GERAL

Mais trabalho, menos empregos

O aumento da intensidade do trabalho, fenômeno considerado contemporâneo pelos pesquisadores, vem sendo estudado por Sadi Dal Rosso, 62 anos, professor doutor em Sociologia pela Universidade do Texas com p
Por Grazieli Gotardo / Publicado em 13 de setembro de 2009

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Foto: Rodrigo Dalcin/divulgação

Foto: Rodrigo Dalcin/divulgação

Extra Classe – Como se dá o fenômeno do aumento da intensidade do trabalho?
Sadi Dal Rosso
– Primeiro, é preciso ter clara a ideia de intensidade do trabalho. Alguns autores utilizam outros termos como carga de trabalho ou esforço no trabalho. Eu utilizo um termo mais clássico dentro da literatura sociológica, que é a intensidade. Todo trabalho tem um grau de intensidade; exige um desempenho de esforço; um gasto de energias, sejam físicas ou mentais. Se há um aumento exacerbado do gasto de energia, nós podemos falar que há um processo de intensificação do trabalho. Popularmente, se diz que é um trabalho muito “puxado”. Isso é possível de ser visualizado em qualquer tipo de atividade, a jornada de trabalho permanece a mesma, mas o que aumenta é número de atividades feitas no mesmo período. A literatura internacional menciona os anos 80 em diante como um período de crescente intensificação do trabalho porque houve muita demissão de mão-de-obra, o chamado processo de reestruturação produtiva. Houve o enxugamento de empregados, mas as atividades continuaram as mesmas ou aumentaram. Com isso, você tem o processo de intensificação. A década de 80, tanto no Brasil como internacionalmente, foi uma época de reorganização do processo de trabalho. Em termos administrativos houve a redução de pessoas e a terceirização de atividades que não eram entendidas como importantes ou centrais. Um bom exemplo é o setor bancário, o antigo caixa passou a ser um vendedor de serviços e exerce três ou quatro atividades.

EC – A intensificação a partir da década de 80 teria relação com a inserção das tecnologias da informação no trabalho?
Dal Rosso
– Essa ideia de que as mudanças tecnológicas trazem uma intensificação é muito antiga. No começo do século 19, ela já estava presente na revolução industrial. Quando lemos O Capital, Carl Marx escreve sobre a intensificação do trabalho naquele contexto de revolução industrial, em que fala exatamente que a nova tecnologia trouxe novos processos que as pessoas tinham que aprender e desenvolver, novas habilidades e novos ritmos. Então, a tecnologia que a princípio parece uma questão indiferente, não é, pois pode aumentar a disponibilidade do trabalhador para o trabalho. Com isso, podese dizer que a questão da tecnologia tem, sem dúvida, a ver com a intensificação do trabalho.

EC – Quem se beneficia da intensificação da produtividade e do ritmo dos trabalhadores?
Dal Rosso
– Se fossemos determinar a intensidade individualmente, cada um trabalharia no ritmo que consegue. Mas isso não é entregue à decisão individual, especialmente quando nos referimos aos processos de assalariamento. A decisão quanto à velocidade do trabalho é determinada por uma equação em que entra o empregador e o empregado. Então não está nas mãos do empregado tomar a decisão total sobre seu ritmo de trabalho. O empregador é quem vai dizer. Hoje em dia o termo que especifica mais isso é “administração por resultados”. Quem se beneficia disso são as empresas, os grandes negócios do mundo capitalista ou mesmo dos governos. Nitidamente isso está vinculado à característica do capitalismo contemporâneo, que não pode, mas tenta, aumentar a jornada de trabalho, ele obedece a Lei, mas aumenta o resultado. Costuma-se dizer que a porosidade do trabalho vai diminuindo, os tempos livres para descanso vão diminuindo.

EC – O capitalismo levado ao extremo pode ser o grande culpado da intensificação?
Dal Rosso
– Claro que sim, o objetivo da intensificação do trabalho é aumentar a produção de valores, que aumentam o ganho do capital. Isso ocorre a tal ponto que, em pesquisas empíricas, o que se observa é que essas mudanças organizacionais na administração da mão-de-obra, na reorganização da forma como as pessoas trabalham, começou especialmente em grandes negócios, empresas internacionais que conseguem processos de trabalho mais produtivos que correspondem, no meu entendimento, a um processo de trabalho mais intensificado. No caso do Brasil, isso sempre vem de fora do país. Atualmente em âmbito internacional, o modelo toyotista, da empresa Toyota, é o sistema mais bem sucedido. O modelo toyotista usa o trabalho com muita eficiência, algumas das suas características são concentração de atividades no mesmo trabalhador e um sentido de trabalho em equipe. Na medida em que no trabalho em equipe cada indivíduo não pode ficar para traz daquilo que a média da equipe faz. É um sistema que puxa para cima o desempenho do trabalho. No ano passado, a Toyota foi a empresa que mais vendeu internacionalmente. Não sei o que vai acontecer a partir da crise econômica, mas a eficiência sob ponto de vista capitalista foi demonstrada. E quando uma empresa consegue desenvolver um modelo com mais resultado, as outras vão atrás a tal ponto que se forma uma onda de intensificação do trabalho que se espalha para outros setores.

EC – No Brasil, a Educação Superior cada vez mais coloca profissionais no mercado e muitos estão desempregados. Não estaria o Brasil formando mais que o necessário no topo, sem se preocupar com a base (EnsinoFundamental e Médio de qualidade)?
Dal Rosso
– Isso é muito interessante porque os países da América Latina, que em geral são mais pobres que o Brasil, têm uma proporção do número de estudantes universitários muito maior que o Brasil. Aqui temos cerca de 10% a 12% de estudantes universitários entre 20 e 24 anos, contra 15% a 20% no restante do continente. E isso aumenta muito quando comparamos
com o Canadá, EUA e Europa. Isso mostra que a gente tem que ter uma preocupação com a questão do nível superior também, e isso não atua contra o Ensino Básico em termos comparativos.

Em termos de formação, é o pessoal do Ensino Superior que atua na Educação Básica, então é importante ter bons professores universitários para termos bons professores de Ensinos Médio e Fundamental. Nos últimos anos, o Brasil conseguir matricular quase todas as crianças em escolas, é um momento ímpar de nossa história, apesar da precariedade das instituições públicas. Acredito que isso é uma tendência e um fato muito importante, pois poderemos trabalhar sobre a questão da qualidade. E isso exige também um bom sistema universitário. Não necessariamente um sistema privado, pois acho que nós temos que aumentar a proporção de instituições públicas de Ensino Superior.

EC – O senhor acredita no fim da carteira de trabalho?
Dal Rosso
– Em geral estas questões vêm sendo levantadas junto com ideias de flexibilização do trabalho. Mas essa ideia de trabalho flexível funciona muito para as empresas e menos para o trabalhador. É claro que as professoras e professores que têm filhos, por exemplo, se pudessem chegar na escola em horários diferentes ou sair um dia mais cedo e compensar em outro horário, todos gostariam, mas essa ideia da flexibilidade passa pela ideia de gestão do trabalho em relação àquilo que a empresa requer. Portanto, se a estratégia das empresas for trabalho flexível isso pode gerar também maior dedicação ao consumidor, mais tempo de portas abertas para os clientes e assim por diante. Eu diria que essa ideia deve ser olhada com um lado bastante crítico. Seria um avanço, mas as empresas não estão pensando no trabalhador e suas necessidades, elas estão pensando na flexibilidade que elas precisam para atrair clientes e vender seus serviços. Além disso, exigiria inclusive alterações em leis trabalhistas, por isso não me pronuncio a favor.

EC – O Dieese divulgou recentemente que 77% dos trabalhadores receberam reajuste igual ou superior ao INPC em 2008 e conclui que a crise econômica não teve impactos nas negociações salariais. Qual a sua análise?
Dal Rosso
– Isso pode ser um efeito demorado no tempo, pois o efeito da crise demora para se projetar. Acredito que a crise em algum momento vai trazer arroxo salarial. Especulando um pouco, até agora no serviço público federal mantiveram-se os reajustes, mas se a crise continuar mais um pouco não sei se vão permanecer ou se vamos voltar aos anos 90, quando era muito difícil conseguir um reajuste. Avalio que a crise sócio-econômica mundial não terminou, seus efeitos não se projetaram no total, mas ela já teve impactos internacionais fantásticos: aumentou o desemprego dramaticamente, o índice norteamericano está quase igual ao do Brasil, segundo o IBGE, na casa dos 10%. Mas muitos impactos ainda não se fizeram sentir localmente, então vejo isso como uma possibilidade de explicação e acho que seria prematuro assumir que a crise e seus efeitos já tenham cessado.

EC – Em pesquisa recente do Sinpro/RS, foi comprovada a carga elástica e excessiva de trabalho extraclasse que o professor do ensino privado está submetido. Como o senhor avalia esse cenário?
Dal Rosso
– Olhando pela esfera federal das universidades e de algumas estaduais que conheço, ele vem aumentado. No contexto da Educação Superior é notório que decisões relativas aos programas de pós-graduação elevam a intensificação quando reduzem o tempo de conclusão das disciplinas e aumentam as exigências em termos de publicações. Quando a gente passa ao contexto dos professores de Ensino Básico, coisas semelhantes acontecem quando vemos o aumento do número de estudantes em sala de aula. Se o professor trabalhava com 15 alunos e agora com a mesma jornada tem que trabalhar com 20, obviamente está se exigindo mais resultados dele. Nas minhas pesquisas aqui no Distrito Federal, o índice de intensificação também foi bastante grande no ensino privado. As pessoas vão resistindo à intensificação do trabalho à medida que podem. Há certas estratégias individuais ou coletivas, mas chega um momento que elas não dão mais conta da pressão, e isso conduz a que comecem a aparecer problemas de saúde individual e coletiva.

EC – A contratação por hora-aula pode ser um dos problemas enfrentados pelos professores para a conquista de mais direitos?
Dal Rosso
– A contratação por hora-aula é uma pressão sobre o professor, quase como um aguilhão para produzir muito. Para os empregadores, é uma forma de eles terem menores gastos, menor envolvimento e terem nas mãos um controle de rédeas curtas dos professores. A hora-aula é um mecanismo terrível que fica como uma espada sobre a cabeça da gente.

EC – O senhor acredita na redução da jornada de trabalho no Brasil como uma saída para reduzir desemprego e melhorar as conquistas dos trabalhadores?
Dal Rosso
– A reivindicação da redução da jornada tem dois objetivos: reduzir desemprego e tornar a vida do trabalho um pouco mais suportável. Eu acredito que a redução da jornada está a um passo de ser conseguida e acho que seria um avanço muito importante porque unificaria o setor público e privado. Não há porque o setor público trabalhar 40 horas e o privado 44 horas. Ainda que não produzisse mais empregos, pois segundo um estudo meu da década de 80, o impacto sobre a questão do emprego é relativamente pequeno. Mesmo assim, eu acho que seria um grande avanço para a qualidade de vida no trabalho.

EC – E possível falar hoje em grandes diferenças entre a classe operária e a classe média, diante da pressão e excesso de trabalho a que todos estão submetidos?
Dal Rosso
– Vejo que no mundo das empresas privadas depende de onde elas atuam: mercado internacional, nacional, regional ou local. Quanto mais as empresas operam em mercados maiores começam exigir cada vez mais esforços dos seus trabalhadores, mais resultados, os processos de trabalho vão sendo reorganizados, reformados. As diferenças não se colocam em termos de formação, mas onde as pessoas estão operando naquele setor. A própria senhora do cafezinho que atua num grande banco, é muito pressionada. O mesmo acontece com os professores, se ele trabalha na Educação Infantil, Ensinos Fundamental, Médio ou Superior, não tem muitas diferenças. Aqui em Brasília já estão falando que está se usando o método toyotista nas escolas em função das exigências de resultados e polivalência cobrada do professor. O docente tem que preparar aulas, fazer trabalhos, provas, corrigir, ser orientador, fazer marketing, pois se os alunos vão embora você perde o emprego, e então a hora-aula funciona como uma espada na cabeça do professor.

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