Hiperconectados e mais vulneráveis a transtornos mentais
Foto: Vinicius Flores/ Defensoria Pública RS/ Arquivo
Os jovens estão cada dia mais vulneráveis e os problemas aparecem cada vez mais cedo. Divulgado em agosto, um estudo inédito do Ministério da Saúde sobre a gravidade do adoecimento mental de crianças e adolescentes no país passou quase despercebido para a maioria da população, apesar de apontar que houve um aumento de 955% nos atendimentos por depressão, ansiedade e estresse entre jovens de 13 a 29 anos no RS, nos últimos cinco anos
Entre 2018 e 2023, os atendimentos ambulatoriais por ansiedade e depressão dessa faixa etária dispararam no estado. De acordo com os dados da Secretaria Estadual da Saúde compilados no estudo, somente essa estatística evoluiu de forma vertiginosa, de 1.333 casos para 14.058. Nesse mesmo período, os atendimentos da rede pública de saúde aos jovens da faixa dos 14 a 25 anos acometidos por depressão aumentaram 155%. O que, afinal, está provocando o adoecimento mental de crianças e jovens em níveis tão elevados?
Para Christian Kieling, psiquiatra da Infância e da Adolescência e professor da Faculdade de Medicina na Ufrgs, o acesso indiscriminado e sem limitações a conteúdos on-line está relacionado com o aumento de problemas na saúde mental, mas a resposta está longe de ser simples. “Não podemos atribuir o aumento de casos a um único fator, pois a saúde mental é muito complexa, sobretudo em crianças e jovens”, pondera.
Chefe de investigações sobre depressão precoce em adolescentes desenvolvidas pelo consórcio norte-americano de pesquisas Idea e diretor do Programa de Depressão na Infância e na Adolescência (ProDia), do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, o psiquiatra explica que o aumento da mortalidade por suicídio e o ingresso em serviços de emergências médicas por autolesão são os principais indicadores de que essas crianças e adolescentes estão cada vez mais expostos a riscos.
Foto: Divulgação
“Hoje, temos muito acesso à tecnologia, combinado com isolamento social, sobretudo após a pandemia, e pouco acesso a brincadeiras ao ar livre e poucas conexões em família. Tudo isso contribui para o aumento de quadros de ansiedade e depressão”, sustenta Kieling.
Embora admita que a dinâmica familiar mudou de forma radical nas últimas décadas, o psiquiatra prefere não responsabilizar somente os pais ou as famílias por esse adoecimento mental dos jovens. “Muitas vezes, os pais realmente não têm tempo para dar atenção aos filhos devido a rotinas de trabalho muito atribuladas, em que há necessidade de seguir trabalhando mesmo à noite. Além disso, a falta de segurança pública e de espaços públicos não os deixa confortáveis para que seus filhos brinquem ao ar livre com a frequência necessária”, esclarece.
E o brincar livremente com seus pares, criando conexões reais, é fator essencial para que as crianças aprendam a se autorregular, tonando-se adolescentes mais saudáveis, conforme explica Kieling. Com essa dinâmica social, consequências como ansiedade, depressão e pouca tolerância à frustração já se tornaram comuns. “Isso também aumenta o risco ao uso de drogas e do excesso de medicação, no caso de classes mais privilegiadas, e submedicação, no caso da população mais carente”, compara.
Embora o aumento dos atendimentos possa ocorrer por uma redução do estigma da saúde mental no Brasil, com maior procura da sociedade e com mais profissionais qualificados, ele entende que deve haver um aumento real de casos e que a saúde pública ainda está aquém de vencer esse problema – com pouca estrutura, o serviço público não consegue oferecer o acesso universal à psicoterapia, o que aliviaria o quadro.
Primeira infância pede socorro
A psicóloga Tatiana Prade Hemesath, que atua há 20 anos na UTI pediátrica do Hospital de Clínicas, acredita que os transtornos de saúde mental estão se iniciando cada vez mais cedo. Ela destaca que o número de internações por sequelas de tentativas de suicídio cresceu tanto desde o começo da pandemia, e segue aumentando, a ponto de alterar a dinâmica dos serviços de saúde. “A própria equipe médica passou a estudar mais, pois até o início da pandemia, quase todos os quadros de internação em UTI eram por traumas físicos”, revela.
No consultório, as mudanças também são visíveis, sobretudo em relação à idade dos pacientes. “Já estou recebendo crianças na faixa dos dois anos com quadros de ansiedade”, afirma ela, lembrando que outros problemas antes exclusivos da vida adulta já estão afetando a primeira infância. Entre eles, estão a insônia, a depressão e a automutilação.
“No caso da infância, a flacidez das rotinas familiares e o tempo de exposição às telas (que gera excesso de dopamina) trazem inúmeros prejuízos. Entre eles, a tendência à dependência tecnológica e ansiedade de separação dos pais, pelo excesso de tempo longe”, justifica Tatiana.
A psicóloga enfatiza que esses hábitos da vida moderna afetam diretamente o desenvolvimento infantil, gerando atrasos também no desmame, no desfralde e geram respostas altamente explosivas. Segundo ela, são essenciais para a saúde mental de crianças e adolescentes a qualidade do sono, a alimentação saudável e variada consumida à mesa e a socialização presencial.
Reestruturação das famílias
Foto: Igor Sperotto
As mudanças neurológicas que levam à maturidade ocorrem até a formação completa do cérebro, após os 25 anos de idade, lembra o psiquiatra forense Rogério Alves da Paz, que atua na clínica de crianças e adolescentes com transtornos e tem mais de 30 anos de experiência no atendimento a adolescentes com dependência química.
“Os hábitos de vida modernos estão alterando essa lógica, gerando atraso no desenvolvimento cerebral dos jovens, o que afeta tudo, inclusive a saúde mental”, aponta Paz, que foi pesquisador em Psiquiatria na Universidade de Harvard em 2010 e, também, dirigiu a residência em Psiquiatria e Saúde Mental do Hospital Psiquiátrico São Pedro, de 2007 a 2010.
O médico avalia que, enquanto as mulheres se fortaleceram e reforçaram suas identidades ao longo das últimas décadas, ocorreu uma ressignificação dos lugares ocupados por homens e mulheres na estrutura familiar.
“O papel masculino teve uma certa fragilização com a mudança sociológica de papéis que foram estabelecidos ao longo dos séculos.” As consequências dessas novas configurações familiares com papéis indefinidos, afirma, geraram uma desestruturação psicológica que pode não ser bem assimilada nas famílias.
“Se combinado ao uso de álcool e drogas, excesso de internet e ausência de limites, essa dificuldade parental na educação pode levar a consequências muito ruins”, alerta.
Mesmo com diagnóstico positivo para transtornos, os pacientes podem viver bem e controlar as doenças mentais quando inseridos em um ambiente sadio. Por outro lado, todos os excessos podem agravar significativamente os casos. “Os pais precisam levar a sério a falta de limites”, defende.
Pontos de apoio à saúde mental na capital
Clínica de Atendimento Psicológico da Ufrgs
Av. Protásio Alves, 297 – 3º andar, Porto Alegre
Vagas para adolescentes e adultos
Inscrições pelo site: ufrgs.br/clinica/atendimento
Serviço de Atendimento e Pesquisa em Psicologia (Sapp) da PUCRS
Av. Ipiranga 6681, Prédio 11 – Sala 209
Telefone: (51) 3320-3561
E-mail: sapp@pucrs.br
WhatsApp: (51) 98443-0788
Centro Integrado de Saúde UniRitter
Campus Zona Sul
Rua Orfanotrófio, 555, Alto Teresópolis, Prédio D, subsolo 2.
Telefone e WhatsApp: (51) 3230-3376
Agendamentos: cis.zonasul@uniritter.com.br
Campus Fapa
Av. Manoel Elias, 2001 – Passo das Pedras, Prédio 5
Telefone e WhatsApp: (51) 3230-3348
Agendamentos: cis.fapa@uniritter.com.br