Impacto climático na Antártica é foco de expedição liderada pela Ufrgs
Foto: Ufrgs/Divulgação
No próximo dia 22 de novembro, 61 cientistas de sete países partirão do Porto de Rio Grande para uma expedição inédita, a fim de coletar dados sobre mudanças climáticas e explorar áreas próximas às geleiras do Continente Antártico.
Comandada pelo pesquisador e explorador polar Jefferson Cardia Simões (leia entrevista concedida ao Extra Classe no final da matéria), do Centro Polar e Climático (CPC) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), a expedição reúne especialistas de sete países — Argentina, Brasil, Chile, China, Índia, Peru e Rússia.
De acordo com Simões, a circum-navegação terá mais de 20 mil quilômetros pela costa antártica, em sentido horário, durante dois meses, e depois retorna a Rio Grande. A previsão de retorno é 25 de janeiro de 2025. Eles farão alguns desembarques no continente nas estações científicas dos respectivos países participantes. “O grande desafio é chegar o mais perto possível da linha de corte cercado por um cinturão de mar congelado no entorno do continente”, explica. O resultado dos trabalhos científicos deve levar de um a três anos para ser conclusivo, mas informações preliminares serão divulgadas ao longo do tempo.
O maior temor da equipe, segundo o líder da expedição, é a confirmação de hipóteses de uma eventual instabilidade das geleiras (leia entrevista). Pois isso pode acelerar a elevação no nível dos mares.
Para os cientistas, a expedição representa uma oportunidade única de estudar o ambiente antártico de perto, apesar dos desafios que a jornada de dois meses impõe. Enfrentar as adversidades de estar a bordo do navio quebra-gelo russo Akademik Tryoshnikov e as baixas temperaturas exige meses de preparação, principalmente quanto ao planejamento detalhado do trabalho para garantir a excelência na coleta de dados.
“Estamos focados em analisar a estabilidade do manto de gelo antártico, além de coletar amostras de poluentes como os microplásticos, que refletem o impacto global, já que a Antártica, com poucas fontes próprias de poluição, serve como nível base da poluição atmosférica mundial”, comenta Filipe Gaudie Ley Lindau, pesquisador do CPC, sobre suas expectativas com a missão.
O trajeto que durará 60 dias será em torno do continente gelado, contando com 16 pontos de parada para coleta de testemunhos de gelo. Durante a travessia, os cientistas enfrentarão tempestades, temperaturas extremas e as difíceis condições das águas antárticas, desafiando não apenas a resistência física, mas também o foco no trabalho de coleta e pesquisa.
A bordo do Akademik Tryoshnikov, a equipe contará com laboratórios de ponta e instrumentação científica avançada para análises atmosféricas, biológicas e geofísicas, todos adaptados para operar em condições polares.
Foto: Ufrgs/Divulgação
A equipe também estará equipada com a tecnologia avançada do satélite Starlink, permitindo que os cientistas compartilhem informações via texto, áudio e vídeo com acesso ilimitado à internet durante todo o percurso antártico. Esse recurso facilitará a comunicação e a transmissão de dados em tempo real.
Os dados obtidos permitirão análises abrangentes sobre a saúde do ecossistema polar, desde o manto de gelo até a fauna marinha, revelando como as geleiras respondem ao aumento das temperaturas e às alterações na circulação oceânica e atmosférica. A missão consolida o Brasil como um dos principais líderes em pesquisa polar na América Latina e representa um marco para a ciência brasileira e a atuação do país no Continente Antártico.
Segundo Simões, essa é uma expedição multidisciplinar que coletará amostragem do ambiente biológico e físico da Antártica, entretanto, o objetivo principal é estudar a estabilidade do manto de gelo da Antártica.
“Saber se a posição de flutuação do manto de gelo da Antártica é estável ou não é uma das preocupações cientificas atuais. Isso porque, se não for estável e começar a recuar para dentro do continente, o gelo poderá correr mais rapidamente para o oceano, fato que contribuí para um aumento acelerado do nível do mar, afetando todas as regiões costeiras do planeta”, explica ele.
Francisco Eliseu Aquino, professor do Departamento de Geografia da Ufrgs, coordenará as pesquisas do grupo de climatologistas durante a expedição e enfatiza a relevância da circum-navegação antártica completa, pois é nas geleiras que está preservado o arquivo natural da atmosfera da terra, especificamente na Antártica que concentra 90% do gelo do planeta.
“Ela tem a melhor e o mais amplo sinal ambiental global da mudança do clima, da aceleração da atmosfera e, indiretamente, da intensificação dos ciclones. Então, essa expedição vai permitir coletar ao redor de toda a Antártica amostras para entender melhor a circulação da atmosfera intensificada nos últimos anos mais quentes”, salienta ele, ressaltando que a navegação abre possibilidades para entender o impacto da mudança do clima. “Poderemos pensar a África do Sul meridional, a Austrália, a Nova Zelândia e o Sul do Brasil como regiões diretamente conectadas a eventos extremos como os vividos: estiagem, ondas de calor, inundações e tempestades severas”.
Foto: Ufrgs/Divulgação
Extra Classe – O que o senhor pode adiantar ao Extra Classe sobre esta missão?
Jefferson Cardia Simões – Eu já trabalhei no interior da Antártica e o que temos de diferente das nossas incursões anteriores é que faremos uma circum-navegação no continente. O aspecto mais inédito é que vamos chegar o mais perto possível da costa para fazer uma série de experimentos e de mapeamentos de dados. Principalmente sobre a estabilidade dinâmica de parte do manto de gelo da Antártica. Lembrando que o manto de gelo tem uma espessura média de dois quilômetros.
EC – E o que vocês não esperam não encontrar lá?
Simões – Há algumas hipóteses de que algumas geleiras estão instáveis e que poderiam correr mais rapidamente para dentro do oceano, caso se mantenha este aquecimento atmosférico e da água do oceano austral, que também está esquentando. E a água mais amena pode entrar na interface gelo-rocha e isso pode lubrificar esses lugares, fazendo com que o gelo escorra mais rapidamente pro oceano. Aí, sim aumentando o nível dos mares.
EC – Que efeito isso pode ter para as pessoas comuns nos outros continentes e aqui no Sul do Brasil?
Simões – O problema é que este sistema não está isolado do sistema climático que é único e indivisível. Pode existir um aumento do nível do mar maior do que o previsto pelo painel intergovernamental da ONU sobre mudanças climáticas, que estima 1m20 até o ano de 2.100. Mas se se desestabilizar a parte da Antártica, e esta é a hipótese que não queremos encontrar, pode aumentar em 200 a 300 anos de seis a sete metros. Aí já viu o desastre ambiental que é. E as outras consequências têm a ver com os micro-organismos vivos.
EC – Estamos falando da espessura do centro da calota pra fora e não da espessura do gelo em relação ao fundo do mar, correto?
Simões – Correto, estamos falando da espessura em cima do continente. Por definição geleira tem de estar em cima da terra (risos). Gelo formado pela acumulação de neve através de sete anos e que chega em alguns lugares da Antártica a até quatro quilômetros, quase cinco. E ele flui do interior da periferia. Aí chega um momento em que ele vai flutuar. E este momento a gente chama de linha de flutuação. E hoje todos os cientistas estão preocupados se esta linha de flutuação pode recuar para dentro do continente. E isso desestabilizaria a massa de gelo, fazendo com que corra mais rapidamente para dentro do oceano. Isso aumentaria mais rápido o nível dos mares. Esta é uma das principais questões.
Arte: Ufrgs/Divulgação
EC – E os outros focos de estudo?
Simões – Todo o projeto envolve vários pontos. E uma das questões é a circum-navegação chegar o mais perto do continente, na costa, para estudar uma série de medidas de geofísica para ver a estabilidade desta área. O programa como um todo tem pesquisas de todas as áreas: biologia, física, química etc. pelo seguinte motivo: o Oceano Austral é um dos que mais rapidamente está aquecendo. Também está diminuindo sua salinidade. Está se tornando mais ácido, principalmente pela absorção de dióxido de carbono. O excesso de dióxido de carbono na atmosfera, parte, cerca de 40%, é absorvido pelos oceanos. O aquecimento do oceano tem implicações mais importantes para o sistema do clima e também a questão da acidez. Como este CO2 absorvido pelo oceano ele cria problemas sérios para os micro-organismos.
EC – E quais as consequências disso?
Simões – Pode desestabilizar a teia alimentar ou até mesmo o sequestro de carbono. Este problema de acidificação está ocorrendo em vários pontos do planeta e em várias partes do oceano e isso está preocupando os cientistas porque o aumento da acidez aumenta a criação de carapaças de carbonato de cálcio, que é a carapaça desses micro-organismos. E esta é a maneira pela qual esses micro-organismos vão sequestrando carbono da atmosfera. E o excesso de CO2 não só intensifica o efeito estufa, mas também aumenta a acidez do oceano.
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