Reforma simplifica tributação, mas complexidade da transição preocupa
Foto: Bruno Spada/Câmara dos Deputados
Foto: Bruno Spada/Câmara dos Deputados
Aprovado no último dia 17 de dezembro, o Projeto de Lei Complementar (PLP) 68/2024, que Institui os Impostos sobre Bens e Serviços (IBS), o Seletivo (IS) e a Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS) para simplificar a intrincada tributação nacional no Imposto de Valor Agregado (IVA) teve a palavra final da Câmara dos Deputados.
A matéria que é considerada necessária e um marco histórico no país foi encaminhada à presidência da República para sanção, mas ainda apresenta desafios e incertezas na sua implementação para especialistas. Por outro lado, conforme registrou Extra Classe em setembro, segmentos da sociedade ainda aguardam novos passos para que haja de fato uma verdadeira Reforma Tributária, como ficou conhecido o PLP em seu trânsito.
Se a Confederação Nacional da Indústria (CNI) comemora o que chama um dos pilares do relançamento do setor industrial, economistas como Nathalie Beghin, Doutora em Políticas Sociais pela Universidade de Brasília (UnB) e integrante do Colegiado de Gestão no Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) lembram que a justiça tributária no país só pode chegar com a discussão da reforma na tributação da renda, uma segunda fase já prometida pelo governo Lula.
Nathalie destaca que, no Brasil, são os pobres que pagam proporcionalmente mais impostos no país porque a base da arrecadação do país se encontra no consumo e não na taxação da renda e patrimônio.
Excesso de exceções
Enquanto a segunda fase aguardada pela economistas e representantes dos trabalhadores não se inicia, o debate no momento se centra na implementação do que foi aprovado no Congresso e que, segundo o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, deve ser sancionado até o fim de janeiro.
André Felix Ricotta de Oliveira, doutor em Direito Tributário é professor e coordenador do curso de Tributação sobre o Consumo do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet). Ele entende que a transição para o novo modelo pode trazer dificuldades, especialmente na definição das alíquotas.
“A expectativa era de limitar a carga tributária a 26,5%, mas isso parece improvável. O cálculo da arrecadação base foi alterado para considerar os anos de 2024 e 2025, e o teste inicial em 2026, com uma alíquota simbólica de 1%, será crucial para avaliar o impacto real do IBS e da CBS”, explica.
Outro ponto de atenção, segundo Ricotta, é o excesso de exceções e regimes diferenciados previstos na reforma. Na crítica do professor, isto pode comprometer a simplificação prometida.
“Um IVA (Imposto sobre Valor Agregado) ideal não teria benefícios fiscais ou regimes favorecidos. No entanto, o lobby de determinados setores resultou em distorções que penalizam quem não conseguiu essas vantagens, mantendo a complexidade do sistema”, registra.
Para o professor, a concepção o imposto seletivo, que incidirá sobre produtos como automóveis e bebidas açucaradas, ainda precisa ser revista. “Embora tenha o objetivo de manter a carga tributária de setores específicos, a tributação de carros elétricos, por exemplo, vai na contramão de políticas ambientais”, acredita. Além disso, avalia, “a redação atual do imposto não reflete seu caráter seletivo e extrafiscal”.
Atenção aos detalhes
Também doutor em Direito Tributário e professor de diversas instituições de ensino como o IBMEC, Daniel Clayton Moretti, ressalta o esforço técnico na implementação, mas também aponta limitações.
Moretti que ainda é juiz do Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo diz que “a estrutura básica da reforma já foi estabelecida pela Emenda Constitucional 132, mas a regulamentação exige atenção aos detalhes que impactam diretamente empresas e consumidores. Apesar da pressa legislativa, é preciso um diálogo mais amplo com os setores econômicos para evitar falhas no novo modelo”.A criação de uma Secretaria Especial na Receita Federal para cuidar exclusivamente da reforma é louvada pelo tributarista. Ele pondera, no entanto, que desafios permanecem. “Embora tenhamos profissionais altamente qualificados conduzindo o processo, pontos como o cashback para famílias de baixa renda e a tributação diferenciada de serviços ainda geram dúvidas sobre a efetividade e a justiça tributária do novo sistema”, conclui.
Apesar das críticas, para os especialistas a reforma é necessária. O alerta dado se dá pela complexidade da transição. “O sistema tributário brasileiro precisava de mudanças, mas a implementação do IVA será um processo longo, com fases de teste e ajustes que podem levar até 2033”, finaliza Ricotta.
Composição do Congresso gera dúvidas para segunda fase
Se a economista Nathalie Beghin compreende que há um compromisso firmado do governo para apresentar uma segunda fase da reforma, ainda há incertezas e até uma certa preocupação no ar.
Não que pairem dúvidas sobre as boas intenções do governo, diz Dão Real Pereira dos Santos, auditor da Receita Federal, diretor de Relações Internacionais do Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil (Sindifisco) e membro do Instituto Justiça Fiscal.
“Eu, particularmente, acho que acertou o governo em não encaminhar essa reforma da renda agora”, declara. O risco, segundo ele, está na composição do Congresso, o de “entrar uma coisa e sair outra, pior”, pontua.
Ao contrário da primeira fase que exigia uma alteração constitucional, a segunda pode ser viabilizada via Projeto de Lei (PL). Isso, em tese, permite um trâmite mais rápido devido ao quórum simplificado e uma aprovação em turno único.
Mas não é bem assim. Os interesses em jogo requerem um amplo debate entre as casas legislativas – Câmara e Senado – e o Executivo.
O ministro da Fazenda de Lula, Fernando Haddad chegou a afirmar que o governo optou em resolver o problema do consumo antes de abordar a questão da renda por dois motivos. Primeiro, porque o tema do consumo é mais complexo tecnicamente. Segundo, porque a discussão sobre a renda pode ser tratada com lei ordinária e é politicamente mais delicada.