OPINIÃO

Juventude, ciência e ensino pela pesquisa 

Por Gabriel Grabowski / Publicado em 3 de outubro de 2024

Juventude, ciência e ensino pela pesquisa 

Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

Outubro é o mês dedicado à Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) com o objetivo de mobilizar e conscientizar a população, em especial crianças e jovens, com temas e atividades da área, valorizando a criatividade, a atitude científica e o ensino pela pesquisa.

Neste mês, geralmente, se concentram e ocorrem as principais feiras científicas nas escolas, universidades e entidades científicas.

Aguçar o interesse dos jovens com estas temáticas é estratégico e fundamental, porém seu envolvimento depende mais de políticas públicas do que responsabilizar os estudantes.

Nossa educação é que deveria ser um processo e um espaço público repleto de oportunidades aos estudantes a práticas de reflexão, investigação e discussão, desenvolvendo aprendizagens pela pesquisa e apreendendo a identificar os problemas e desafios do mundo atual e seus impactos em nossas vidas.

No entanto, a cultura educacional brasileira predominante é “dar aula” expositiva aos estudantes em detrimento da “fazer aulas” por meio da pesquisa. Todas as iniciativas nesta perspectiva são válidas, mas não basta promover pequenas experiências esporádicas, como feiras ou eventos de iniciação científica. É preciso priorizar e investir massivamente em laboratórios, infraestrutura tecnológica, formação de professores e pesquisa-ação nas escolas públicas e instituições de ensino superior (IES).

As primeiras iniciativas de programas de iniciação científica no Brasil se fortaleceram na década de 1990, embora houvesse concessões esporádicas de bolsas nessa modalidade desde a criação do CNPq em 1951.

A criação do Programa de Iniciação Científica do CNPq destinado a estudantes de graduação se deu em 1993. Só dez anos depois, em 2003, foi criado o primeiro programa do CNPq destinado ao ensino médio.

No Brasil, tanto a educação como a pesquisa são iniciativas somente do século XX.

No ensino superior brasileiro é quase inacreditável que, das 2.595 Instituições de Ensino Superior (IES), somente se exija pesquisa-ensino-extensão das 205 universidades. As demais 2.349 faculdades e centros universitários não tem obrigação de fazer e promover o ensino pela pesquisa e nem a produção de conhecimento novo.

Interesse dos Jovens e relevância social por ciência e tecnologia

De acordo com a pesquisa O que os jovens brasileiros pensam sobre ciência e tecnologia – 2024, realizada pelo Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Comunicação Pública da C&T (INCT/CPCT), que entrevistou 2.276 jovens de 15 a 24 anos, entre 3 e 25 de fevereiro deste ano, é elevado o interesse dos jovens por vários temas, como: 77% se afirmam ter muito interesse ou interesse por meio ambiente, 67% por ciência e tecnologia e 66% por medicina e saúde – percentuais superiores aos declarados por religião (63%), esportes (63%), arte e cultura (59%) e política (28%).

Por outro lado, 32% afirmaram que o espaço mais visitado são as bibliotecas. Já os museus ou espaços de ciência foram visitados apenas por 8% dos entrevistados. Entre as causas para a não visitação a um museu ou espaço de ciência estão “não tive tempo” e “não existem em minha região”.

Destaca-se, ainda, o desejo dos jovens por maior controle e participação social nas escolhas científicas e tecnológicas. A maioria acredita que a população deve ser ouvida nas grandes decisões sobre os rumos da C&T (84% concordam totalmente ou parcialmente) e desejam maior regulamentação da pesquisa científica por parte do estado (79%).

A pesquisa revela que as opiniões e as atitudes dos jovens brasileiros sobre temas da ciência, tecnologia e inovação indicam diversos aspectos positivos e muitos desafios.

Existe um grupo que parece mais atento às estratégias de desinformação e que demonstra maior equilíbrio em suas percepções. Mas, também, há um público que se informa basicamente pela internet e redes sociais, ambientes em que há maior circulação de notícias falsas e conteúdos duvidosos, e que apresenta baixo acesso a atividades científico-culturais.

Os dados demonstram que os jovens estão vulneráveis à desinformação, à possibilidade de participar em atividades de democratização do conhecimento e ao grau de familiaridade com conceitos científicos. As preocupações sobre aspectos específicos da C&T são muito diferentes em diferentes grupos.

Isso aponta para a necessidade de se pensar ações e conteúdos específicos para nossos jovens, tão diversos e bastante interessados em participar ativamente de uma cidadania que, cada vez mais, precisa de apropriação social da C&T para ser exercida plenamente.

Estes resultados podem direcionar não só gestores, mas também educadores, profissionais de comunicação e os próprios cientistas, em suas ações de aprendizado, apropriação do conhecimento e fortalecimento da cidadania científica.

O debate sobre a importância do ensino de ciências e do método científico tem ganhado força diante da disseminação de notícias falsas e da negação da ciência nos mais diversos espaços da sociedade. E na escola não é diferente.

“Os tensionamentos entre os valores trazidos pelos estudantes de suas casas e o que é ensinado em sala de aula sempre foram comuns. No entanto, nos últimos anos, a ascensão de valores conservadores que levam à negação de consensos científicos se exacerbou”, avalia a professora Sandra Selles, da UFF.

Ela atribui essa mudança a um movimento contemporâneo conservador atrelado a princípios religiosos e que envolve a universalização de padrões morais e a negação de consensos científicos.

A professora chama a atenção para o fato de que esse fenômeno é intensificado pelo uso massivo das redes sociais, que aceleram a disseminação de pautas negacionistas, e de que não se trata de meras atitudes individuais, mas de ideias de circulação massiva que têm o poder de atrasar ou mudar a direção de políticas públicas.

Ensino pela pesquisa e autonomia intelectual dos estudantes

Já o educador Pedro Demo, autor de mais de 100 livros, defende a pesquisa como princípio científico e educativo apregoando que ela não deve mais ser considerada algo distante, própria das práticas acadêmicas, mas incorporada aos processos de ensino e de aprendizagem.

O educador aponta que o professor maneja duas rédeas estratégicas para a vida dos estudantes: pode contribuir para forjar sujeitos capazes de história própria, bem como pode fomentar em cada jovem a habilidade de conhecimento com autonomia, em nome da e para a autonomia. Isto implica, necessariamente, educar e conhecer para gestar cidadãos capazes de mudar a sociedade em nome do bem comum.

O processo de formação do estudante compreende o apoio por outra pessoa, geralmente mais adulta, no sentido da construção da autoria e da autonomia. Este outro é apoio, pois ninguém se emancipa sozinho. O outro nos constitui. Formar, segundo Demo significa aprender a construir-se como referência das próprias oportunidades, no contexto social.

Neste sentido, duas referências são relevantes: a) autoria – habilidade de construir a vida como texto próprio, no plano individual e coletivo, e como expressão de cidadania ativa; b) autonomia – habilidade de gestar roteiro de aperfeiçoamento incessante da personalidade, tendo como resultado a constituição de sujeito capaz de história própria.

Pedro Demo, também, adverte que autoria e autonomia não podem ser completas, porque não somos seres completos. Somos seres inacabados. Formação implica capacidade de convivência com outras autorias e autonomias, igualitariamente.

Da mesma forma, formação e aprendizagem não são sinônimos. Aprendizagem acrescenta habilidades relativas à produção do conhecimento e o “aprender a aprender” é tipicamente formativo, no sentido que se baseia na gestação de autoria e autonomia.

Por coerência, prossegue Pedro Demo, a aprendizagem precisa desenvolver habilidades de dentro para fora, tais como:

  • pesquisa – capacidade de manejar conhecimento próprio, questionar, argumentar, fundamentar, duvidar;
  • elaboração própria – lemos um autor para nos tornarmos autor, não mero porta-voz;
  • argumentação – fazer ciência é saber argumentar e principalmente autoquestionar;
  • espirito crítico – é o manejo da incerteza com sua potencialidade disruptivo; e
  • comunicação desimpedida e bem-educada – liberdade de expressão, diálogo crítico, arte de produzir consensos possíveis, saber pensar, saber escutar o outro, falar na sua vez e falar apenas se tiver o que dizer.

Por contingências históricas nossa educação brasileira e nossas instituições formadoras se vinculam a procedimentos de “ensino”. Até hoje persiste a concepção de “professor horista” contratado para “dar aula”, onde o professor transmite para o estudante o que ele absorveu de maneira reprodutiva de outros autores.

Como, na sua grande maioria, não somos autores, não conseguimos transformar os estudantes em autores de suas aprendizagens e conhecimentos. O ensino pela pesquisa é uma das estratégias que requer professores autores formandos estudantes protagonistas.

O desenvolvimento da autonomia e do protagonismo estudantil decorrem de processos participativos, coletivos e autorais dos docentes e discentes. Não há docência sem discência, as duas se explicam e seus sujeitos, apesar das diferenças que os conotam, não se reduzem à condição de objeto, um do outro. Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender.

Por consequência, ensinar exige rigorosidade metódica e pesquisa, pois quanto mais criticamente se exerça a capacidade de aprender tanto mais se constrói e desenvolve a “curiosidade epistemológica”, sem a qual não alcançamos o conhecimento cabal do objeto.

Porém, como ter uma escola emancipatória em uma sociedade opressora? Como motivar, especialmente as crianças e os jovens, num país com extremas desigualdades, com racismo histórico e estrutural, com machismo, exclusão socioeconômica, gravidez precoce, o poder do tráfico, entre outros contextos que configuram o cenário brasileiro atual?

Nos falta valorização e referências científicas reconhecidas.  Porque a Argentina, o México, a Costa Rica e a Guatemala – países latino-americanos – possuem Prêmios Nobels e o Brasil ainda não? Por que nossos cientistas precisam trabalhar fora do país?

É inaceitável que o Brasil, uma das dez maiores economias do mundo, continue persistindo e negando o direito a educação, a ciência e cultura para 86% dos adolescentes e jovens que estudam nas escolas públicas.

Não culpe nem responsabilize as crianças os jovens estudantes pela desvalorização e interesse pela ciência. Esta responsabilidade é das elites e de seus governantes, que não permitem maiores investimentos na Ciência, na Pesquisa e na Educação com qualidade em todas as escolas pelo Brasil.

A comprovação é que a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Academia Brasileira de Ciências (ABC), em conjunto com diversas outras entidades científicas, acabam de manifestarem-se sobre a redução de recursos para Ciência no Projeto de Lei Orçamentária para 2025, expressando: “seguimos entendendo que o Brasil não pode prescindir da ciência e da tecnologia para alçar voos mais altos como Nação, assegurando não só seu crescimento econômico, mas também o desenvolvimento social que seu povo merece.

E só conseguiremos isso com investimentos fortes no sistema público de P&D e incentivo ao desenvolvimento tecnológico empresarial. Buscar esse equilíbrio é fundamental”.

Gabriel Grabowski é professor, pesquisador e escreve mensalmente para o jornal Extra Classe.

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