Representatividade é o leitor se enxergar na obra, diz Vitor Martins
Foto: Eduardo Fernandes/CRL
Finalista dos prêmios Jabuti (2022), Latino Book Awards (2021), Le Blanc e Argos (2019) Vitor Martins participou da 70ª Feira do Livro de Porto Alegre com a turnê de lançamento de Mais ou Menos 9 Horas (Globo Alt, 254 páginas). Escritor brasileiro, Vitor traz em suas obras a importância da representatividade LGBTQIA+ e as vivências de quem faz parte desta comunidade.
No seu quarto romance, Vitor aborda temas como o luto, conflitos familiares, a autodescoberta e os prós e contras de revisitar memórias do passado. Formado em Jornalismo pela Universidade Cândido Mendes (RJ), ele é natural de Nova Friburgo e além de escritor, também atua como tradutor, ilustrador e capista.
Durante o lançamento de Mais ou Menos 9 Horas, o escritor conversou com o Extra Classe e falou sobre representatividade, o mercado literário, os livros e as redes sociais e suas inspirações para entrar no mundo dos livros.
Foto: José de Holanda/Três Pontos Agência Foto: José de Holanda/Três Pontos Agência
Vitor Martins – A literatura, quando a gente fala sobre representatividade, essa palavra que a gente ouve tanto as pessoas falando e falando, que se esvazia, pra mim é um espelho. É você olhar uma obra de ficção, olhar uma história, um livro, um filme, uma série e você se enxergar ali. Quando a gente se enxerga, a gente se valoriza, se sente mais presente no mundo. Então usar a representatividade nesse aspecto de espelho, de fazer com que os jovens leiam essas histórias e se identifiquem, se vejam ali, eu acho que isso muda demais a maneira como a gente se posiciona como pessoa, a maneira como a gente se reconhece como indivíduo, sabe? Quando a gente cresce sem esse tipo de referência, é muito difícil, é muito sozinho, a gente se sente isolado. Então, a representatividade quando ela é feita com esse papel de companhia, eu acho que ela é poderosa demais, porque se sentir sozinho é horrível.
EC – Pelas tuas redes sociais, tu tens um contato grande com os fãs. Mas e nos eventos, como é esse retorno do que eles leem dentro das páginas? Tu percebes que eles se enxergam dentro das das tuas histórias?
Vitor – Eu acho que o retorno por rede social nem se compara com o que é em evento. A gente tá aqui na Feira do Livro de Porto Alegre, acabamos de sair da sessão de autógrafos e é sempre assim, eu saio até meio extasiado. É muita história que a gente ouve, muito contato, mas é muito gostoso. Porque esse é o momento em que eu percebo que o meu trabalho chegou onde eu queria que ele chegasse, que é na mão do leitor e ganhou um significado. E para cada leitor vai ter um significado diferente. Tem gente que vai ter uma experiência de reconhecimento, de compreensão. Tem gente que vai estar passando por um momento difícil e vai encontrar no livro um aconchego, sabe? É uma história que vai te acalmar naquele momento. Então é todo tipo de história que a gente ouve. Pra mim é sempre muito emocionante. Eu saio dos eventos realmente extasiado, arrepiado e muito muito feliz.
EC – Tu viestes para Porto Alegre para a turnê de lançamento de Mais ou Menos 9 Horas que, dentre outros temas, trata um pouco de assuntos mais pesados, como a perda e o luto. Tu trazes as tuas experiências para dentro das histórias? Como é que tu fazes a tua pesquisa para construir uma história nova?
Vitor – Eu acho que todo livro meu tem um pouquinho de mim. Ele passa pelo meu filtro de experiências pessoais, misturando com outras experiências que eu acho que são experiências universais de vida mesmo. Mas acredito que cada personagem tem um pouquinho de mim. Às vezes um pouquinho de projeção, às vezes um pouquinho de alguma coisa que eu tive medo de encarar e de enfrentar. E quando a gente põe isso no papel e coloca esses medos num personagem fictício, fica mais fácil de resolver. Às vezes a escrita também, em muitos casos, já serviu como um processo de autoconhecimento mesmo, de entender os meus problemas, entender onde eu precisava melhorar ou o que eu precisava mudar. E é mais fácil quando a gente olha de longe. Às vezes os problemas da vida são meio que um labirinto e o labirinto fica muito mais fácil de resolver quando você se afasta dele, quando você olha ele de cima e consegue ver todos os caminhos possíveis para encontrar uma saída. Escrever ficção sobre problemas pessoais é meio isso. É se afastar desse labirinto através de olhos fictícios e falar ‘Caramba essa saída aqui está mais perto, está mais fácil, está menos trabalhosa, tem menos espinhos’ e a gente consegue entender melhor antes de voltar pro labirinto e tentar fazer por conta própria.
Foto: Reprodução/Divulgação Foto: Reprodução/Divulgação
Vitor – Hoje em dia tem abertura por parte das editoras tradicionais e tem demanda por parte dos leitores. Então, pra mim, nesse aspecto quando a gente fala mais descaradamente sobre ‘Ah você já sofreu homofobia no mercado editorial?’. Não. Nunca passei por isso. Eu me sinto muito grato por estar numa editora que é muito aberta em relação às minhas ideias, eles embarcam muito fácil nas minhas histórias e o retorno do público é muito evidente. É evidente como os leitores estão ávidos por essas histórias, sabe? Por se ver nos livros. E com as redes sociais agora, no Twitter e no Instagram, as histórias viralizam. Tu enxerga que existe uma projeção e esta é mais uma forma de você conseguir vender as histórias e ter um retorno maior. Falando no aspecto financeiro, de ver um retorno a partir das redes e dessa divulgação, as redes sociais têm esse poder de impulsionar as coisas de maneira muito absurda. Para o bem ou para o mal, sabe? O TikTok principalmente eu acho que é uma rede social que as coisas viralizam de um jeito que a gente até perde o controle e isso é muito bom. Eu enxergo o BookTok (O BookTok é uma comunidade de leitores, escritores e criadores de conteúdo que compartilham conteúdo sobre literatura no TikTok) como um grande clube do livro global. Às vezes é meio ruim porque, por mais que ele seja essa coisa gigantesca na internet, sinto que o BookTok está falando sobre os mesmos cinco livros há anos. Então eu queria que tivesse mais coisas sobre livros diferentes, mas eu vejo as redes sociais como um aliado para divulgar. Financeiramente é muito interessante. É muito bom quando um livro nosso viraliza de alguma forma e isso rende um retorno financeiro pra gente. Mas a rede social é uma ferramenta e como cada autor, cada leitor vai utilizar daí tá na mão de cada um. Eu fico muito feliz de ver os leitores utilizando as suas redes sociais para falar sobre a literatura nacional.
EC – Quem são as referências do Vitor leitor? Quem é que tu lias que te fez querer escrever e quem tu lês hoje que te dá inspiração para novas histórias?
Vitor – Eu acho que a minha referência mais antiga é o Pedro Bandeira. O Pedro foi um dos primeiros leitores brasileiros que eu li e fiquei fascinado. Eu lembro de “A Droga do Amor”, que é o segundo livro depois da “Droga da Obediência”. Foi o primeiro livro que eu tenho lembrança de ter lido, um livro grande, substancial, que eu li por diversão. Eu tinha lido A Droga da Obediência pra escola, pra fazer prova e tal e quando eu descobri que tinha mais eu falei ‘Eu preciso do próximo’. Aí uma professora de português conseguiu o segundo livro pra mim e me deu. A Droga do Amor foi o primeiro livro que eu tenho essa lembrança de devorar, sabe? Eu lembro que foi um dia que eu estava indo no oftalmologista. Eu tenho viva essa lembrança de estar dentro do carro e não conseguir parar de ler. Na sala de espera eu queria saber como a história terminava. Então, o Pedro Bandeira eu acho que ele foi um dos autores brasileiros que despertou isso em mim. Eu conheci ele pessoalmente, em um evento que a gente fez em Taubaté, no interior de São Paulo. Era um evento que eu fui para divulgar o “Quinze Dias”2, que tinha acabado de sair. Eu ia falar na mesa logo depois dele, então a gente se encontrou brevemente na salinha dos autores e eu tremia, parecia uma criança encontrando seu ídolo. Ele é um querido, um autor muito fofo e este foi um momento muito especial pra mim. Então acho que ele é uma referência que eu não consigo esquecer, porque ele fez parte tanto da minha formação como leitor e, consequentemente, como escritor. As histórias que ele escreve são tudo o que eu gosto, é divertido, é intrigante, tem muitos personagens cheios de características marcantes. Eu sou apaixonado por ele. (Nota do redator: Quinze Dias é o romance de estreia de Vitor Martins, que fala sobre romance adolescente, bullying, gordofobia e autoconhecimento. A obra foi uma das vencedoras do GLLI Translated YA Book Prize, uma premiação exclusiva para obraso traduzidas. O livro foi lançado em dezenas de países, incluindo Alemanha, Polônia e Estados Unidos)