Educação Financeira: muito além da matemática
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A Educação Financeira nas escolas está preconizada na Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Em um país de superendividados, onde jogos em BETs chegam a ser considerados um “investimento”, ela é fundamental para preparar os jovens para lidar com dinheiro de forma responsável e consciente. Trabalhando com conceitos básicos de orçamento, poupança, investimentos e planejamento financeiro, o propósito é evitar endividamentos desnecessários e desenvolver hábitos saudáveis desde cedo. No final das contas, além de contribuir para a segurança financeira e o bem-estar futuro dos indivíduos, há impactos positivos na economia da sociedade
Situada em área de vulnerabilidade social, a Escola Estadual de Ensino Fundamental 1 Matias de Albuquerque recebe doações de material escolar. Tudo é usado coletivamente para garantir igualdade de oportunidades. O que isso tem a ver com Educação Financeira? Tudo e muito mais, diz a professora Cláudia Campos, diretora que acumula a supervisão na instituição da rede estadual de ensino situada na Zona Sul de Porto Alegre.
“Super-referência em educação financeira nas escolas”, completa Wendy Haddad Carraro, doutora em Economia do Desenvolvimento e professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) ao mencionar a escola. Wendy chegou a liderar no estado a etapa regional da Olimpíada Brasileira de Educação Financeira (Obef), criada de forma abnegada na Universidade Federal da Paraíba (UFPB).
“Trabalho exemplar”, resume o professor Diego Henrique Guedes dos Angelos, administrador de formação, com duas pós-graduações em Finanças e um mestrado em Educação. Ele, após projeto-piloto em 2020 no Colégio João Paulo I, hoje é titular da disciplina Educação Financeira na unidade Higienópolis e, mais recentemente, no colégio privado Leonardo da Vinci, também na capital gaúcha.
Educação financeira, ambiental e de cidadania
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Mais do que o previsto na BNCC, a qual prevê uma Educação Financeira transversal em matérias como História, Geografia, Português, Matemática, a Matias de Albuquerque implementou um projeto de educação financeira e socioambiental.
Com cerca de 70% de seus 198 alunos morando dentro de uma área de preservação, a escola promove seus ideais na prática. O plantio de hortas, a confecção de brinquedos e materiais pedagógicos com recicláveis visam ensinar sustentabilidade, empreendedorismo e economia. O projeto de bonecas Abayomi, que aborda racismo, por exemplo, resulta em recursos revertidos em sacolas de leitura após a venda.Além da conscientização sobre o uso racional de recursos que vai desde como se apontar um lápis, o consumo saudável e a economia fazem parte do dia a dia da escola.
“Gastar com alimentos processados, que não são saudáveis e ainda custam caro, só às sextas-feiras”, relata a diretora. Ela explica que as crianças são estimuladas a pedir aos pais, no lugar de salgadinhos, outro exemplo, os “trocados” que seriam gastos para pôr em cofrinhos feitos na própria escola.
“Uma vez, um aluno abriu e tinha R$ 200 lá”, lembra Cláudia. Além de evitar um supérfluo que faria mal à saúde, ele teve uma bela lição, ressalta. “Lição que acaba sendo replicada no núcleo familiar ainda”, acrescenta Cláudia.
Mestre em Geografia pela Ufrgs, com pós-graduações em educação ambiental, direitos humanos, mídias e gestão escolar, Cláudia se orgulha de trabalhos de seus alunos publicados em um e-book da Procuradoria-Geral do Estado (PGE) sobre direitos humanos, da participação deles em eventos de educação financeira e de algumas medalhas na Obef.
Um pouco de história
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Em sintonia com movimentos internacionais, em 2010 o segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) lançou a Estratégia Nacional de Educação Financeira (Enef).
À época, sob coordenação do Comitê Nacional de Educação Financeira (Conef) do Ministério da Fazenda, a Enef realizou, entre os anos de 2010 e 2014, um projeto-piloto para testar a inclusão da temática em escolas públicas.
Foram beneficiados cerca de 26 mil alunos em aproximadamente 900 escolas de quatro estados – Ceará, Rio de Janeiro, São Paulo e Tocantins – e o Distrito Federal. O resultado lançou as bases do que está preconizado desde 2017 na BNCC sobre ensino financeiro nas escolas do país.
A ideia da BNCC é integrar conceitos básicos de economia e finanças no currículo escolar e, nele, abordar tópicos como taxas de juros, inflação e aplicações financeiras.
Para a professora da Ufrgs Wendy Carraro, o papel do educador financeiro é provocar reflexões e “dar estalos” nos alunos. “Não se trata de uma disciplina isolada; a educação financeira deve estar presente em diferentes matérias, como História e Biologia, ajudando os alunos a entender como questões econômicas afetam suas vidas e a sociedade. Por exemplo, a relação entre guerras, recursos naturais e o impacto no custo de vida são uma conexão importante a ser explorada”, ilustra.
Wendy fala que um dos pontos centrais é que a educação financeira vai além do dinheiro: trata-se do uso consciente de recursos. Diego dos Angelos segue na mesma linha. “A Educação Financeira vai além dos números. Trata de escolhas diárias, como o que vestir ou o que comer e, também, de comportamentos, gestão de recursos e preparação para o mercado de trabalho”, descreve Angelos.
Se a transversalidade é muito importante, o sonho do professor é que a disciplina de Educação Financeira seja incorporada às grades curriculares, a exemplo dos estabelecimentos de ensino privado que leciona em Porto Alegre.
Avanços dentro da realidade
Wenner Lucena, idealizador da Olimpíada Brasileira de Educação Financeira (Obef), comemora a evolução do ensino da temática, que é considerada árida para alguns, “mesmo que a passos lentos”.
Doutor em Ciências Contábeis, coordenador da pós-graduação na área e professor de finanças pessoais e comportamentais na UFPB, Lucena diz que o importante para ele é que as pessoas comecem a falar sobre o assunto.
“Claro que, para um educador, eu queria que fosse mais rápido, mas o que eu consigo perceber claramente é que a gente vai colher frutos nas novas gerações”, prevê.
Quatro anos após o projeto-piloto no João Paulo I, o professor Angelos relata um programa consolidado e de sucesso. Para engajar os alunos, diz que tenta aproximar ao máximo o conteúdo da realidade deles.
“Seja com gamificação ou projetos de empreendedorismo. O maior desafio hoje é manter a atenção dos jovens, especialmente com o uso de celulares, mas acredito que, com uma boa orientação, podemos utilizar essas ferramentas a nosso favor”, explana Angelos.
No João Paulo I, a disciplina de Educação Financeira integra o currículo no 8º e 9º ano do ensino fundamental II. Já no Leonardo Da Vinci, entra como itinerário formativo no ensino médio.
Angelos aborda tópicos como inflação, juros, crédito, PIX e, no ensino médio, até mesmo questões como CLT e precificação de serviços. “De maneira geral, estamos avançando bem, mas sempre com olhar atento para os próximos passos e o aprimoramento da disciplina”, conclui o professor, orgulhoso também de algumas medalhas conquistadas na Obef.
Olimpíada de Educação Financeira
Foto: Igor Sperotto
A Olimpíada Brasileira de Educação Financeira (Obef) nasceu de uma percepção do professor Wenner Lucena. Ao acompanhar a formação de seus filhos, ele chegou à conclusão de que “havia Olimpíada educacional para tudo, mas nada sobre educação financeira”, recorda.
Pesquisando, Lucena lembra que a única referência que encontrou foi a Enef. Daí, com muita boa vontade, boca a boca e mão na massa, ele conseguiu realizar um evento com escolas públicas da Paraíba na UFPB.
Na ocasião, os participantes não chegaram a 2 mil estudantes, mas quem viu potencial na iniciativa instigou o professor a se articular com colegas das mais variadas regiões do Brasil para nacionalizar a ação.
Deu mais do que certo. O crescimento tem se mostrado exponencial. Em 2019, já aberto também para escolas privadas, houve a participação de 38 mil estudantes. Neste ano de 2024, a sexta edição da Obef acabou envolveu 74 mil crianças e adolescentes de todo o Brasil.
A Obef é organizada em cinco níveis, que vão desde o ensino fundamental até o médio, com uma fase on-line e outra regional. Tudo de forma gratuita para os concorrentes.
A UFPB coordena todo o processo e, em cada estado, organizações se encarregam das etapas regionais, como a Ufrgs no Rio Grande do Sul.
“As provas são elaboradas aqui na Paraíba”, explica Lucena. O interessante, registra, é como se percebem os pontos fracos e fortes de cada região durante o processo. Tudo isso, no final, é consolidado na forma de relatórios pela UFPB e remetido para todo o país.
“A Região Sul, por exemplo, vai bem em cooperativismo; já a Nordeste, em moedas”, exemplifica o professor.
O sucesso está sendo tão grande que já houve até proposta de uma instituição financeira para comprar a Olimpíada, diverte-se Lucena. Algo que nunca esteve e não estará nas cogitações da universidade que registrou a marca e preza pela independência da iniciativa.
“Existe um edital específico para Olimpíadas do governo. A gente tenta pegar alguma coisa, R$ 200 mil, 300 mil, mas nunca consegue. São R$ 10 milhões. Para a Olimpíada de Matemática, vão R$ 6 milhões, para a de Ciências, R$ 3 milhões e para a de Português, R$ 1 milhão”, lamenta Lucena.