PF segue o rastro do dinheiro para identificar financiadores da tentativa de golpe
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Os mais de 30 pendrives apreendidos com o coronel da reserva do Exército Brasileiro Flávio Botelho Pelegrino são uma das apostas da Polícia Federal (PF), no momento, para identificar pistas sobre o “pessoal do agro” referido na delação do tenente-coronel Mauro Cid.
Segundo o então auxiliar de ordens de Jair Bolsonaro (PL) na presidência da República, os integrantes do grupo seriam os financiadores da tentativa de golpe de estado que incluía o assassinato do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), seu vice, Geraldo Alckimin, e do, então presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Alexandre de Moraes.
Pelegrino foi preso no sábado, 14, na mesma operação que fez do candidato a vice- da chapa de Bolsonaro em 2022, Walter Braga Netto, o primeiro general de quatro estrelas preso em virtude de um inquérito policial no Brasil. Pellegrino foi assessor-chefe de Comunicação Social da Casa Civil comandada por Braga Netto.
Agentes da PF estão se dedicando para identificar a origem dos R$ 100 mil entregues pelo general em sacolas de vinho ao major Rafael de Oliveira para financiar a operação.
Outra possível porta para as pistas está nos celulares apreendidos na operação. O que se sabe é que os conteúdos dos aparelhos apreendidos já foram extraídos e já estão sob análise dos investigadores.
Agro recorrente
Foto: Antônio Cruz/ Agência Brasil
O envolvimento de setores do agronegócio já havia sido registrada em outras situações críticas após a derrota de Bolsonaro nas urnas. A Agência Brasileira de Inteligência (Abin) chegou a apontar a participação de produtores rurais na articulação de atos antidemocráticos como os acampamentos em frente a quartéis em várias regiões do país e no bloqueio de rodovias.
Áudio de Mauro Cid enviado no dia 16 de novembro explicitou ainda mais o papel de empresários do agronegócio em toda a trama para impedir a posse do presidente eleito.
Segundo o relatório da PF entregue ao Supremo Tribunal Federal (STF), o tenente-coronel registrava que “empresários do agro” estavam “financiando” e “colocando carro de som em Brasília”.
Outra conversa exposta pelas investigações segue a mesma linha. Uma das investigadas, que esteve no QG do Exército em Brasília, relatou o apoio de empresários do setor para fretar 3 mil ônibus direcionados à capital do país às vésperas dos atos de 8 de janeiro. “Pessoal do agro lá de Goiânia, dos arredores de Brasília e tudo. O agro botou aí um apoio aí pra três mil ônibus”, se ouve no áudio interceptado pela PF.
Seguindo o dinheiro
De acordo com a delação de Cid e de outras investigações, a PF acredita que o dinheiro vivo entregue por Braga Netto ao major Oliveira foi usado para a compra de um celular usado por integrantes das Forças Especiais do Exército, os “kids pretos”, para monitorar autoridades em 2022, logo após a vitória de Lula.
O aparelho, segundo a PF, foi comprado pela esposa de Oliveira em Goiânia também com dinheiro vivo. A PF ainda rastreou cinco recargas de crédito para os celulares que faziam parte do grupo “Copa 2022”, responsável pela operação “Punhal verde e amarelo” que tramava o sequestro e o possível assassinato de Moraes.
Ao todo, só nesta parte da operação, estavam sendo usados “seis telefones celulares descartáveis”, de acordo com documentos apreendidos nas investigações da PF.
Revelações de Mauro Cid
Foto: Fernando Frazão/ Agência Brasil
A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de decretar a prisão do general Walter Braga Netto, na manhã de sábado, 14, foi fundamentada pela tentativa de ele tentar obter detalhes da delação do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, para a PF em setembro do ano passado. Segundo a PF, a ação pode ser caracterizada como obstrução de Justiça. As informações foram prestadas na última audiência de Mauro Cid à PF, no dia 21 de novembro.
A decretação da prisão, assinada pelo ministro Alexandre de Moraes, relator do inquérito, a investigação, conforme a PF, demonstra que houve contatos de Braga Netto com o pai de Mauro Cid, o general Mauro César Lourena Cid.
A PF apontou “fortes e robustos elementos de prova” que demonstram a participação ativa do general Braga Netto na tentativa de pressão aos comandantes das Forças Armadas para aderirem à tentativa de golpe. Segundo a PF, o general também teria atuado para obter informações sobre a delação premiada de Mauro Cid e na obtenção e entrega de recursos financeiros para execução de monitoramento de alvos e planejamento de sequestros e, possivelmente, homicídios de autoridades.
Ao analisar pedido da PF, o ministro apontou que as investigações da operação Contragolpe e depoimentos do colaborador Mauro Cid “revelaram a gravíssima participação de Walter Souza Braga Netto nos fatos investigados, em verdadeiro papel de liderança, organização e financiamento, além de demostrar relevantes indícios de que o representado atuou, reiteradamente, para embaraçar as investigações”.
Em relação aos dois investigados, o ministro determinou ainda a proibição de contato com outros investigados e ordenou a retirada do sigilo da decisão, da representação da Polícia Federal e do parecer da Procuradoria Geral da República.
Os contatos “tinham a finalidade de obter dados sigilosos, controlar o que seria repassado à investigação, e, ao que tudo indica, manter informado os demais integrantes da organização criminosa”, aponta a decisão de Moraes.
O ministro é relator do inquérito que investiga a tentativa de golpe de Estado para impedir a posse do presidente Lula.
Outro argumento aponta que a PF, no dia 8 de fevereiro deste ano, data da deflagração da operação “Tempus Veritatis”, encontrou papeis na mesa do coronel Flávio Botelho Peregrino, assessor de Braga Netto, que orientariam perguntas e respostas sobre delação de Mauro Cid.
“Foi identificado na sede do Partido Liberal (PL), sob a mesa do coronel Flávio Botelho Peregrino, assessor do general Braga Netto, documento com perguntas e respostas acerca da colaboração premiada realizada pelo investigado Mauro Cid”.
Na decisão de Moraes, há trechos de como Cid informou à PF sobre as ações do general.
“Basicamente isso aconteceu logo depois da minha soltura, quando eu fiz a colaboração naquele período, onde não só ele como outros intermediários tentaram saber o que eu tinha falado”.
Dinheiro na sacola de vinho
Outra novidade que Mauro Cid trouxe, na audiência no último dia 21, foi sobre o financiamento das ações de forças especiais por parte de Braga Netto.
“O general repassou diretamente ao então Major Rafael de Oliveira dinheiro em uma sacola de vinho, que serviria para o financiamento das despesas necessárias à realização da operação”, apontou Cid.
Isso foi confirmado pela PF que descobriu a compra de celular e carregamentos de chip, com pagamentos em espécie em estabelecimento na cidade de Brasília. A defesa do general divulgou nota na tarde de sábado na qual nega que o militar tenha agido para obstruir as investigações e informa que vai se manifestar no processo.