicos e desenvolver estratégias eficazes de resiliência no clima.
Escolas-modelo
Das 99 escolas do projeto, 18 terão a estrutura ampliada para se tornarem escolas-modelo, com atendimento em turno integral. Além disso, as instituições vão receber equipamentos como ateliê de artes, estúdio de gravação e espaços de educação profissional e tecnológica (EPT).
Veja a Lista completa das 99 escolas que farão parte da PPP.