OPINIÃO

Mais espigões e menos árvores: esse foi o aprendizado da tragédia climática?

Por Marco Aurélio Weissheimer / Publicado em 13 de setembro de 2024
Mais espigões e menos árvores esse foi o aprendizado da tragédia climática

Foto: Divulgação/SMSUrb PMPA

No final de agosto, na paisagem urbana de Porto Alegre, duas cenas chamam a atenção sobre essa “volta à normalidade”: a retomada da construção de grandes edifícios por toda a cidade e a derrubada de árvores, muitas delas motivadas por essas obras

Foto: Divulgação/SMSUrb PMPA

Os efeitos, para quem foi afetado diretamente com perda de vidas, de bens materiais e afetivos são mais evidentes, mas eles podem ir mais além e nos afetar como comunidade de um modo que não conseguimos perceber direito

Durante o período do isolamento social que marcou a pandemia, era comum encontrar nos registros que as pessoas faziam nas redes sociais afirmações de que a humanidade sairia melhor daquela experiência. O que justificava esse otimismo era a existência de uma experiência difícil e dramática que estava sendo vivida por praticamente toda a humanidade.

O planeta ficou menor e, graças às novas plataformas de comunicação digital, mais conectado. Os meses foram se passando, no entanto, e começaram a aparecer os sinais de que esse otimismo talvez fosse um pouco exagerado. As manifestações e atitudes de negacionistas, muitos deles ocupando posições de governo, em relação às vacinas que começavam a ser desenvolvidas, indicavam problemas à vista para esse crescimento da humanidade como um todo.

Ao todo, foram cerca de dois anos de isolamento, de milhares de mortes, adoecimentos, separações, traumas e aprendizados sobre busca de novas formas de convívio, relacionamentos e trabalhos. Mas, à medida que o tempo foi passando, crescia a pressão para que voltássemos logo à normalidade, como se o que tivesse acontecido naqueles dois anos fosse um detalhe facilmente superável. Em uma escala bem menor, mas não menos intensa, parece que estamos vivendo uma experiência similar aqui no Rio Grande do Sul em relação à tragédia climática que se abateu sobre o estado  em maio deste ano.

Assim como na pandemia, fomos todos como que jogados numa dimensão paralela que atingiu em cheio nossas vidas e impactou profundamente nosso cotidiano. Assim como na pandemia, o sofrimento causado pela enchente, além das dores, perdas e destruição que gerou, despertou uma onda de solidariedade e um crescimento da percepção que a reconstrução a ser feita quando tudo aquilo passasse deveria ser realizada a partir de outro paradigma de desenvolvimento e relação com a natureza. Mas qual foi mesmo o resultado na nossa vida social da junção desses dois eventos dramáticos em um curto espaço de anos?

Se alguém dissesse, em 2019, que nos cinco anos seguintes viveríamos uma pandemia que nos deixaria isolados socialmente e, alguns anos depois, uma catástrofe climática com uma destruição sem precedentes no Rio Grande do Sul, pouca gente levaria a sério a previsão. No entanto, cá estamos, cinco anos depois, acumulando em nossa bagagem de vida dois eventos disruptivos, que nos arrancaram de modo abrupto de nosso cotidiano e, mais grave, custaram a vida de milhares de pessoas e, no caso da enchente de maio de 2024, a destruição de casas, patrimônios, memórias e afetos.

Ainda não está claro como esses dois eventos afetaram a nossa saúde mental e a nossa subjetividade de modo mais amplo, tanto isoladamente cada um, quanto somados, no caso da população do RS. Os efeitos, para quem foi afetado diretamente com perda de vidas, de bens materiais e afetivos são mais evidentes, mas eles podem ir mais além e nos afetar como comunidade de um modo que não conseguimos perceber direito.

Durante o auge da enchente, as comparações com o que vivemos durante a pandemia vieram quase que automaticamente à nossa mente. Foram dois eventos com suas diferenças e particularidades, com certeza, mas ambos, ao nos arrancarem de nosso cotidiano, abriram espaços comuns para refletirmos sobre o modo de vida que estamos levando, seus limites e contradições.

Mas apenas alguns meses após o que todos chamaram de “tragédia climática”, reapareceu a pressão por voltar logo à normalidade, sem dar o devido peso e a importância ao que havia acontecido conosco. Esse não seria um caminho certo para alimentar novas tragédias em futuro próximo? Talvez seja importante pensar em que medida essa pressão de “voltar logo à normalidade”, que torna a aparecer agora, não varre para debaixo do tapete debates sobre as dimensões mais profundas que vivenciamos nesses dois eventos.

No final de agosto, na paisagem urbana de Porto Alegre, duas cenas chamam a atenção sobre essa “volta à normalidade”: a retomada da construção de grandes edifícios por toda a cidade e a derrubada de árvores, muitas delas motivadas por essas obras. A combinação dessas duas cenas parece nos indicar que, mais uma vez, não sairemos melhores da experiência dramática que acabamos de vivenciar. Parece que ainda foi pouco para deixar uma lição sobre o nosso atual modo de vida.

Marco Weissheimer é colaborador mensal do jornal Extra Classe.

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