MOVIMENTO

CUT se manifesta contra cortes de gastos por pressões do mercado

Em nota, Central Única dos Trabalhadores enumera motivos para governo Lula não ceder a lobby do setor rentista
Por César Fraga / Publicado em 11 de novembro de 2024

CUT se manifesta contra cortes de gastos por pressões do mercado

Foto: Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Foto: Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

No momento em que se acirra o debate interno no governo Lula sobre corte de gastos públicos e logo depois que o Banco Central aumentou a taxa básica de juros do país, a Selic, de 10,75%  para 11,25% ao ano, cedendo às pressões do mercado financeiro, a Central Única dos Trabalhadores (CUT) emitiu uma nota duríssima endereçada ao próprio presidente da República criticando a chamada PEC do Corte de Gastos, ainda em gestação.

Dado importante, para entender o contexto, é que com a decisão do BC, o Brasil passa a terceiro país com maior taxa de juros do mundo, só perdendo para a Turquia, que enfrentou uma crise profunda e ainda recente, e Rússia, com 15,18% de juros, segunda colocada com 12,19%, um país em guerra e sob sanções internacionais.

Mas a nota da Central, mesmo endereçada ao Lula, mira o ministro da Fazenda Fernando Haddad, que vem sofrendo contrariedade dos colegas ministros e  é constantemente tensionado pelos atores externos do mercado financeiro e por parte da mídia atrelada a este setor.

A CUT é um ator de peso para Lula, que vem resistindo aos ataques dos investidores que lucram com a dívida pública. A Central tem 806 entidades filiadas, com 7,8 milhões de associados e representa interesses de uma base de 23,9 milhões de trabalhadoras e trabalhadores dos mais variados setores da economia.

Um dos pontos destacados na nota é que o crescimento do PIB supera todas as expectativas e deve fechar o ano acima de 3%, maior do que a média do PIB Global, estimada em 2,6%. E a economia atingiu o seu maior nível de atividade desde 1996, induzido pelo aumento dos investimentos, crescimento da indústria e do setor de serviços.

Outro argumento, é que a inflação está sob controle e o mês de agosto deste ano registrou uma leve deflação de 0,02%. O desemprego, por sua vez, despencou para 6,8%, a menor taxa desde 2014. Por outro lado, a arrecadação de impostos federais apresentou um crescimento nominal de 15,72%.

A grande pergunta feita pelos sindicalistas é a seguinte: como explicar um corte de gastos na ordem de R$ 25,9 bilhões com uma economia em plena recuperação?

“O mais revoltante é saber que o corte no orçamento atingirá os benefícios de prestação continuada (BPC), a educação, a saúde e até mesmo acabará com a referência do salário-mínimo para o seguro-desemprego e outros direitos essenciais”, diz a CUT.

Para a Central, “a explicação está na pressão para manter intocável o rentismo da Faria Lima. Passa pelo famigerado teto de gastos do governo golpista do Temer (EC 95/2016), que congelou por 20 anos o orçamento das políticas sociais para tranquilizar os que se locupletam com a dívida pública. E pelo chamado arcabouço fiscal, negociado com o Congresso Nacional nos primeiros meses do governo Lula”.

Leia a íntegra da Nota da CUT:
Se o Brasil cresce e a arrecadação também, por que reduzir direitos? Presidente Lula, defendemos outro caminho

Protesto no G20 Social contra lobby financeiro

“O que motivou esta manifestação da CUT é fato de que o sistema financeiro aproveita todas as oportunidades para acumular cada vez mais riqueza”, explica o presidente da CUT-RS, Amarildo Cenci. “Trata-se de uma tendência que existe no mundo inteiro. Eles sempre estão ele de olho nos orçamentos públicos. Inclusive da dívida pública que faz parte desses orçamentos. Este sistema de economia financeirizada escolheu o Brasil como um dos países para ser fonte de rentabilização”.

E o sindicalista vai adiante: “não bastasse os juros da dívida serem uma verdadeira extorsão, eles também querem enxugamento da despesa por meio dessa PEC dos contingenciamentos, que prevê redução dessas despesas às custas de cortes em políticas sociais. De um lado o sistema financeiro tira com meio por cento da alta da Selic, que subiu na semana passada e representa R$ 40 bi, e por outro retira das políticas sociais e dos direitos das pessoas”.

Em resumo, segundo Cenci, a estratégia do sistema financeiro é rentabilizar com a dívida pública e reduzir direitos.

“Elegeram os poucos direitos que restam ao trabalhador como problema para o capitalismo. E com isso nós não podemos concordar. É intolerável, inadmissível e o mínimo que a gente pode fazer é nos organizarmos para resistir e informar à sociedade quem patrocina e tenta capturar governos mais progressistas para os interesses do mercado”, destaca.

O tema será debatido no G20 Social que está acontecendo no Rio de Janeiro a partir desta quarta-feira, 13. Amarildo informa que haverá um grande ato contra a PEC dos Gastos.

“Esperamos reunir de 20 a 30 mil pessoas. Inclusive entregaremos um documento ao presidente da República enfatizando nossa não concordância com a PEC do Corte de Gastos. Defendemos que o país aprofunde o combate à fome e à miséria e investir na geração de trabalho decente e digno com redução de jornada”, acrescenta.

O sindicalista aproveitou a oportunidade para defender a iniciativa da deputada Erika Hilton (PSol-SP), que está recolhendo assinaturas para apresentar à Câmara uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que reduz a jornada máxima de trabalho para 36 horas semanais, em 4 dias por semana.

Para entender melhor o contexto da polêmica

Nesta segunda-feira, 11, o governo federal entrou na terceira semana de discussão sobre o polêmico pacote de corte de gastos prometido pelo ministro da Fazenda Fernando Haddad. Mesmo depois de três reuniões com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ainda não há prazo definido para o anúncio.

O que vem travando a divulgação é justamente a resistência interna de áreas distintas do governo Lula na divisão do orçamento do pacote. O corte de gastos está sendo negociado para sair em forma de Proposta de Emenda à Constituição (PEC), a ser enviada ao Congresso Nacional.

A situação esquentou ainda mais depois que saiu na Folha de S.Paulo, “que o governo estuda redesenhar” benefícios como: o seguro-desemprego, o abono salarial, o seguro-defeso (dos pescadores artesanais), o Pro-Agro, o Benefício de Prestação Continuada(BPC) e o auxílio-doença para reduzir as despesas.

Conforme a notícia também considera ampliar a parcela do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) de 30% para 60% na contabilização para cumprir o piso constitucional da educação e permitir o bloqueio dos recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT).

Os ministros das áreas envolvidas vêm recebendo as medidas com muita resistência e sem esconder o que pensam da opinião pública.

O ministro da Previdência Social, Carlos Lupi, disse que pode deixar o cargo se os cortes atingirem algum direito adquirido na sua pasta: “Se isso acontecer, não tenho como ficar no governo”.

Na semana passada, o titular da pasta do Trabalho, Luiz Marinho, também falou em sair da função se o governo fizer mudanças nos benefícios gerenciados por seu ministério sem que ele participe da discussão.

O ministro Wellington Dias, do Desenvolvimento Social, disse que o governo não vai cortar “nenhum benefício de quem tem direito ao Bolsa Família e BPC”. Segundo ele, “Lula nunca aceitaria”.

Lula reage à pressão e às críticas do setor financeiro

O próprio Lula reverberou em meio às negociações sua crítica à pressão do mercado financeiro por um ajuste fiscal imediato.

Durante uma entrevista à RedeTV, divulgada na noite de domingo, 10, ele afirmou que vai vencer as críticas que vem sofrendo destes setores do mercado.

“Eu vejo o mercado financeiro falando bobagem todo dia, não acredite nisso, eu já venci eles e vou vencer de novo”, disse o presidente.

O líder do Executivo declarou que o governo pretende adotar uma estratégia focada no crescimento econômico e na distribuição de renda.

Segundo Lula, tanto o Congresso quanto o Judiciário também devem assumir suas responsabilidades para cortar gastos excessivos. Ele citou, a título de exemplo, a destinação de recursos por meio das emendas parlamentares.

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