ECONOMIA

A cada aumento de 1% na Selic sangram 55,2 bilhões de reais por ano dos cofres públicos

Enquanto o mercado financeiro festeja decisões do Banco Central, governo estuda ampliação de crédito à população para girar a economia. Especialistas recomendam cautela
Por Marcelo Menna Barreto / Publicado em 30 de janeiro de 2025
Cada aumento de 1% da Selic sangra R$ 55,2 bilhões ano dos cofres públicos

Foto: Agência Gov/Divulgação

Presidente do BC, Gabriel Galípolo; presidente Luiz Inácio Lula da Silva; e o ministro da fazenda Fernando Haddad

Foto: Agência Gov/Divulgação

A alta da taxa Selic em 1% anunciada ontem, 29, pelo Banco Central (BC) e a previsão de um novo aumento em março, conforme sinalizado na última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) presidida por Roberto Campos Neto em dezembro passado acendem um alerta sobre os impactos dessa política monetária na economia brasileira.

Não é para menos. Na presidência de Gabriel Galípolo, indicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, além da majoração da Selic, o Copom confirmou a previsão de mais 1% de elevação para a próxima reunião do colegiado em março, o que levará a taxa a 14,25%.

Analistas de mercado já projetam que a Selic possa atingir 15% ao ano e permanecer nesse patamar por um período prolongado. A ideia na ótica do mercado seria para controlar a inflação e ancorar expectativas inflacionárias.

Em meio a especialistas que questionam a eficácia da medida do BC, o Governo Federal está formulando uma política para ampliar a circulação de dinheiro e atenuar os impactos da restrição que a alta dos juros impõe à indústria e o comércio.

No RS, por exemplo, o presidente da  Federação do Comércio de Bens e de Serviços do Estado do Rio Grande do Sul (Fecomércio-RS) Luiz Carlos Bohn, não poupou críticas sobre a decisão do Copom em majorar a taxa Selic para 13,25%. 

A decisão do Copom veio dentro do esperado. Em tempos de política fiscal frouxa, a política monetária muito apertada tenta fazer seu papel de segurar a inflação. Já passou da hora do governo endereçar as medidas fiscais corretas para a ancoragem das expectativas e fazer valer o enorme diferencial de juros que temos no câmbio. Em 2025, vamos experimentar uma taxa de juros real sufocante da atividade econômica e assusta pensar que isso pode não ser suficiente para vencer a inflação. É perigoso deixar a popularidade do governo ser o principal guia da política econômica, com foco estritamente no curto prazo. Política fiscal e monetária passam a intensificar a guerra de forças. E, com isso, todos perdemos”, disse. 

Ampliação de crédito via consignado privado

Trata-se de um programa de crédito consignado para trabalhadores celetistas. Isto vai permitir que empregados do setor privado possam contratar empréstimos com desconto direto na folha de pagamento, à exemplo de servidores públicos e aposentados.

A ideia é oferecer dinheiro com juros mais baixos, reduzindo os custos financeiros para essa parcela da população. Reunião com representantes dos bancos já sentaram à mesa com o governo

Para o economista Paulo Kliass, doutor em Economia pela Universidade de Paris 10 (Nanterre) e especialista em políticas públicas e gestão governamental, a medida pode ser uma estratégia para reduzir os elevados spreads bancários e até fazer girar a economia que, diante de juros altos, tende a arrefecer.

Ele lembra, no entanto,  que há discordâncias dentro do próprio governo. Elas giram basicamente em torno de dois pontos: a orientação dos juros e o risco de endividamento da população.

Enquanto o Ministério da Fazenda dá mostras de adotar uma abordagem mais liberal, permitindo maior liberdade para os bancos definirem taxas de juros, o Ministério do Trabalho defende uma regulamentação mais rígida para evitar que os trabalhadores sejam explorados com taxas abusivas o que pode agravar o endividamento da população de baixa renda, que já enfrenta dificuldades financeiras.

Crédito consignado: solução ou armadilha?

Em sua resistência a um teto de juros, os bancos argumentam que trabalhadores do setor privado (por não ter estabilidade) oferecem maior risco de inadimplência do que servidores públicos e aposentados.

Por outro lado, não é desprezível o grande potencial de mercado oferecido. Atualmente, existem cerca de 42 milhões de trabalhadores CLT no Brasil. A criação do programa representa de fato uma oportunidade significativa para os bancos ampliarem sua atuação no mercado de crédito consignado e atender uma nova e ampla base de trabalhadores do setor privado.

Kliass destaca que, se a regulamentação favoreça os bancos, os efeitos positivos para a população podem ser mínimos. “Com os celetistas já altamente endividados e uma taxa de inadimplência crescente é preciso avaliar se essa medida realmente trará benefícios ou apenas reforçará a concentração de renda no setor financeiro”, pondera.

Maria Lucia Fattorelli, auditora fiscal aposentada da Receita Federal do Brasil e ativista conhecida por seu trabalho na Auditoria Cidadã da Dívida, critica fortemente a ideia do novo consignado. “Em um cenário de baixos salários e perda de direitos, incentivar mais endividamento é um erro. O Brasil deveria investir em melhores condições de vida e renda; não empurrar os trabalhadores para mais dívidas”, afirmou.

Aumento dos juros pressiona ainda mais a dívida pública

Fattorelli se revolta com a elevação da Selic. Ela destaca que cada 1% de aumento na taxa de juros representa um custo adicional de R$ 55,2 bilhões anuais para os cofres públicos. Os dados são do próprio Banco Central.

A auditora explica que cada movimentação a maior da taxa obriga o governo emitir mais títulos para pagar os chamados juros da dívida pública. Assim, um ciclo de endividamento crescente é gerado.

“Mesmo com cortes de gastos públicos e aumento de arrecadação, o custo dos juros compromete o orçamento e perpetua o que chamamos de ‘sistema da dívida'”, alerta Maria Lucia.

Ela também questiona a política de juros altos como ferramenta exclusiva para conter a inflação. Afirmando que grande parte da inflação no Brasil é provocada por fatores que não são afetados pela taxa de juros, como os preços administrados de combustíveis e energia, assevera: “Elevar os juros não resolve esse tipo de inflação e ainda pode piorar a situação, encarecendo o crédito e aumentando os custos para as empresas, que repassam isso aos preços”, conclui.

 

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