O que e quem está por trás do tratoraço do agro?
Foto: reprodução redes sociais/divulgação
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Esta semana foi marcada por protestos de agricultores do agronegócio na capital gaúcha e em outras cidades do interior. O movimento foi chamado de “tratoraço” pelo movimento intitulado SOS Agro. Eles alegam que o auxílio federal para o setor tem sido insuficiente, e que a MP (1.247/2024), publicada no Diário Oficial da União no dia 31 de julho, não atende com urgência e de forma acessível o produtor do agronegócio. Entre as medidas da MP, abre-se a possibilidade de desconto nos financiamentos para produtores com perdas em duas faixas: iguais ou superiores a 30% e iguais ou superiores a 60%.
O foco do movimento é cobrar o governo federal, porque quem “faz MP e lei é o governo federal”, afirma a coordenadora do SOS Agro RS Graziele de Camargo, uma das líderes do movimento. Ela e sua família produzem soja na propriedade de 560 hectares no município de São Sepé, na região central do estado, e diz que tiveram prejuízo com a colheita por causa da chuva. Também avaliou que o ato dessa quinta-feira, 8 de agosto, em Porto Alegre, foi um sucesso e pacífico.
Nas redes sociais, Graziele e Lucas Londero Scheffer, outro líder do SOS Agro, foram ativos na convocação e divulgação do tratoraço, compartilhando a agenda com líderes políticos conservadores e de oposição ao governo federal, como os deputados federais Marcel van Hattem e Giovani Cherini.
Cherini, também presidente do Partido Liberal (PL) no RS, convocou para o tratoraço em uma entrevista à rádio Guaíba, na quarta, 7 de agosto, cujo vídeo foi compartilhado nas redes sociais dos dois líderes do movimento SOS Agro.
“Os agricultores da enchente não receberam absolutamente nada até o momento do governo federal. Perdoar dívidas da África, de Cuba e Venezuela o governo faz, mas não quer anistiar as dívidas dos agricultores (gaúchos). Sabemos que o agro não é bem-vindo no governo do PT”, afirma o deputado do PL.
“Sobre o movimento, pode se dizer que é legítimo em chamar a atenção para a necessidade de ter políticas específicas para a agricultura do RS pós-enchentes, mas se perde ao ser capturado por um segmento ultraconservador. Teria muito mais força se fosse suprapartidário e certamente teria apoio de toda a bancada gaúcha no Congresso. Mas ao se tornar partidarizado, no sentido de escolher algumas lideranças, se apequena”, avalia Rodrigo Stumpf González, cientista político e professor da Ufrgs. Os líderes dos atos, contudo, afirmam que se trata de um movimento apartidário.
Investimentos e Plano Safra
O Plano Safra 2024/2025 anunciado no mês passado pelo Ministério da Agricultura e Pecuária oferece linhas de crédito, incentivos e políticas agrícolas para médios e grandes produtores. Neste ano-safra, são R$ 400,59 bilhões destinados para financiamentos, um aumento de 10% em relação à safra anterior.
Nesta política pública, os produtores rurais contam com mais R$ 108 bilhões em recursos de Letras de Crédito do Agronegócio (LCA), para emissões de Cédulas do Produto Rural (CPR), que serão complementares aos incentivos do novo Plano Safra. No total, são R$ 508,59 bilhões para o desenvolvimento do agro nacional.
Ao ser questionada sobre a política deste programa, Graziele afirma que “o plano não atende os produtores rurais porque estão inadimplentes e com os limites de créditos estourados, não tem como acessar plano novo sem pagar as dívidas que a enchente ocasionou”.
Além disso, a secretaria para Apoio à Reconstrução do Rio Grande do Sul, por sua vez, divulgou que foram destinados R$ 94,38 bilhões para apoiar o estado no enfrentamento à grave calamidade decorrente das enchentes. Segundo a pasta, os recursos estão direcionados aos ministérios da Fazenda, da Integração e do Desenvolvimento Regional, do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, e em favor da Justiça do Trabalho, do Ministério Público da União e do Banco Central do Brasil.
Cobrança do governo estadual não é feita
Para González, o movimento do tratoraço representa a agricultura de exportação, geralmente centrada em poucos produtos de monocultivo, como soja, milho e arroz, ligada ao latifúndio.
Em geral, o setor tem sido financiado por recursos federais, “seja pelo volume necessário, seja pelo interesse na exportação de commodities, para gerar entrada de dólares no país. Não por acaso a Lei Kandir ter grande impacto nas nossas finanças”, analisa o cientista político.
Por isso, conforme o professor da Ufgrs, é natural que o Ministério da Agricultura (em geral em mãos de um latifundiário, mesmo nos governos do PT) seja o foco, com o Banco do Brasil em segundo plano.
“O Estado do Rio Grande do Sul está falido e tem pouco a oferecer. No máximo algum ajuste de alíquota de ICMS, para quem produz para exportação, mas teria pequeno impacto. E atacar o governador Eduardo Leite dividiria as responsabilidades, esvaziando o objetivo de criticar o governo Lula”, destaca González, ao avaliar por que o movimento não cobra ações na mesma medida do governo estadual.
Além de poupado, Leite aproveitou o movimento para subir no palanque. O governador participou do ato do Movimento SOS Agro RS, que reuniu centenas de produtores rurais participantes do tratoraço na Casa do Gaúcho, em Porto Alegre, também na quinta, 8.
“É muito importante deixar claro que não se trata de um movimento político, partidário ou ideológico. Aqui não tem bandeira de partido nenhum, apenas a do Rio Grande do Sul. É um movimento genuíno das bases do agronegócio, que expressa a sua angústia com a falta de resposta às demandas que são apresentadas. Não vamos deixar de nos mobilizar até a vitória daquilo que queremos de Brasília”, frisou o governador.
Foto: Jürgen Mayrhofer/Secom
Movimento tipo exportação de olho em 2026
Rodrigo Stumpf González diz que o movimento do agro pode ser compreendido em um contexto mais amplo. Segundo ele, usa um efeito de demonstração dos agricultores europeus, em especial na França e Espanha, com o uso de tratores como elemento simbólico e para ter o impacto de interrupção de trânsito e favorecer a visibilidade.
“Sua motivação parte da sensação que diante da tragédia que atingiu o estado, entre maio e junho, o meio urbano e a infraestrutura de estradas foi priorizada, deixando a agricultura em segundo plano — no que a manifestação dos arrozeiros, dizendo que a safra não foi afetada, para evitar importações não ajudou”, observa.
Ainda conforme o especialista, o movimento tem um aspecto prático, busca atrair investimentos e crédito subsidiado em condições diferentes das políticas nacionais de financiamento da agricultura. E outro símbolo é dizer que o governo federal não está fazendo o suficiente. Não é um movimento do campo, mas do latifúndio exportador, notoriamente com uma adesão a setores conservadores”.
“O sentido de movimento político tem menos relação com a eleição municipal, ainda que possa ter algum impacto em munícipios do interior. Lula nunca foi um político popular no interior do Rio Grande do Sul, onde partidos ligados ao agronegócio, como o PP tem grande representação. O aspecto político, onde agora o PL se junta é de médio prazo, já tendo em vista as eleições nacionais”, pondera o cientista político e professor da Ufrgs.
Tamanho das propriedades no RS
O tamanho da área na qual a coordenadora do SOS Agro produz em São Sepé, de 560 hectares, representa apenas a realidade de 1,3% das propriedades do RS, segundo dados do Censo Agropecuário 2017, divulgados pelo IBGE em 2020. (Compare na imagem).
Fonte: IBGE
Fonte: IBGE
No Rio Grande do Sul, a estrutura fundiária, entendida como o modo de distribuição e organização das propriedades agrárias, varia significativamente em termos regionais. Entre os estabelecimentos agropecuários do estado mapeados, mais de 60% possuíam menos de 20 hectares.
Em conjunto, esses estabelecimentos ocupavam apenas 8,6% da área agropecuária. O último censo identificou um movimento de concentração fundiária e de aumento da área média dos estabelecimentos agropecuários no RS. Houve uma redução de 20,6% no número de estabelecimentos com menos de 50 hectares, ao passo que a frequência dos estabelecimentos de porte superior a 500 hectares cresceu 13,7%.
Movimento alega insuficiência
O movimento SOS Agro defende pautas encaminhadas pela Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul) e pela Federação dos Trabalhadores na Agricultura no Rio Grande do Sul (Fetag/RS) ao Congresso Nacional e ao Executivo federal.
A Farsul defende uma linha de crédito para financiamentos contraídos para investimento e custeio, com pagamento em até 15 anos, juros de 3% ao ano e dois anos de carência. Já a Fetag/RS busca a anistia das dívidas dos pequenos agricultores e um auxílio emergencial de um salário mínimo pelo período de seis meses, entre outras medidas.
Apesar de o governo já ter apresentado a medida provisória 1.247/2024, que autorizou a concessão de descontos nas parcelas de crédito rural aos produtores do estado, os representantes do movimento afirmam que o que foi oferecido é insuficiente e querem mais.
Além do desconto nos financiamentos para produtores com perdas em duas faixas de 30% , 60% ou mais, há uma comissão prevista para fazer a análise dos pedidos, verificando também os processos de comprovação das perdas nos casos de danos iguais ou superiores a 60%, por exemplo.
Produtores que tiveram prejuízo igual ou superior a 30% deverão ter o percentual declarado validado pelo Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural Sustentável ou colegiado semelhante. O texto prevê ainda que o percentual de desconto concedido seja estabelecido por decreto e possa ser condicionado à apresentação de laudo técnico.