Breve história da revolução dos aventais na Medicina da Ufrgs
Foto: Acervo Ufrgs/ Divulgação
O livro Beca, canudo e protesto – contestação e irreverência nas formaturas da Faculdade de Medicina da Ufrgs de 1974 a 1990, (Libretos, 2024, 352p.), da jornalista Elisa Kopplin Ferraretto e do médico e professor Elvino Barros resgata a irreverência que marcou as colações de grau em Medicina na federal nos anos que se seguiram ao fim da ditadura militar no Brasil.
O lançamento e a sessão de autógrafos serão na quinta-feira, 5, das 10h30min às 12h, no Anfiteatro Carlos César de Albuquerque – Hospital de Clínicas de Porto Alegre (Ramiro Barcelos, 2.350) – Porto Alegre/RS.
Foto: Marco Nedeff/ Divulgação
Dezenas de médicos e médicas que hoje ocupam posição de destaque na assistência, ensino, pesquisa e gestão em saúde tiveram, de 1974 a 1990, formaturas anticonvencionais, muito diferentes das cerimônias solenes que se conhece hoje. O fato está relacionado ao contexto da época, pela implantação da chamada reforma universitária durante a ditadura militar e pelo início do processo de redemocratização do país.
Escrito em ritmo de reportagem, com base em ampla pesquisa documental e em mais de 100 entrevistas, o livro traz imagens para ilustrar esses episódios. A publicação também traz QR codes que dão acesso a vídeos de quatro formaturas da segunda metade da década de 1980 e a um áudio com parte da solenidade de 1975. Este é um raro registro de uma cerimônia da época.
O projeto editorial tem o apoio cultural da Associação Médica do RS (Amrigs), Sindicato Médico do RS (Simers), Unicred Porto Alegre e Fundação Médica do RS (FundMed).
Além da sessão de autógrafos haverá um encontro geral das Associações de Turmas Médicas (ATMS) de 1974 a 1990, momento para compartilhar memórias e histórias. Estão confirmadas as presenças de Adamastor Pereira, Valter Duro Garcia, Clotilde Druck Garcia, Gilberto Schwartsmann e Júlio Conte, entre outros médicos e médicas cujos relatos integram o livro.
Formatura sem paraninfo
Arte: Santiago/ Arquivo
Jornalista, Elisa atua na área de Comunicação em Saúde. É autora de Pery e Estelita na ribalta do espaço, livro que resgata a história dos pioneiros do radioteatro.
Com o jornalista e professor Luiz Artur Ferraretto, Elisa escreveu Assessoria de imprensa: teoria e prática e Técnica de redação radiofônica.
Em 2021, recebeu, da Associação Riograndense de Imprensa (ARI), o Troféu Antônio Gonzalez de Contribuição Especial à Comunicação.
Elisa explica como surgiu a ideia de transformar a história das formaturas em livro.
“Em julho de 2023, a Faculdade de Medicina da Ufrgs comemorou 125 anos. O Elvino envolveu-se na busca de informações e documentos para um livro e exposições comemorativas. Nesse processo, começou a coletar convites de formatura das diferentes turmas e chamou sua atenção que, no de 1974, não havia indicação de paraninfo nem de homenageados”.
Conversando com pessoas que se formaram no período, conta, o professor Elvino acabou descobrindo que aquela tinha sido uma forma de protesto da turma contra a baixa qualidade do ensino durante o curso. A atitude dos estudantes tinha sido tão impactante que foi noticiada duas vezes na revista Veja. Além disso, foi decisivo para a ideia de escrever o livro, a constatação de que protestos semelhantes ocorreram nos anos seguintes.
“Eu e Elvino somos colegas no Hospital de Clínicas – ele, médico e professor e eu, jornalista e assessora da direção. Um dia, ele comentou esse achado e chegamos à conclusão que a história, por ser muito interessante e pouco conhecida, talvez merecesse um livro”, explica Elisa.
Afinal, tratava-se de uma modificação no ritual das formaturas em uma instituição tradicional como a Faculdade de Medicina da Ufrgs – onde as solenidades, com todos seus elementos protocolares, têm um enorme valor simbólico, pelo que representam em termos de status para os estudantes, suas famílias e a própria universidade.
“Além disso, era um protesto em meio ao período mais duro da ditadura militar pós-1964”, ressalta.
Políticas de inclusão
Foto: Álvaro Roberto Crespo Merlo/ Acervo Pessoal
Elisa também destaca a importância do movimento para os dias atuais, em que as políticas de inclusão modificaram o perfil dos estudantes de medicina e reforça que as cerimônias feitas hoje são muito elitizadas.
“As mulheres eram minoria – no início dos anos 1970, representavam cerca de 10% das turmas, e só chegariam a ser metade delas na que se formou no primeiro semestre de 1989. Um ano antes, ao receber seu diploma, um formando usou o microfone para homenagear uma colega, que protagonizava um fato raríssimo (talvez inédito) naquele ambiente: a graduação de uma mulher negra”.
A introdução de ações afirmativas nas universidades públicas modificou esse quadro. Hoje, na Faculdade de Medicina da Ufrgs, há reserva de vagas para candidatos que cursaram o ensino médio integralmente em escolas públicas, para pessoas autodeclaradas negras, para indígenas, para pessoas com deficiência”, lembra.
De certa forma, os protestos de estudantes de Medicina dos anos 1970 e 1980 deram sua contribuição para que esse quadro se modificasse, no sentido de não terem fechado os olhos para a realidade e, do seu jeito, defendido um ensino melhor, uma sociedade mais justa e igualitária, avalia Elisa. “Entendo que cada movimento foi e segue sendo importante para a resistência da sociedade e a superação dos problemas, como parte de uma construção coletiva permanente. Ficando no âmbito da universidade pública, que é o foco do nosso livro, o que chama a atenção, em contrapartida, é a elitização das formaturas hoje, em comparação ao período compreendido pela narrativa.
Em meados dos anos 1990, com a ascensão das empresas produtoras, as solenidades foram se tornando cada vez mais espetaculares e midiáticas… e caras”, sublinha, lembrando que antes, os próprios formandos elaboravam seus convites, definiam como seria a solenidade, quando muito contratavam um fotógrafo para registro de algumas poucas imagens.
“Hoje, geralmente tudo é terceirizado para empresas, que produzem megaeventos a um custo elevadíssimo. Todo formando tem o direito assegurado pela universidade de participar da colação de grau, mas será que os que entraram por cotas sociais, por exemplo, conseguem custear todos os itens envolvidos na decoração, maquiagem, roupas, festas, decoração etc.?”, indaga.
Diferenças
Capa: Reprodução
Nefrologista, Elvino atua no Hospital de Clínicas de Porto Alegre e é professor da Famed/Ufrgs. É autor, coautor ou organizador de livros técnicos de Medicina, além de uma obra de resgate histórico de sua especialidade, Fragmentos da história da Nefrologia gaúcha.
Elvino enumera as principais mudanças do curso daquele período para os dias de hoje: Atualmente, as turmas são menores, o que possibilita mais interação entre professores e alunos; os professores dispõem de mais tempo para o ensino; e são mais preparados, possuem pós-graduação.
Bárbara Neves é estagiária de jornalismo. Matéria elaborada com supervisão de Gilson Camargo.