POLÍTICA

Síria vive escalada de violência e iminente guerra civil

Onda de violência e assassinatos toma conta da Síria depois da queda de Bashar al-Assad. Uma solução democrática é cada vez mais distante  
Por Marcelo Mena Barreto / Publicado em 11 de março de 2025

Síria vive escalada de violência e iminente de Guerra Civil

Foto: Ocha/Ali Haj Suleiman / ONU - Divulgação

Foto: Ocha/Ali Haj Suleiman / ONU - Divulgação

A Síria enfrenta sua pior onda de violência em anos. São mais de 1.300 mortos, incluindo 830 civis. As hostilidades começaram na última sexta-feira, 7. Foram desencadeadas por ataques de grupos leais ao ex-presidente Bashar al-Assad deposto em dezembro passado.

Para Reginaldo Nasser, professor de Relações Internacionais PUCSP, uma transição democrática no país é improvável.

Na mesma linha, o jornalista Klester Cavalcanti – preso e torturado em 2012 pelo regime deposto – faz uma previsão sombria para o futuro do país.

“Muito em breve, a Síria pode se tornar um estado islâmico fundamentalista nos moldes do Irã e da Arábia Saudita. Não amanhã, mas em cinco ou dez anos, isso pode acontecer”, afirma Cavalcanti.

Ele deixa claro que sua declaração não tem nada a ver com islamofobia. “Pelo contrário, eu fui muito bem tratado por outros muçulmanos que acabaram presos comigo, quando entrei no país com visto de trabalho e de forma regular”.

O conflito entre sírios se intensificou com a retaliação das atuais forças de segurança contra civis. Segundo o Observatório Sírio de Direitos Humanos, a maioria dos civis mortos pertencia à comunidade alauíta, minoria religiosa ligada a Assad e que ocupava grandes posições em seu governo.

Ex-integrante da Al-Qaeda, presidente interino alerta para “novo perigo”

O presidente interino Ahmed al Sharaa alertou para um “novo perigo”, atribuindo a escalada às ações de remanescentes do regime de Assad e a interferências externas.

Para conter a crise, ele anunciou a criação de dois comitês: um para preservar a paz civil e outro para investigar os responsáveis pelos ataques, com um prazo de 30 dias para apresentar conclusões.

Há temores de uma guerra civil generalizada e a situação repercutiu internacionalmente. ONU e EUA condenaram a violência, enquanto a crise se agrava em um contexto de mudanças geopolíticas.

O professor Nasser destaca que o país pode seguir o caminho da Líbia, mergulhando em um conflito prolongado sem grupos capazes de estabelecer um governo estável.

Ele também alerta para potenciais consequências internacionais, incluindo riscos para os EUA e Israel, que apoiaram grupos opositores considerados radicais. O cientista político ressalta que os resultados negativos desses apoios podem ampliar ainda mais a instabilidade regional.

Sectarismo empurra Síria para instabilidade contínua

Com a violência aumentando e sem perspectivas claras de solução, a Síria caminha para um futuro incerto, marcado por divisão sectária e instabilidade contínua, entende Nasser.

A família Assad governou a Síria por 52 anos. Nesse período, descreve, houve um histórico de repressão e massacres. “Para entender a permanência de Assad no poder, é essencial analisar o apoio de aliados como Rússia, Irã e Hezbollah”, fala Nasser.

Segundo o professor, a sobrevivência do regime foi garantida pelo suporte militar dessas nações. Só que eventos recentes, como a guerra na Ucrânia e a crise política e econômica no Líbano, reduziram significativamente a capacidade desses aliados de intervir na Síria.

Se de um lado o pai de Bashar, Hafez al-Assad ( 1930-2000) adotava um nacionalismo estatal, o filho, destaca Nasser, promoveu reformas neoliberais nos anos 2000. isso aprofundou a pobreza no campo e forçou migrações para as cidades. Aleppo, por exemplo, virou um dos epicentros da destruição que corroeu o país e deu a abertura para a derrubada do regime em dezembro passado.

Jornalista brasileiro foi preso e torturado pelo regime de Bashar al-Assad

“Ninguém mais do que eu poderia ter ódio, raiva de Bashar al-Assad”, afirma o jornalista.

“Eu fui preso, torturado, ameaçado de morte pelo governo dele, mesmo estando no país legalmente. Fui para a Síria com visto de imprensa, não cometi crime nenhum e fui fichado, algemado; passei seis dias preso, dormindo no chão de uma cela superlotada. Foi um inferno”, relatou.

Ele relançou há três semanas o livro que relata a sua experiência e recebeu o Prêmio Jabuti, Dias de Inferno na Síria (Editora Matrix).

Na nova edição, ele faz um arrazoado sobre as perspectivas políticas do país com a derrubada do regime. “Infelizmente, eu estava certo na minha análise, porque realmente tudo indica que a situação na Síria vai ficar mais grave”, afirma.

Apesar das críticas ao ex-presidente sírio, ele destacou que Bashar al-Assad não possuía um perfil extremamente violento ao compará-lo a outros ditadores do Oriente Médio como Saddam Hussein.

“Uma curiosidade, quem estava sendo preparado para presidir o país era o seu irmão mais novo. Bashar foi educado no Ocidente, estudou odontologia em Londres. Assumiu porque este irmão morreu num acidente de carro”, lembra Cavalcanti.

O jornalista pontua, que quando a população se voltou contra Assad, ele reagiu com violência, como todo ditador faz.  “Mas nunca foi um líder brutalmente truculento”.

Cavalcanti aponta uma peculiaridade do ex-ditador “ele até se orgulhava de ter uma Síria onde outras religiões eram toleradas e mulheres tinham acesso ao estudo e não podiam ser obrigadas a usar o véu islâmico caso não quisessem. Mulheres tinham direitos, usavam minissaia, participavam da política. Havia igrejas cristãs ao lado de mesquitas em Damasco, e Bashar incentivava isso. A oposição nunca aceitou essa liberdade”, detalha.

Sobre o novo líder sírio, Ahmed al-Sharaa, o jornalista destaca sua ligação com grupos extremistas. “Esse cara foi da Al-Qaeda. Alguém que foi da Al-Qaeda, obviamente é extremista. Ele sempre teve uma veia militar agressiva.” Cavalcanti ainda questiona a versão oficial do governo. A que nega envolvimento na recente onda de violência.

“O governo está dizendo que não tem nada a ver com essas mortes que começaram no dia 7. Claro que tem, né? Bashar fazia a mesma coisa. Quando eu estive lá, a imprensa oficial dizia que não havia guerra, apenas o exército combatendo terroristas. Mas eu fui para Homs e vi que eram as forças do governo massacrando civis”, conclui.

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