Essa medalha não é minha, é do MST, diz Stedile em homenagem na Assembleia
Foto: Paulo Roberto Silva/ALRS
Em uma cerimônia realizada na segunda-feira, 16 de dezembro, o líder do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), João Pedro Stedile, recebeu a Medalha Mérito Farroupilha, a mais alta distinção concedida pela Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul (ALRS). A honraria foi proposta pelo deputado estadual Adão Pretto Filho (PT), em reconhecimento à sua trajetória de luta em defesa da reforma agrária, da agricultura familiar e dos direitos dos trabalhadores rurais. Durante a solenidade também foi lida uma carta aberta enviada ao MST pela Associação de Juízes e Juízas pela Democracia.
A solenidade reuniu parlamentares, lideranças de movimentos sociais, representantes do MST e familiares de Stedile, além de autoridades políticas e militantes históricos das causas agrárias. Durante a entrega da medalha, Adão Pretto Filho destacou a importância do trabalho de Stedile na organização de milhares de trabalhadores em todo o país.
“João Pedro Stedile é um símbolo da resistência e da luta por justiça social no campo. Sua atuação é fundamental para garantir terra, trabalho e dignidade a milhares de famílias brasileiras que produzem alimento para o nosso povo. Não existe democracia plena sem uma reforma agrária popular, que assegure justiça social e dignidade no campo”, afirmou o parlamentar.
“Na época da pandemia foram mais de 2,5 milhões de marmitas que foram para as comunidades, que estenderam a mão para as pessoas que mais precisavam e agora na emergência climática, o MST estava no Vale do Taquari, na Região Metropolitana ou em qualquer lugar que houvesse necessidade”, lembrou Pretto.
Em dados absolutos, graças ao empenho dos agricultores, o Movimento conseguiu doar 853 toneladas de alimentos apenas em 2020 para os três estados sulinos, das quais 290 mil para o Rio Grande do Sul. Vivia-se a pandemia e havia fome. Nas enchentes, entregou mais de 120 toneladas de comida nas comunidades atingidas, além de mais de 100 mil marmitas e 17 mil cestas básicas. Em 2020, o Papa Francisco agradeceu formalmente ao MST pela distribuição de comida aos pobres na pandemia, identificando no gesto “um sinal do reino de Deus, que gera solidariedade e comunhão fraterna” e abençoou a sua bandeira vermelha.
Pretto também disse que o ato representou o reconhecimento de uma história de lutas sociais a Stédile, mas a todos que lutam por justiça social, fraternidade e para que a terra cumpra a sua função social. “Por isso indico essa medalha a essa liderança tão importante e reconhecida não só no RS e no Brasil, mas no mundo odo. Assentou mais de 13 mil famílias no RS e mais de 400 mil em todo o Brasil. Onde tem reforma agrária, onde tem assentamento tem desenvolvimento, prosperidade, produção de alimento saudável, tem fraternidade e solidariedade”, disse. Esse movimento que faz justiça social, organiza o povo, mas está na institucionalidade. “Se eu estou aqui é por conta de uma decisão coletiva que o MST tomou e me delegou essa tarefa honrosa de ser um deputado estadual, cobrando os governos para que se tenha reforma agrária, para que tenha orçamento e recursos para que esse povo permaneça no campo com dignidade, produzindo alimento saudável”.
Emocionado, Stedile agradeceu a homenagem e reforçou o compromisso de seguir na luta pela democratização da terra no Brasil:
“Essa medalha não é minha, é do MST, das famílias assentadas, dos trabalhadores e trabalhadoras que, todos os dias, constroem um país mais justo e solidário. A reforma agrária é um direito constitucional e uma necessidade para o desenvolvimento do Brasil”, declarou o homenageado.
João Pedro afirmou também, que a homenagem é a celebração da reforma agrária, pois o MST é o herdeiro de lutas históricas do povo e por isso os militantes do MST não devem vangloriar-se por si só. Para o líder do movimento, até 1756, quando os Europeus aqui chegaram, foram milhares de anos em que viviam no Rio Grande do Sul os indígenas que detinham a terra como bem comum, onde não havia propriedade privada, nem cercas e nem exploração.
“Milhares de pessoas foram assassinadas, outras migraram para Missiones e para o Paraguai e Sepé Tiaraju, nosso padroeiro até hoje, morreu em combate em 7 de fevereiro de 1756 e foi assim sob a força do canhão que nasceu neste território o latifúndio agropastoril que logo em seguida implantou a propriedade privada e introduziu o trabalho escravo”.
Segundo Stédile, faz parte da lógica do sistema capitalista a concentração da propriedade, o latifúndio e os crimes ambientais. “O capital no campo se alimenta da apropriação privada dos bens da natureza que deviam ser de todos”. A medalha, disse, é para todos os que lutaram pela terra, pelos direitos. “Desde Sepé Tiaraju até Ithamar Siqueira, que nos deixou a semana passada, por isso estamos celebrando a luta social”.
A Medalha Mérito Farroupilha é concedida a personalidades que se destacam por suas contribuições à sociedade gaúcha e ao Brasil. Adão Pretto Filho ressaltou que a homenagem também é um reconhecimento à história de luta de Stedile em prol da soberania alimentar e do fortalecimento da agricultura familiar, pautas que dialogam diretamente com o desenvolvimento sustentável do campo e com os valores defendidos pelo Partido dos Trabalhadores (PT).
Essa não foi a primeira medalha entregue ao coordenador do MST. Da Câmara dos Deputados, já recebeu a Medalha do Mérito Legislativo, concedida a personalidades brasileiras ou estrangeiras que prestaram serviços considerados socialmente importantes. Outro parlamento, o de São Paulo, entregou-lhe o Prêmio Santo Dias de Direitos Humanos. E o governo de Minas Gerais lhe atribuiu sua maior honraria, a Medalha da Inconfidência.
Do lado de fora da Assembleia, centenas de pessoas acompanharam a cerimônia por meio de um telão, demonstrando o apoio popular à homenagem e às causas defendidas por Stedile.
João Pedro Stedile, além de ser uma das principais lideranças do MST, é economista formado pela PUC-RS e atua há décadas na organização de movimentos sociais e na construção de políticas públicas voltadas à reforma agrária e à produção de alimentos saudáveis.
A cerimônia foi encerrada com aplausos e palavras de ordem que reforçam a importância da luta por justiça social no campo, evidenciando o papel histórico de Stedile e sua contribuição para a construção de um Brasil mais justo e igualitário.
A homenagem foi precedida por uma semana polêmica. O deputado Delegado Zucco (Republicanos) chegou a afirmar que daria voz de prisão ao homenageado durante debate no programa Conversas Cruzadas (programa em streaming da RBS), na quarta-feira, 11, em que participou com o também deputado estadual Adão Pretto Filho, proponente da honraria.
Zucco, também protocolou um recurso pedindo o cancelamento da homenagem e acusou o MST de grupo criminoso, comparando ao PCC. O presidente da Casa, Adolfo Brito (PP), negou o pedido do parlamentar.