EDUCAÇÃO

Enfrentamento do racismo passa pela escola, diz Bárbara Carine

Por Stela Pastore / Publicado em 17 de outubro de 2024

Enfrentamento do racismo passa pela escola, diz Bárbara Carine

Foto: Reprodução/Divulgação

Foto: Reprodução/Divulgação

Reconhecida pela luta antirracista, a professora, pesquisadora e escritora Bárbara Carine lança no dia 20 de novembro o livro Educando crianças antirracistas, data que o Brasil terá o primeiro feriado nacional pelo Dia da Consciência Negra. Autora do best seller Como ser um educador antirracista: para familiares e professores e também do Querido estudante negro, entre outros.

Idealizadora da Escola Maria Felipa, primeira escola afro-brasileira que funciona há cinco anos em Salvador, a professora estará em Porto Alegre na sexta-feira, 18 de outubro, às 19h30, como painelista do 2º Seminário Educação em Tempos de Reparação, promovido pela Fundação Educacional João XXIII. Com mais de 500 mil seguidores no perfil @uma_intelectual_diferentona, a professora tem a educação como seu tema central.

Bárbara Carine Soares Pinheiro nasceu em Salvador, em 1987. Além de escritora e palestrante, é professora efetiva da Universidade Federal da Bahia UFBA. Graduada em filosofia e em química, tem mestrado e doutorado em ensino de química pela UFBA. Foi finalista do Prêmio Jabuti por dois anos seguidos e recebeu o Prêmio Maria Felipa, da Câmara Municipal de Salvador, em 2021.

É membro do Conselho Acadêmico de Ensino (CAE) da UFBA, colaboradora do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA/USP), coordenadora do Grupo de Pesquisa em Diversidade e Criticidade nas Ciências Naturais (DICCINA/UFBA).

Extra Classe – A senhora lançará um novo livro esta semana Educando crianças antirracistas. Qual o objetivo desta publicação?
Bárbara Carine – É meu novo livro infantil e o título é explícito:  é para ajudar a escola na educação de todas as crianças para que a gente tenha um processo de desenvolvimento humano mais justo e igualitário que reconheça as múltiplas existências.

O livro surgiu em um contexto de que eu fui procurada em dois dias por três mídias distintas para dar entrevistas sobre situações de racismo. Eram situações diferentes e de crianças que chamavam outras de macacas nesse ano de 2024.

Eu me senti muito mal com aquilo porque me deu a impressão de que por mais que a gente caminhe, por mais que a gente avance a gente avança muito pouco, porque as crianças seguem reproduzindo a desgraça social que é imposta para nossa comunidade negra, indígena. As crianças seguem reproduzindo os estigmas que as suas próprias famílias impõem sobre a formação dessas crianças.

Então a escola precisa se responsabilizar nesse processo de enfrentamento ao racismo.  Eu escrevi um livro infantil para conversar sobre essas questões tão sensíveis mas na linguagem das infâncias, explicando para as crianças que macacos são animais muito bacanas, são divertidos, são inteligentes mas não são pessoas. Pessoas são pessoas,  macacos são macacos, cavalos são cavalos. Então eu trago uma linguagem infantil para explicar para as crianças que os adultos têm alguns problemas.

Os adultos são bacanas, são os adultos que educam as crianças, são os adultos que ajudam as crianças a se formarem e a sobreviverem no mundo, mas os adultos têm alguns problemas que eles não devem levar para o universo das infâncias. Então, a finalidade do livro é justamente essa, sabe? E eu fiquei muito feliz com o resultado do livro porque consegui informar,  consegui educar por meio dessa obra mas com a leveza, que a idade requer mesmo sendo um tema tão pesado para todos nós.

EC – O que é fundamental para professores/as  praticarem educação antirracista, tema também do seu best-seller Como ser um educador antirracista?
Bárbara – É muito importante para os professores e professoras a formação no âmbito da educação antirracista. Não é à toa que o livro Como ser  um educador antirracista  que escrevi e publiquei no ano passado é um best seller e que segue em primeiro lugar de vendas no Brasil.

O país não educa educadores para o contexto da diversidade. Educa educadores para reproduzirem uma noção de sujeito universal: de que só um perfil de sujeito merece ter sua beleza reconhecida, só um perfil de sujeito merece ter a sua religião acolhida, só um perfil de sujeito merece ter a sua história narrada, só um perfil de sujeito merece ser empoderado tendo acesso a escritores que se parecem com ele, a cientistas que se parecem com ele, a filósofos, a literatos que se parecem com ele.

E que os outros sujeitos não! Que principalmente pessoas negras têm que estar sempre vinculadas a uma condição de escravidão enquanto a humanidade surge na África, as primeiras formas de constituição societárias são de ancestralidade africana, os primeiros reinos,  os primeiros impérios, a ciência desenvolvida no continente africano.

Tudo isso, o currículo escolar apaga para abraçar uma história unilateral de que a branquitude europeia desenvolveu todas as coisas e conta essa história deslavada, essa mentira ridícula como a única história possível até hoje às nossas crianças na escola.

É necessário contar outras narrativas de empoderamento de pessoas negras, de pessoas indígenas e sair de uma dimensão de eurocentralidade.

O meu livro se torna best seller pela urgência da temática e pela linguagem muito acessível, para que todas as pessoas tenham acesso.

Apesar de eu ser uma intelectual acadêmica, com doutorado, pós-doutorado, desta ritualística acadêmica, eu não me sinto confortável em escrever para a academia. Minha finalidade é escrever para o mundo, para as pessoas, saltando os muros da universidade e comunicando a todos os sujeitos.

Enfrentamento do racismo passa pela escola, diz Bárabra Carine

Foto: Ed Planeta/Divulgação

Foto: Ed Planeta/Divulgação

EC – Um dos seus livros é Querido estudante negro. Qual a mensagem central nesta publicação?
Bárbara – Foi lançado neste ano. É um livro que vende bem mas não foi tão hypado (repercutido) da mesma forma que o Como ser um educador antirracista. Acredito, por ser um livro de dimensão mais subjetiva e não remete a ideia de uma receita de bolo, mas que vai ensinar pessoas a como educarem as crianças de um lugar antirracista.

É um livro para entender essa subjetividades negras na escola. Entender os atravessamentos do racismo na constituição dos jovens negros, seja na dimensão da educação básica, quanto na formação superior, nos níveis de pós-graduação. Sobre como o racismo atravessa de diferentes modos estudantes negros e negras nesses espaços.

Apesar de quantitativamente não ser proporcional ou como serão do comando de racista é um livro que me emociona até mais quando as pessoas me encontram. Me encontram chorando quando elas falam sobre seu livro falando do quanto que esse livro foi fundamental para elas em diversos processos de cura. Tive diversos retornos de psicólogas, principalmente mulheres negras, me falando sobre o quanto esse livro apareceu em sessões terapêuticas de diversas pessoas.

É um livro de muito impacto nessa imagética do ser negro e nesse revisitar esses momentos de dor que muitos de nós tivemos nesses estágios escolares e você entender que a sua dor não é particularizada, que não é singularizado, que são histórias de vidas cruzadas, que pessoas outras tiveram as mesmas dores que você, não para diminuir a sua dor mas para coletivizar a luta.

Para as pessoas entenderem que não é um problema sobre ele, que ele sofreu na escola racismo de diversos modos não porque tinha um problema, é porque a sociedade é problemática e impôs violências sobre todas as pessoas negras ao longo desses últimos anos e,  infelizmente, segue impondo nesse espaço da educação formal.

EC – Este ano o Brasil tem o primeiro feriado nacional no dia 20 de Novembro, Dia da Consciência Negra. Quais outras efemérides ou temas a senhora entende sejam institucionalizados  como reparação?
Bárbara – É importante que seja institucionalizado o 20 de novembro, mas para além de ser um feriado nacional,  acho importante institucionalizar as lutas negras.

A luta pelo direito à sobrevivência num país que mata uma pessoa negra a cada 23 minutos, em geral jovens com idade entre 18 a 24 anos são assassinados. Então, a nossa juventude segue sendo esmagada como barata. Estamos num país em que o Judiciário é branco e por isso temos uma série de implicações: penas severas, pessoas negras injustiçadas porque a estética do criminoso foi desenvolvida em algum momento da história pelo racismo científico e foi incorporada pelo Judiciário. A gente tem essa demanda e a  necessidade de pessoas negras no espaço de poder, na política institucional, na mídia televisiva, na magistratura, nas universidades, na ciência.

Estamos falando de um país de 56 % da população negra e não é possível que a gente só se veja representados na criminalidade, no genocídio, no encarceramento em massa, nas pessoas em condição de rua, nas pessoas com dependência química,  nos índices de suicídio, porque as pessoas que mais se matam são homens negros.

Enfrentamento do racismo passa pela escola, diz Bárabra Carine

Foto: Ed Planeta/Divulgação

Foto: Ed Planeta/Divulgação

O feriado é bacana, mas insuficiente. A gente precisa olhar para uma agenda que não é nova construída pelos movimentos sociais negros organizados há séculos desde movimentos quilombistas, abolicionistas ou movimentos mais recentes como Movimento Negro Unificado (MNU). A gente tem apresentado pautas só que o país negligencia, finge que não vê. A lei é para inglês ver está posta lá no contexto da escravidão de não trazer mais pessoas negras escravizadas em navios negreiros (tumbeiros) e que foi negligenciada. Nossas demandas seguem sendo para inglês ver, seguem sendo invisibilizadas.

EC– A senhora é a idealizadora da primeira escola afro-brasileira do Brasil. Como está sendo esta experiência?
Bárbara – Idealizei a Escola Brasileira Maria Felipa  escrevendo o projeto político pedagógico em 2017; em 2018 estruturei o espaço; 2019 começou o primeiro ano letivo e funciona há cinco anos em Salvador. Agora  estamos chegando no Rio de Janeiro no bairro de Vila Isabel, com início das aulas previstas para 2025.  Sou muito feliz com a escola e por consequência o meu nome entrou de certo modo para a história da luta negra educacional no Brasil. A Maria Filipa é a primeira escola registrada como afro-brasileira em uma Secretaria Municipal de Educação no país.

Constrói um currículo igualitário, um currículo que todas as existências são celebradas. A gente não apaga a história europeia, a gente só não é eurocentrado. Traz outras narrativas como dos povos indígenas, dos povos negros africanos,  africanos da diáspora, celebra a diversidade em todos os sentidos, não apenas racial, mas diversidade em todas as frentes.

Entretanto é uma luta muito solitária. O país não entendeu a importância de uma escola como esta. A gente não tem apoio de governo, de pessoas, de entidades antirracistas, a gente segue por conta própria. Manter uma escola como essa em Salvador é uma luta absurda, de muito esforço, inclusive de processo de endividamento,  porque a gente não tem suporte. As pessoas aplaudem, celebram mas são poucas entidades e pessoas que chegam junto para apoiar efetivamente o projeto. Mas estamos expandindo, lutando e seguindo firmes!

EC – Seu Instagram tem mais de 500 mil seguidores. Como é a experiência de ser uma influencer e ao que a senhora atribui esse sucesso?
Bárbara –
Sou influenciadora nas redes sociais, mas minha base fundamental é a educação. São os livros que escrevo, as palestras e as aulas que dou, os cursos que ofereço. Apesar de ter mais de 500 mil seguidores como influenciadoras nas redes sociais não me sinto performando no campo do digital como um influencer de mídia com  foco artístico, como é mais habitual desses profissionais. Minha finalidade é mesmo socializar conhecimento por essas diferentes vias. E aí muitas pessoas que buscam formação,  buscam conhecimento elas me seguem. Minha relação é nesse sentido com as redes sociais: um espaço de empoderar, conscientizar e potenci­­­­alizar outras pessoas.

 

 

 

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