“TSE tem poder de polícia e pedidos do STF são legais”
Foto: Antonio Augusto/ STF/ Arquivo
Em resposta à reportagem publicada na terça-feria, 13, pela Folha de S. Paulo, o gabinete do atual ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes reagiu nesta quarta-feira, 14, com a publicação de uma nota na qual reafirma que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tem poder de polícia em investigações e que pedidos do STF são legais.
Moraes informa que, no âmbito das investigações dos inquéritos das fake news e das milícias digitais, o TSE exerce poder de polícia e que não houve qualquer irregularidade nos pedidos feitos pelo ministro do STF.
Segundo a Folha, o gabinete do ministro teria utilizado mensagens informais para solicitar à Justiça Eleitoral a produção de relatórios que fundamentassem decisões no inquérito das fake news no STF.
As mensagens, trocadas via WhatsApp por auxiliares de Moraes entre agosto de 2022 e maio de 2023, indicariam a existência de um canal de comunicação extraoficial entre o STF e o TSE.
Dois bolsonaristas investigados no inquérito e alvo dos relatórios solicitados por Moraes, o comentarista Rodrigo Constantino e o ex-apresentador Paulo Figueiredo, fizeram, à época, postagens questionando a integridade das eleições de 2022, atacando ministros do STF e incitando militares contra o resultado das eleições presidenciais.
Em nota, o gabinete explicou que, durante essas investigações, diversas determinações, requisições e solicitações foram encaminhadas a vários órgãos, incluindo o TSE.
De acordo com o comunicado, “o tribunal tem a competência de elaborar relatórios sobre atividades ilícitas, como desinformação, discursos de ódio eleitoral, tentativas de golpe de Estado e atentados à democracia e às instituições”.
A nota do gabinete do ministro reforça que os relatórios elaborados apenas descreviam objetivamente as postagens ilícitas realizadas nas redes sociais, relacionadas diretamente às investigações das milícias digitais.
O comunicado também esclareceu que esses relatórios foram incorporados às investigações e inquéritos em andamento no STF, com o conhecimento da Procuradoria Geral da República (PGR). Ressaltou ainda que todos os procedimentos foram oficiais, regulares e devidamente documentados.
Na reportagem da Folha, que foi precedida por ataques do jornalista norte-americano Glenn Greenwald, (ex-The Intercept), também afirmou que os relatórios elaborados pelo TSE teriam fundamentado decisões do ministro Moraes, como o cancelamento de passaportes, bloqueio de redes sociais e intimações para depoimento à Polícia Federal.
Íntegra da nota do gabinete de Moraes
“O gabinete do Ministro Alexandre de Moraes esclarece que, no curso das investigações do Inq 4781 (Fake News) e do Inq 4878 (milícias digitais), nos termos regimentais, diversas determinações, requisições e solicitações foram feitas a inúmeros órgãos, inclusive ao Tribunal Superior Eleitoral, que, no exercício do poder de polícia, tem competência para a realização de relatórios sobre atividades ilícitas, como desinformação, discursos de ódio eleitoral, tentativa de golpe de Estado e atentado à Democracia e às Instituições. Os relatórios simplesmente descreviam as postagens ilícitas realizadas nas redes sociais, de maneira objetiva, em virtude de estarem diretamente ligadas às investigações de milícias digitais. Vários desses relatórios foram juntados nessas investigações e em outras conexas e enviadas à Polícia Federal para a continuidade das diligências necessárias, sempre com ciência à Procuradoria Geral da República. Todos os procedimentos foram oficiais, regulares e estão devidamente documentados nos inquéritos e investigações em curso no STF, com integral participação da Procuradoria Geral da República”.
Dino ironiza
Os ataques da Folha a dois meses das eleições municipais, suscitaram reações nos mais diversos setores e mobilizaram a opinião de juristas em defesa de Moraes.
O ministro do STF, Flávio Dino, ironizou as supostas ações fora do rito nas investigações das fake news e das milícias digitais durante a campanha do ex-presidente Jair Bolsonaro em 2022. Para ele, Moraes é acusado por “cumprir o seu dever”.
“Nesse momento, (Moraes) é acusado de um crime gravíssimo, ou seja, cumprir o seu dever. Em relação a certos parâmetros, aqueles que cumprem seu dever são atacados. Estão questionando o dever de ofício da polícia (da Justiça Eleitoral)”, espantou-se.
Dino se disse impactado, desde a noite de terça, quando tomou conhecimento da matéria da Folha. “Não consegui encontrar, em nenhum capítulo, preceito que diz que isso viola qualquer determinação da ordem jurídica ou do funcionamento do rito”, argumentou.
O ministro da Justiça afirmou que Moraes “caminha absolutamente em paz”. “Minha solidariedade e meu aplauso desde sempre”, afirmou.
Agente infiltrado?
Foto: Waldemir Barreto/Agência Senado
No site GGN, o jornalista Luís Nassif levantou a suspeita de boicote ao grande pacto nacional. “A ofensiva contra o Moraes faz parte dessa estratégia de desestabilização, já que o STF é a última garantia de estabilidade das instituições”, cogitou.
A constatação de Nassif, após extensa análise do avanço da extrema direita no mundo e do bolsonarismo no Brasil, aponta para o acirramento da disputa política nas eleições municipais de outubro.
“A democracia está sendo garantida ao custo de matar um leão por dia. Enquanto isto, a ultradireita avança por todos os poros do interior, do Congresso, e já começa a burilar suas novas lideranças depois que Bolsonaro se transformou em galinha morta. E não há um projeto à vista para galvanizar os setores civilizados do país, da centro-esquerda à centro-direita”, analisa.
Para o GGN, os ataques têm o dedo do jornalista norte-americano Glenn Greenwald. “Obcecado pela 1ª Emenda americana, Glenn nunca escondeu sua implicância com ações do STF contra seus detratores e golpistas. Glenn Greenwald é um jornalista que dispensa apresentações. Reconhecido mundialmente, deixou uma marca pessoal no Brasil quando liderou o projeto local do site The Intercept, que depois fez história ao comprovar, via vazamento de mensagens de Telegram, o conluio entre juízes e procuradores que atuaram na Operação Lava Jato”.
Glenn assinou com Fábio Serapião, uma serie de reportagens na Folha, acusando Alexandre de Moraes de supostamente “escolher” alvos para investigar no inquérito das fake news, e de demandar, “fora dos ritos processuais”, relatórios ao TSE para embasar suas decisões no STF, sem que essa iniciativa tenha ficado clara nos autos.
“Jornalisticamente falando, é preciso observar que Glenn Greenwald embarca nessa jornada com a Folha bem longe da isenção. Ao contrário, carrega uma bagagem pesada de críticas a Moraes e ao Poder Judiciário”, aponta o veículo.
Advogado constitucionalista, Glenn questiona se o STF está exorbitando ao investigar e julgar seus detratores e afirma que Moraes exerce poderes demais e que o Brasil vive sob um regime de “censura”. O site repara que o jornalista faz essas afirmações sem considerar que houve uma tentativa real de golpe envolvendo setores militares para manter Jair Bolsonaro no poder.
“A obsessão de Glenn é, sim, com a 1ª Emenda da Constituição americana, onde a liberdade de expressão está acima de tudo, mesmo que a extrema-direita use disso como uma brecha para deteriorar a democracia com sua fábrica de discursos de ódio, fake news e ataques às instituições. Não à toa, recentemente o jornalista saiu em defesa até de Elon Musk, que atacou Moraes e ao Poder Judiciário brasileiro, afirmando que não iria mais obedecer ordens judiciais para suspender usuários da rede X”.
Muito barulho por nada
Foto: Jacson Miguel Stülp/Câmara de Vereadores de Santa Cruz do Sul
Para advogado e professor da PPG em Direito da Unisinos, Lênio Streck, não há crime na conduta do ministro Alexandre de Moraes nesse caso da investigação das fake news. O jurista vem recorrendo à Shakespeare para adjetivar os ataques da Folha: “muito barulho por nada”.
“O ministro Alexandre de Moraes atuava com presidente do TSE, com poderes amplos de polícia. Há que entender que a justiça eleitoral é diferente da justiça criminal. Moraes estava no exercício de seu cargo e função: determinando aos seus subordinamos tarefas indispensáveis ao exercício do poder de polícia do sistema eleitoral. É lamentável que se esteja dando tamanha ênfase a esse episódio, inclusive com desonestas comparações com a lava jato. Se quiserem fazer uma blague, pode-se dizer que Alexandre de Moraes ministro eleitoral atuava em “conluio” com Alexandre de Moraes ministro do STF. Quem não concorda com isso tem de esperar a mudança da Constituição”, ironiza Streck.
“A Justiça Eleitoral é particular em diversos aspectos. Um deles é que os juízes têm expressivo poder de polícia”, afirma o advogado criminalista e doutor em Direito Penal, Davi Tangerino, em uma rede social. Moraes encaminhar conteúdo que ele recebeu, no contexto do poder de polícia, não tem nenhuma irregularidade, diz. Para ele, “é absolutamente previsível o uso desse episódio mesclado à desinformação”.
O advogado criminalista, Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, disse que comparar a atuação de Alexandre de Moraes à de integrantes da operação Lava Jato é de “uma infelicidade e de uma irresponsabilidade enorme”.
O jornalista e escritor Cesar Calejon qualificou a matéria de “tentativa estapafúrdia do Glenn e da Folha de criminalizar a atuação do Alexandre de Moraes”. Comparar essa atuação com a Lava Jato “é fruto da leniência com que a justiça brasileira tratou os crimes cometidos por Jair Bolsonaro e outros bolsonaristas”.
“Não tem nada. Só gente desocupada e juridicamente ignorante fazendo marola para tentar livrar o Bolsonaro da cadeia. Uma tentativa de reedição de vaza jato, dessa vez como farsa”, definiu o cientista político e jurista Christian Lynch. “Até o momento, a ‘vaza jato’ do Glenn não passa de factoide para tentar desacreditar a justiça e anistiar os criminosos do Bolsonarismo. E só”, disparou.