Setor do saneamento projeta conta de água mais cara com a reforma tributária
Foto: Roque de Sá/Agência Senado
Um aumento de 18% na tarifa média de água e esgoto da população é o que prevê a Associação e Sindicato Nacional das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon Sindcon) caso o texto lido nesta terça-feira, 10, pelo senador Eduardo Braga (MDB-AM), relator da reforma tributária no Senado, mantenha a classificação do setor na alíquota padrão do futuro Imposto sobre Valor Agregado (IVA).
A entidade afirma ainda que as metas de universalização do saneamento podem ser comprometidas. Em contraposição, há quem defenda que mecanismos como fundos de equalização e políticas públicas direcionadas, podem ser usados para promover a universalização sem a necessidade de uma alíquota diferenciada, como reivindicam as concessionárias.
Atualmente, as empresas de saneamento pagam uma alíquota média de 9,25% sobre a receita bruta, composta por tributos federais como o PIS e o Cofins que serão extintos para dar lugar ao IVA.
No novo modelo, o tributo passará para 26,5%. Defensores da reforma tributária relatada por Braga argumentam que, embora alguns setores específicos possam enfrentar aumento na carga tributária, o impacto no consumidor final será compensado por outros benefícios e mecanismos que a reforma irá introduzir.
Foto: Geraldo Magela/Agência Senado
“O saneamento recebeu com surpresa o relatório divulgado. Nosso pleito de equiparação do setor à saúde não foi contemplado. Além do aumento de tarifa, essa carga tributária atrasa investimentos e compromete a meta de universalização dos serviços. Fomos esquecidos pelos parlamentares e pelo poder público, até mesmo pela sociedade. E isso acontece justamente no momento em que temos uma janela de oportunidade para avançar”, desabafa a diretora-executiva da Abcon Sindcon, Christianne Dias.
Reforma busca isonomia tributária
Embora o saneamento, assim como a água, tenha impacto direto na saúde pública, a proposta que já foi discutida na Câmara dos Deputados determina que esse serviço é, tecnicamente, essencial de infraestrutura, não um serviço de saúde propriamente dito.
Assim, a configuração como “infraestrutura” coloca o saneamento na categoria de serviços que devem contribuir com a alíquota padrão para garantir a neutralidade tributária e evitar distorções no sistema.
A chamada primeira fase da reforma tributária visa simplificar o sistema tributário e criar regras mais homogêneas entre setores. Segundo especialistas ouvidos pelo Extra Classe, conceder alíquotas reduzidas para saneamento poderia abrir precedentes para outros setores essenciais. Energia e transportes, por exemplo, que já têm tributação maior que o saneamento também poderiam solicitar tratamento especial, comprometer a arrecadação prevista e aumentar a complexidade do sistema.
Justiça social
Logo após a leitura do relatório, Braga ressaltou que quis buscar uma proposta de reforma que atendesse à demanda da sociedade brasileira por mais justiça social. Para o senador, combinações de crescimento da economia, ampliação da base de pagamentos e o combate a sonegação deverá culminar com uma queda da alíquota padrão.
Braga admite que ainda não tem como dimensionar quanto poderá ser a redução na alíquota padrão, mas adiantou que, em 2026, será possível se ter uma noção em função das obrigações acessórias, quando a cobrança do novo IVA dual, composto pela CBS e IBS, começará a ser testado. “Em 2027, testados todos os sistemas, vamos ter uma ideia bem precisa da capacidade arrecadatória do novo modelo”, entende.
Experiente especialista regulatório que pediu para não ser identificado afirma que uma alíquota reduzida para o saneamento poderia beneficiar empresas que operam em regiões já lucrativas, sem necessariamente incentivar a universalização em áreas deficitárias, como regiões remotas e periféricas.
O pensamento segue em linha com o de Paulo Kliass, doutor em economia e membro da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federal.
Universalização da água como moeda
Para Kliass, a celeuma toda já inicia porque, em seu entendimento, “a privatização do setor essencial, que é um setor que oferta serviço público para a população, já é, em si, um problema”.
Ele também entende que abrir uma exceção seria “abrir a porteira”. Comparar com saúde como o pretendido “é mais forçação de barra ainda”, arremata.
Kliass é categórico ao afirmar que a empresa privada vai visar, em primeiro lugar, rentabilidade, retorno financeiro para acionistas e, por último, se preocupar com o serviço prestado para a população.
“Essa ameaça da universalização é uma coisa que já está presente há muito tempo. A gente sabe que elas não vão focar em universalizar e não é por causa desse aumento tributário”, dispara.
Segundo o economista, as empresas têm mecanismos de planejamento financeiro e de planejamento tributário para se adaptar a essa nova realidade. “O que precisa é aumentar a regulação. Isso redundar em aumento de tarifa é outra história. Aí, a empresa é muito menos prejudicada do que o consumidor. A Agência Reguladora das Águas e do Saneamento Básico (ANA) é que vai ter que entrar em ação para resolver essa questão. Saber o quanto isso vai efetivamente pesar no custo final ao consumidor e o que dá para ser articulado com outros órgãos do governo federal para fazer alguma compensação”, completa.