Quebrando mitos da saúde masculina
Foto: Igor Sperotto
Nas telas de tevê, cinema ou nas histórias em quadrinhos, super-homem não tem câncer de próstata, porque, afinal, nunca fica doente. Ele enfrenta tiros de fuzil e sobrevive a acidentes de carro. Super-homem não chora, não faz terapia, não pode faltar ao serviço para ir ao médico. Na vida real, as estatísticas do Ministério da Saúde indicam que os brasileiros precisam urgentemente deixar os mitos e as fantasias de lado, porque, de cada três pessoas que morrem no Brasil, duas são do sexo masculino. Esse número é alto sobretudo na faixa dos 20 aos 30 anos. Entre as causas, as campeãs são externas, como violência e acidentes no trânsito. Depois vêm as enfermidades do coração, como infarto e acidente vascular cerebral (AVC), as doenças mentais, câncer – de pulmão, próstata e pele –, o colesterol elevado e a pressão alta. Por conta disso, segundo o Ministério da Saúde, os homens vivem, em média, 7,2 anos menos que as mulheres.
O Brasil tem cerca de 190 milhões de habitantes e a população masculina soma 93,4 milhões, conforme o Censo do IBGE de 2010. Apesar disso, a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem (PNAISH) do Ministério da Saúde é recente: foi criada em 2009 para promover ações de saúde considerando a realidade masculina em seu contexto sociocultural, político e econômico. As medidas visam à ampliação do acesso aos serviços de Atenção Básica do Sistema Único de Saúde (SUS). O programa de melhoria do acesso pressupõe um cadastro atualizado da população masculina do território e busca ativa, pela equipe de saúde, para a realização de pelo menos uma consulta por ano entre homens com 20 a 59 anos. A lista de medidas inclui oferta de atendimento em horários alternativos e a incorporação dos homens em ações educativas de planejamento familiar.
A ideia é ampliar a participação paterna no pré-natal, puerpério, no crescimento e desenvolvimento dos filhos. Também prevê prevenção, acolhimento e encaminhamento em situações de violência, acidentes, e no uso de álcool e outras drogas. Atualmente, a porta de entrada do homem no sistema de saúde é o hospital, quando a doença já está em fase avançada, lamenta o cirurgião Marcos Ferreira, coordenador de Saúde do Homem da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) e um dos idealizadores do Instituto Nacional da Próstata. Daí a importância da Política Nacional. No entanto, o programa enfrenta entraves deste o início. Ferreira salienta que, quando foi lançado, havia R$ 500 milhões de orçamento. Destes, R$ 470 mil foram usados em divulgação. O resto foi dividido entre estados e municípios, de maneira proporcional ao número de habitantes. O Rio Grande do Sul se integrou à política com R$ 150 mil para serem aplicados em três anos. “Conseguimos diminuir as filas na Urologia, aumentar as biópsias de próstata e o atendimento com ortopedistas”, afirma Ferreira.
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Agora, a prioridade é ampliar o enfoque para a paternidade, nutrição e saúde mental. Isso porque cerca de 90% a 95% das queixas de saúde dos homens poderiam ser resolvidas pelos clínicos nos postos de saúde, avisa. Mas o urologista Claudemir Trapp, membro da área técnica da Saúde do Homem da SMS, acrescenta: não adianta fazer campanhas e estimular os homens a consultarem se os médicos e enfermeiros dos postos não estiverem preparados para acolher essa demanda. É urgente investir em capacitação das equipes e conscientização da sociedade. Nem todos os empregadores aceitariam um atestado médico, por exemplo, justificando uma falta do homem porque ele acompanhou a mulher no pré-natal. E nem todos os médicos aproveitam a ida deste homem nesta consulta da mulher para pedir exames e garantir que, além da mãe e do bebê, o futuro pai também esteja em perfeito estado de saúde.
Talvez o exemplo mais simbólico das dificuldades da população masculina para se tratar seja justamente o do câncer de próstata. O exame de toque retal ainda é um tabu entre os homens, e eles não fazem com a frequência que deveriam o exame de sangue para identificar o PSA, que indica alterações na próstata. A doença mexe com os medos de morte, impotência e incontinência urinária. A cada ano, há 400 mil novos casos no Brasil entre homens acima de 40 anos, segundo a Sociedade Brasileira de Urologia. No mundo, a previsão é de que um em cada seis homens tenha este tipo de câncer, cujas causas têm relação com uma dieta rica em proteína animal.
No entanto, hoje, com todas as campanhas, apenas 12% a 15% dos casos de câncer de próstata são detectados precocemente. “Se for tratado no início, as chances de sobrevida chegam a 95%, e as disfunções erétil e de incontinência urinária têm 100% de reabilitação. Com a detecção tardia, há risco de metástases, e o custo médio de tratamento vai a R$ 1,2 mil por mês, por um período de dois a três anos. São mais de R$ 40 mil para não curar. É nossa obrigação oferecer o acesso à saúde mais cedo”, conclui Ferreira.
Foto: Igor Sperotto
Galera: um jeito criativo de falar de temas sérios
Sexo, drogas, preconceitos e violência não são mais tabu para um grupo de jovens entre 12 e 15 anos de escolas estaduais e municipais de Porto Alegre. Com bom humor, criatividade e diálogo, adolescentes que participam do programa Galera Curtição se tornam multiplicadores, provando que, para atingir os homens e levá-los ao sistema de saúde, é essencial sensibilizar jovens e adultos de todos os gêneros. O Galera Curtição faz parte do programa de Saúde e Prevenção nas Escolas articulado pelos Ministérios da Saúde e da Educação. A Prefeitura de Porto Alegre aderiu em 2011 e, numa parceria com o governo estadual, movimenta desde então professores e estudantes.
Numa espécie de gincana, na forma de programa de auditório, vídeos e criação de jingles, toda a comunidade é beneficiada. Em 2015 estão participando 57 escolas, sendo 11,4 mil alunos e 600 professores diretamente. Sem falar nos pais e amigos que se envolvem voluntariamente para contribuir. As tarefas incluem buscar informação e difundir para todos. Quem cumpre com mais êxito ganha prêmio para a escola investir em melhorias internas, que são decididas junto com os jovens. Professores e alunos recebem também incentivos, como um jantar em pizzaria ou um dia de spa.
Cada turma participa durante um ano. No ano seguinte, novos alunos se integram. Mas na Escola Municipal Anísio Teixeira, que tirou o segundo lugar em 2014, um grupo se autodenominou Embaixadores da Galera e passou a se reunir uma vez por semana com uma professora voluntária para continuar a discutir e se informar sobre os assuntos que mais afligem a juventude nessa faixa etária, e outros que vão surgindo ao longo das conversas.
É assim que Clairton Ribas, 14 anos, está aprendendo sobre as Doenças Sexualmente Transmissíveis (DSTs) e como se prevenir. Ele integra o grupo que participa do Galera este ano. Na hora de elaborarem um jingle para falar de prevenção, o assunto foi além: “não é só menina que tem que cuidar, o casal precisa combinar junto”, explicou a professora de Ciências Maritza Martins. “A gente gosta, porque não tem essa comunicação em casa. No início, eu tinha vergonha. Agora, até o relacionamento com minha mãe mudou, e a gente conversa mais”, atesta Milena Lira, 16 anos, que integra a turma dos Embaixadores que participou no ano passado.
Foto: Igor Sperotto
“Quem acaba conscientizando os pais são os alunos que aprendem na escola”, diz Bruno Paz, 16 anos. Matheus Veiga, também de 16 anos, nem olhava para os professores, tinha dificuldade de concentração nas aulas. Depois do Galera, se tornou um aluno comprometido. Gostou de fazer as vezes de ator para falar de questões de gênero. A professora notou, e também ela mudou para acolher esse novo aluno redescoberto pelo espaço proporcionado pelo Galera. “Teve outras escolas em que foram vistos os vídeos feitos pela turma e chamaram para dar palestras”, conta Denise Maia, professora que faz horas-extras na escola para se dedicar aos Embaixadores da Galera. Orgulhosa, ela aponta: “eles, sim, podem fazer a diferença na sociedade”.
DESAFIOS – A principal causa de mortes entre homens de 29 a 59 anos de idade são acidentes de trânsito e violência. Se forem negros e pobres, a mortalidade por violência é ainda maior, a ponto de em março de 2015 ter sido criada uma CPI na Câmara dos Deputados para investigar a morte e o desaparecimento de jovens com esse perfil. Na concepção da saúde, essas causas são consideradas “agravos”. E já se começa a especular se em regiões vulneráveis onde predomina a violência e morrem mais jovens negros haverá menos homens velhos no futuro.
Foto: Igor Sperotto
A previsão não é comprovada, mas o certo é que não basta difundir informação para prevenir e evitar os agravos. É necessário adequar a linguagem às características de cada território. “As comunidades têm uma organização própria em que o tráfico também está inserido”, explica Rita Buttes, da área técnica de Saúde Prisional da Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre (SMS). Disso vai depender se o integrante de uma gangue vai poder ir ao posto de saúde, caso o prédio esteja localizado em área do inimigo.
É importante saber quem manda no território e entender que denúncias de violência e busca de ajuda implicam riscos. “Até lamentar uma morte pode significar que a pessoa tomou partido e levar a uma retaliação”, pondera Marco Antonio Pires de Oliveira, professor de Ciências Sócio-Históricas e assessor da Área Técnica de Saúde Mental da SMS. Por isso, “a integralidade dos cuidados é um desafio e o planejamento estratégico deve envolver todas as secretarias”, diz Rita. Acidentes de trânsito, por exemplo, costumam ser banalizados por alguns meios de comunicação, em que se divulgam números, e não os motivos. “As pessoas não relacionam com alterações mentais por uso de substâncias psicoativas, como o álcool”, observa Rita.