AMBIENTE

Nova Lei no Mato Grosso pode devastar mais 5,5 milhões de hectares da Amazônia

Se a Lei que converte áreas amazônicas em Cerrado for sancionada pelo governador, as reservas legais de imóveis rurais passarão de 80% de sua área para apenas 35%
Por Cristina Ávila / Publicado em 14 de janeiro de 2025

Nova Lei no Mato Grosso pode devastar mais 5,5 milhões de hectares da Amazônia

Foto: Ibama/Divulgação

Foto: Ibama/Divulgação

Um dos estados mais desmatados da Amazônia, o Mato Grosso — que já perdeu 22 milhões de hectares de florestas entre 1987 (ano em que iniciaram as medições) e 2022 — poderá ter ainda outros 5,5 milhões de hectares de matas devastadas, como consequência da aprovação do Projeto de Lei Complementar (PLC) 18/2024 que pretende a conversão de áreas amazônicas para a tipologia caracterizada como Cerrado.

Se a legislação for sancionada pelo governador Mauro Mendes (União), as reservas legais de imóveis rurais passarão de 80% de sua área para apenas 35%, conforme determina o Código Florestal para conservação de imóveis rurais em  cada um desses biomas. A conversão pode abranger 10% do território do estado, com mudanças de classificação em 9,6 milhões de hectares.

“Absurdo. Um dos critérios para mudança seria a altura das árvores, com referência ao mapa de vegetação do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o que foi contestado em nota técnica do próprio IBGE”, exclama Marcondes Coelho, analista ambiental do Instituto Centro de Vida (ICV), organização não-governamental que integra o Observatório Socioambiental de Mato Grosso e a rede MapBiomas, que é uma das principais referências na produção de dados e análises sobre os biomas brasileiros. Os 5,5 milhões de hectares diretamente ameaçados equivalem ao território de Cuiabá.

Nota de repúdio

O Observatório Socioambiental de Mato Grosso (Observa MT, integrado por organizações da sociedade civil, inclusive pela federação de 43 povos indígenas) emitiu uma nota de repúdio contra a legislação — texto ao qual Marcondes Coelho ressalta ser também um apelo, “para que o governador vete o projeto de lei integralmente”.

O analista do ICV ressalta que o PLC foi apresentado na primeira sessão da Assembleia Legislativa em 2025, sem estar previsto na pauta do dia. “Foi anunciado em plenário”, aprovado por 15 votos a 8. “É uma violência ao Código Florestal”.

O analista cita informações da nota do Observatório Socioambiental: “O texto altera o mapa de referência para a classificação da vegetação nos imóveis rurais”. O analista ambiental explica que o Código Estadual de Meio Ambiente se baseou no mapeamento do projeto RadamBrasil (iniciativa do governo federal na década de 70 para pesquisa de recursos naturais do país); e pelo projeto aprovado passa a ser considerado o Mapa de Vegetação do IBGE e seu Manual Técnico da Vegetação Brasileira (atualizado em 2012)”.

Texto do PL não está adequado ao mapa do IBGE

A nota emitida pelo IBGE, assinada pela diretora de Geociências do órgão, Ivone Lopes Batista, é citada no documento do Observatório, citando que a manifestação do instituto respondeu ao questionamento da própria Assembleia Legislativa de Mato Grosso sobre a nova Lei, “afirmando que o texto não está adequado ao Mapa/Manual do IBGE ao qual faz menção” e que a “Secretaria de Estado do Meio Ambiente (Sema-MT) também se posicionou contrária ao texto aprovado”.

Nova Lei no Mato Grosso pode devastar mais 5,5 milhões de hectares da Amazônia

Imagem : Reprodução

Imagem : Reprodução

Marcondes Coelho disse que a proposta de legislação expressa fortes articulações de setores econômicos interessados no avanço do desmatamento, que dependendo dos ciclos de chuvas e secas vem acompanhado por queimadas imensas nas florestas. Dados da plataforma Terrabrasilis, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) que detém informações de satélite sobre cobertura vegetal, desmatamentos e queimadas, indicam que o país teve 1 milhão de focos de queimada em apenas cinco anos, entre 2020 e 2024. Nesse intervalo, o ano com maior quantidade de registros foi em 2024. A maior parte dos focos foi concentrada em cinco estados.

Foram 628.365 focos em cinco anos, no Pará (200.685), em Mato Grosso (171.534), Amazonas (97.885), Maranhão (97.124) e Tocantins (61.137). Matéria publicada em 3 de janeiro deste ano pela Agência Brasil, veículo de comunicação do governo federal, ressalta: “Seu desenho, uma estrada de fogo que corta o meio do país, coincide com áreas de expansão agrícola, principalmente para soja e pasto, e com regiões marcadas pela grilagem e pelo garimpo. Todos esses estados tiveram aumento de focos de incêndio na comparação entre 2024 e 2023, com destaque para Mato Grosso, com aumento de 130%, e para o Tocantins, com alta de 78%”.

Articulações para desmontar políticas públicas de proteção ambiental

Nova Lei no Mato Grosso pode devastar mais 5,5 milhões de hectares da Amazônia

Foto: ICV/Divulgação

Marcondes Coelho, analista ambiental do Instituto Centro de Vida (ICV), organização não-governamental que integra o Observatório Socioambiental de Mato Grosso e a rede MapBiomas

Foto: ICV/Divulgação

Marcondes Coelho se refere a articulações que incluem legislações com objetivos semelhantes ao PLC 18/2024, principalmente leis com objetivo de desmonte de políticas públicas que sejam favoráveis à conservação ambiental, votadas em Assembleias Legislativas de outros estados “articuladas com o Congresso Nacional”, como é o caso de leis contra a moratória da soja, desconsiderando pesquisas científicas que alertam sobre a necessidade de conservação ambiental “por conta de eventos extremos como as inundações que no ano passado atingiram quase um estado inteiro (RS) e na contramão dos acordos internacionais do Brasil referentes a mudanças climáticas”.

É uma trajetória evidente: O próprio governador Mauro Mendes sancionou lei aprovada na Assembleia Legislativa do estado que restringe a concessão de benefícios fiscais a empresas que aderirem à moratória da soja no estado. A moratória é um acordo de 2006 entre empresas exportadoras que veda compra de soja plantada em áreas desmatadas da Amazônia.

A decisão de Mauro Mendes foi publicada na página da Secretaria de Fazenda do Mato Grosso, no dia em que sancionou a lei, em 24 de outubro de 2024. Na matéria, o governador justifica: “Nosso país é soberano e nenhuma empresa pode descumprir as nossas leis ambientais, que são as mais restritivas do mundo”.

Às vésperas da COP 30 (Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025), que se realiza em novembro deste ano em Belém do Pará, atitude do governador ignorou, por exemplo, a destacada liderança do Brasil no Acordo de Paris, firmado na 21a Conferência das Partes (COP 21), na França, em que a redução do desmatamento é um dos principais compromissos assumidos pelo país.

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