ECONOMIA

Fábricas de veneno e de comida ruim embolsam bilhões em isenções fiscais

Enquanto isso, o governo federal corre para cortar R$ 70 bi do orçamento em dois anos, dinheiro que deixa de circular no bolso da população
Por Elstor Hanzen / Publicado em 2 de dezembro de 2024

Fábricas de veneno e de comida ruim embolsam bilhões em isenções fiscais

Fotos: Cenipa/Fiocruz

Fotos: Cenipa/Fiocruz

Nos primeiros oito meses de 2024, grandes corporações usufruíram de quase R$ 98 bilhões em isenções tributárias no Brasil, entre elas empresas produtoras de alimentos ultraprocessados, de agrotóxicos e de adubos e fertilizantes. Enquanto isso, governo federal corre para cortar R$ 70 bilhões do orçamento em dois anos, dinheiro que deixa de circular no bolso da população.

No Rio Grande do Sul, 796 empreses deixaram de pagar R$ 5,8 bilhões em tributos entre janeiro e agosto deste ano. Os dados foram lançados pelos próprios contribuintes por meio da Declaração de Incentivos, Renúncias, Benefícios e Imunidades de Natureza Tributária (Dirbi). No Brasil, 11.642 corporações usufruíram de créditos tributários decorrentes de benefícios fiscais, cujo montante chegou a R$ 97,7 bilhões no período.

De acordo com a Receita Federal, o benefício mais usado é com adubos e fertilizantes, que somam R$ 14,95 bilhões. A desoneração da folha de pagamentos consumiu R$ 12,26 bilhões, e os defensivos (agrotóxicos) agropecuários receberam R$ 10,79 bilhões de incentivos.

Esse tipo de política econômica, não cobrar impostos de quem tem os maiores lucros, gera diversas consequências negativas para a sociedade, avaliam especialistas. Além de fazer com que o governo não consiga fazer investimentos em obras, ainda precisa correr para ajustar gastos sociais, seja na saúde, educação ou reduzindo direitos dos trabalhadores, para equilibrar as contas públicas. Ou seja, menos dinheiro na mão da classe trabalhadora.

Para o professor da Faculdade de Ciências Econômicas da Ufrgs Carlos Eduardo Schonerwald da Silva, “a revogação da concessão de isenção precisa fazer parte de permanente controle, até porque outras empresas poderiam estar sendo beneficiadas e deixam de ser por conta de empresas que já recebem sem a devida necessidade”, explica.

Além disso, as isenções precisam ser analisadas à luz da perspectiva de desenvolvimento social mais amplo, não ser apenas direcionado a setores com maior poder de barganha, por exemplo.

“No caso brasileiro, não temos uma orientação clara de políticas para a concessão de isenções, em especial a presença de uma política industrial de longo prazo, que altere significativamente as nossas condições de país de renda média. A concessão de qualquer incentivo fiscal precisa, necessariamente, estar vinculada as ações que promovam, direta ou indiretamente, o desenvolvimento econômico e social do Brasil”, esclarece Schonerwald.

Duplo prejuízo social

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) afirma que os agrotóxicos causam 70 mil intoxicações agudas e crônicas por ano e que evoluem para óbito, em países em desenvolvimento. E o Brasil aplica mais de 720 toneladas de agrotóxicos na produção agrícola e metade dos produtos é considerada altamente perigosa à saúde.

E ao isentar defensivos e componentes químicos de grandes companhias agrícolas, o governo acaba tendo duplo prejuízo. Primeiro deixa de arrecadar recursos para usar em serviços públicos; segundo gasta dinheiro de outras fontes para tratar pacientes no sistema público de saúde que adoecem por intoxicação, por exemplo.

Segundo dados do Altas dos Agrotóxicos de 2023, a cada dólar aplicado à compra de veneno para a produção agrícola, em média, outros 1,28 são gerados em gastos no sistema de saúde, dependendo do tipo de tratamento aplicado para intoxicação ou consequências.

“A sociedade fica com a doença e impacto ambiental, e praticamente não se recolhe imposto para fazer frente ao custo do prejuízo social que esse modelo de produção provoca”, alerta a sanitarista do Centro Estadual de Vigilância em Saúde do RS Vanda Garibotti.

A mesma lógica se dá com alimentos e bebidas altamente processados, os conhecidos como ultraprocessados. Duas empresas que produzem e vendem esses produtos, a Seara e a Aurora Alimentos, receberam mais de R$ 611 milhões em benefícios tributários só nos primeiros oito meses deste ano.

Conforme reportagem do Extra Classe mostrou em novembro de 2023, os ultraprocessados são mais letais do que os homicídios. Em 2019, cerca de 57 mil brasileiros com idades entre 30 e 69 anos tiveram a vida ceifada prematuramente devido ao consumo de comidas e bebidas altamente processadas, enquanto por homicídios morrem 45,5 mil no período, no Brasil.

Sem boas práticas, sem isenção

O professor de economia da Ufrgs destaca que, atualmente, tem-se discutido muito, nos grandes fóruns, a aderência de ações que estejam relacionadas com boas práticas em termos sociais e ambientais, ou seja, é extremamente necessário acompanhar se as isenções, recursos que deixam de ingressar nos cofres públicos, estão sendo destinadas para empresas que estejam alinhadas com esses propósitos.

“Outro ponto importante, é verificar se de fato o setor produtivo precisa de isenção para ser competitivo, a destinação inadequada pode inibir inovações internas ao negócio. A questão do uso de fertilizantes e comidas ultraprocessadas precisam estar dimensionadas dentro da questão também, o uso de fertilizantes pode degradar severamente o meio ambiente. Assim, essas externalidades negativas precisam ser analisadas na hora de decidir sobre a concessão da isenção, e precisam ser fiscalizadas posteriormente”, avalia Carlos Eduardo Schonerwald da Silva.

Por isso, Schonerwald ressalta ser necessário analisar melhor pelo lado fiscal a questão das isenções, bem como as contrapartidas sociais de atividades danosas a saúde pública. “A concessão da isenção precisa ser analisada por diferentes prismas, e sem dúvida alguma a parte da receita direta que não é auferida e dos gastos necessários precisam ser dimensionados”, aponta o especialista.

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