Em busca da transparência perdida
Na entrevista coletiva que concedeu logo após o arquivamento do processo de impeachment na Assembleia, a governadora Yeda Crusius (PSDB) voltou a insistir que a transparência é uma das marcas de seu governo e que sempre procurou investigar as denúncias que pesam sobre ele. A vida real, porém, diz algo diferente. A governadora movimentou fundos e mundos para evitar que fosse aberto um novo foco de investigação sobre seu governo, no âmbito da Assembleia Legislativa. A CPI da Corrupção caminha com imensas dificuldades devido ao boicote promovido pelos deputados governistas. A relatora da Comissão Especial do Impeachment, Zilá Breitenbach (PSDB), decidiu arquivar o processo sem ter realizado uma única reunião para analisar os documentos que embasavam o pedido.
Ainda no que diz respeito à transparência, Yeda já está no terceiro secretário da área. Os dois exocupantes da pasta, Mercedes Rodrigues e Carlos Otaviano Brenner de Moraes deixaram o governo em rota de colisão com a chefe do Executivo. O chefe de gabinete da governadora, Ricardo Lied, é acusado de improbidade administrativa em uma ação movida pela Promotoria de Defesa do Patrimônio Público. A assessora direta de Yeda, Walna Vilarins, foi indiciada por corrupção passiva e formação de quadrilha pela Polícia Federal, por envolvimento em fraudes em licitações investigadas pela Operação Solidária. Yeda não instalou nenhum procedimento de investigação para apurar a conduta de seus assessores, apesar da recomendação de seu ex-secretário da Transparência.
O pessoal “do lado de lá”
As declarações da atual ocupante do Piratini sobre as providências que tomou diante da fraude no Detran também brigam com a realidade. Yeda Crusius passou praticamente toda a Operação Rodin reclamando do “clima big brother” e do pessoal “do lado de lá”, numa referência ao trabalho da Polícia Federal e do Ministério Público Federal. Em momento algum, condenou publicamente a conduta dos acusados de envolvimento com a quadrilha que fraudou o Detran. Em recente entrevista no Roda Viva, da TV Cultura, voltou a criticar o MP Federal, a PF e a Assembleia Legislativa.
Além disso, a governadora só admitiu ter usado recursos públicos para mobiliar e reformar sua casa na rua Araruama depois que a oposição trouxe as notas a público. Flagrada no episódio, voltou a responder que seu governo era marcado pela transparência e que era tudo legal. Já o contador e auditor-geral do Estado, Roberval Silveira Marques, disse, em depoimento na CPI da Corrupção, que as compras foram feitas para a ala residencial do Palácio Piratini. Ele não soube explicar por que foram parar na casa particular da governadora. Silveira Marques também admitiu que não sabia que as compras não constam da prestação de contas de bens adquiridos pelo governo, conforme informação do Ministério Público de Contas.
“Contumaz descumprimento constitucional”
O debate sobre a transparência não para aí. Há problemas também na área da publicidade governamental. Um parecer do Tribunal de Contas do Estado apontou uma série de irregularidades nos gastos do governo com publicidade, que chegaram a R$ 168.358 milhões em 2008. Entre os problemas apontados pelo TCE, está o constante aumento de participação de empresas estatais gaúchas. Além disso, o Ministério Público de Contas considerou irregular a suplemen-tação das despesas com publicidade das empresas estatais em 102,66%. Isso foi possível deslocando dinheiro destinado a outras áreas para a comunicação, o que exigiria uma autorização prévia da Assembleia Legislativa.
O procurador Geraldo Da Camino criticou essa prática e a utilização das empresas estatais para a divulgação de ações do governo estadual. Em seu parecer, ele apontou “o contumaz descumprimento da prescrição constitucional e legal preocupa, ainda mais quando se constata que as chamadas estatais responderam por 67,35% (R$ 113.387 milhões) do total investido em gastos dessa natureza e porque custeiam amplamente ações institucionais do governo”.
Problemas como este ecoam no desabafo feito pelo ex-secretário da Transparência, Carlos Otaviano Brenner de Moraes, em um email enviado ao jornalista Flávio Tavares. Ele disse que, enquanto esteve no governo, não conseguiu salvaguardar a transparência e a probidade porque encontrou dificuldades “devido à falta de compreensão, no coração do governo, da essencialidade ética de determinadas decisões”.