SAÚDE

TDAH: desafio para além da Ritalina

Aumento no número de diagnósticos, de falsos positivos e o descontrole da medicalização de crianças com TDAH preocupam pais e profissionais de saúde
Por Edimar Blazina / Publicado em 19 de julho de 2024

TDAH desafio para além da Ritalina

Foto: Freepik

Foto: Freepik

Dificuldade para focar a atenção, ações hiperativas e impulsividade que interfere de forma negativa no desenvolvimento. Essas são as principais características de um transtorno que afeta, só no Brasil, mais de 2 milhões de pessoas, de acordo com a Associação Brasileira de Déficit de Atenção (ABDA): o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). De diagnóstico complexo, o déficit de atenção em crianças no Brasil vem sendo enfrentado à base de medicamentos. Em uma década, o consumo de Ritalina cresceu 775%

Cada vez mais incorporado ao cotidiano de pais, professores e profissionais da saúde, o tema do déficit de atenção preocupa. O número de diagnósticos, principalmente em crianças, se multiplicou nos últimos anos, bem como houve um aumento do uso de medicação específica para o TDAH. Pesquisas e a opinião de especialistas alertam para o excesso de notificações e apontam novos caminhos para o tratamento, em uma proposta não apenas farmacológica.

De acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM), o TDAH é um transtorno do neurodesenvolvimento que pode afetar o funcionamento pessoal, social, acadêmico ou profissional de um indivíduo.

De forma geral, quando há uma suspeita para o transtorno, os pacientes seguem os passos de uma investigação médica regular: vão a uma consulta médica, têm seu diagnóstico fechado ou invalidado e, se positivo, ocorre a prescrição de uso de medicamento pelo profissional responsável. Contudo, fechar um diagnóstico para TDAH não é algo simples.

Medicalização e controle

O Brasil registrou um crescimento, entre 2003 e 2014, de 775% no consumo da principal medicação para TDAH, o cloridrato de metilfenidato, um medicamento que age estimulando o sistema nervoso central, a conhecida Ritalina, segundo dados levantados por pesquisa da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).

Detalhe: não há dados recentes, uma vez que a Resolução da Diretoria Colegiada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a RDC nº 568, de 2021, suspendeu a obrigatoriedade de farmácias e drogarias informarem ao Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos Controlados (SNGPC) os dados de venda de medicamentos sujeitos ao controle especial.

Déficit ou distração

Como não há exames para a identificação de transtornos neurobiológicos, o diagnóstico se dá de modo clínico, podendo contar com escalas e testes específicos.

Especialistas defendem uma avaliação criteriosa quando se detecta o déficit de atenção. “Compreender os sintomas do TDAH e suas variações ao longo das diferentes faixas etárias é fundamental para um diagnóstico preciso e menos estigmatizado”, explica a neurologista e neuropediatra formada pela Universidade de São Paulo, Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, Alícia Coraspe.

Para a médica, que atende tanto adultos quanto crianças, determinar um diagnóstico de TDAH na infância exige um olhar apurado para diferenciar o que são comportamentos próprios da idade daqueles que indicariam o Transtorno.

“Na neurologia infantil, vejo alguns pais supervalorizando comportamentos dos filhos já como hiperativos, que, quando avaliados por profissionais treinados, vemos tratar-se apenas um período de desenvolvimento normal da criança”, explica.

Uma avaliação apressada aliada a outros fatores leva a uma crescente busca por diagnóstico de TDAH, de acordo com Alícia. “Isso ocorre pelo estilo de vida que levamos, a cultura ao excesso de trabalho, vida sedentária, alimentação ruim e a busca incansável pelo perfeccionismo”, esclarece. “Acredito que existe, de fato, um excesso de diagnóstico de TDAH no nosso país atualmente”, afirma.

A banalização do diagnóstico de TDAH é discutida no Brasil e no mundo, conforme a psicóloga e doutora em Psicologia pela USP Ribeirão Preto Anaísa Leal Barbosa Abrahão. “Pesquisadores da área indicaram o TDAH como a condição neuropsiquiátrica mais comum na infância, o que revela a importância do debate ético em torno do tema”, garante.

Anaísa, que também é docente na Faculdade de Ciências, Humanas e Sociais da Unesp em Franca, indica que algumas explicações envolvem questões como incertezas em relação às causas do TDAH, limites clínicos atuais para diagnóstico considerados arbitrários, informações veiculadas sem embasamento científico e ausência de avaliação interdisciplinar e baseada em dados científicos, os quais podem influenciar a realização de diagnósticos equivocados.

Falsos positivos

TDAH desafio para além da Ritalina

Foto: Freepik

Foto: Freepik

Uma pesquisa da USP, realizada por Anaísa, entre 2017 e 2021, buscou verificar os recursos e as dificuldades de estudantes com TDAH. O levantamento contou com a participação de 43 crianças que possuíam laudos médicos para o transtorno, e que, juntamente com seus responsáveis legais e professoras, passaram pela aplicação de diferentes instrumentos.

Como resultado, na escala específica para o TDAH, como indicado pelos manuais diagnósticos, somente três das crianças avaliadas preencheram os critérios para o Transtorno. “Elas apresentaram índices altos de problemas de comportamento que podem influenciar, entre outros fatores, os diagnósticos falsos positivos”, justifica.

Além dos falsos positivos, a psicóloga identificou que 37 crianças faziam uso de metilfenidato como tratamento único para o TDAH. “Os dados mostraram essa tendência e relação entre diagnósticos e prescrição medicamentosa”, registra Anaísa. Ela aponta, ainda, que são percebidos melhores resultados em abordagens mais abrangentes, em comparação ao tratamento somente baseado em medicação.

“Intervenções que envolvam família, professores, pares e a pessoa com TDAH é o mais recomendado, por abordar diferentes contextos, promovendo ambientes reforçadores a comportamentos habilidosos, rotina estruturada e interações sociais positivas”, conclui.

É o caso de Pedro Carpes, 20 anos. O jovem recebeu indicação do uso de Ritalina quando procurou o Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), em Guaíba, queixando-se, entre outros pontos, de comportamentos e traços que o atrapalhavam de alguma forma.

O paciente fez uso do medicamento por um tempo, mas, não satisfeito apenas com a suspeita de um diagnóstico, parou a medicação e buscou mais informações com uma psicóloga e psiquiatra, agora, particulares. Desta vez, o cenário do tratamento se ampliou.

“A médica receitou Ritalina de novo, porque mencionei que me ajudou das outras vezes. Falou também sobre hábitos, principalmente sobre o sono”, relata. Pedro diz que, atualmente, tem trabalhado com a psicóloga métodos que o ajudem a criar uma rotina. “Ela tenta muito me ajudar a incorporar uma rotina, dormir direito, fazer as coisas em um horário certo”, detalha.

“O caminho para o correto tratamento do TDAH é composto por tratamento medicamentoso e o que eu chamo de uma base bem-feita: sono, esporte, alimentação e psicoterapia. Algumas vezes, o tratamento medicamentoso não é mais necessário, mas a base sempre vai permanecer”, pontua Alícia. Ela ressalta ainda a importância de uma avaliação médica especializada, pois o tratamento com medicamento adequado, se necessário, é feito por esses profissionais. “Vejo pacientes que são guiados por posts de Instagram e médicos sem residência especializada na área, que recebem diagnóstico de TDAH e, após uma correta avaliação, não se confirmam”, conclui.

“Hoje, o tratamento medicamentoso é considerado como de primeira linha para o TDAH, o que pode influenciar essa direcionalidade e tendência mundial”, assegura Anaísa. Ela destaca também que, no Brasil, o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas do TDAH orientam o desenvolvimento de intervenções psicossociais, comportamentais e de habilidades sociais junto a crianças, adolescentes e adultos com TDAH.

Comentários