POLÍTICA

A promessa que evaporou no ar

Depois de um forte lobby político em Brasília, produtores do Rio Grande do Sul conseguiram incluir o estado no zoneamento agroecológico da cana-de-açúcar, concluído em abril pelo Ministério da Agricultura
Por Naira Hofmeister / Publicado em 17 de junho de 2009

Cana-de-açúcar é planta tropical e não aguenta frio e geada. O maior problema para cultivar canaviais no território gaúcho está se tornando mito graças à pesquisa científica da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Em parceria com Emater, Fepagro, universidades de Santa Maria e Pelotas e Rede Interestadual de Desenvolvimento do Setor Sucroalcooleiro (Ridesa), a Embrapa está promovendo melhoramento genético em sementes de cana. Já foram produzidos 200 clones e 90 estão entre os pré-selecionados a serem distribuídos para produtores locais.

“O Rio Grande do Sul tem restrições, mas pode ser cultivado e estamos consolidando esses resultados”, comemora o professor da UFPR Edelclaiton Daros, que presta consultoria aos órgãos agrícolas do Rio Grande do Sul.

O projeto foi um dos responsáveis pela inclusão do estado no zoneamento agroecológico da cana-de-açúcar, apresentado publicamente em abril pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa).

Foi preciso pressionar os técnicos de Brasília e não faltou disposição. Pudera, a recompensa era a possibilidade de participar de um mercado que vai mais do que dobrar nos próximos dez anos. “O aquecimento global está forçando a busca por fontes energéticas renováveis”, observa o engenheiro da CEEE, Gilberto Capeletto.

O faturamento anual bruto do setor sucro-energético brasileiro já é de US$ 20 bilhões – mais da metade disso graças à produção de etanol. E a perspectiva é que a produção salte dos atuais 25 bilhões de litros para 59 bilhões de litros até 2019. “É uma oportunidade única”, entusiasma-se o especialista da Emater no assunto, Alencar Paulo Rugeri. No entanto, ele não esconde certa desconfiança: “Se não aproveitarmos é por incompetência”.

Alencar tem razões para a suspeita já que apesar de existir demanda interna, há pouquíssimos canaviais no estado. A maioria é remanescente do Pro-Álcool e tem produtividade muito abaixo do necessário para o cultivo comercial. Os canaviais competitivos são insignificantes 1% da produção brasileira de etanol.

O Rio Grande do Sul gasta mais de R$ 1 bilhão por ano comprando álcool de outros estados da federação. “Importamos 90% do etanol e 100% do açúcar consumidos no estado”, critica Capeletto.

Esses números vão aumentar consideravelmente com o início das atividades da planta de plástico verde da Braskem, em Triunfo. É a primeira empresa no mundo a produzir eteno a partir da cana-deaçúcar, um investimento que chega a R$ 500 milhões. Para produzir as 200 mil toneladas por ano de eteno e polietileno, são necessários 400 milhões de litros de etanol.

Somados aos 700 milhões de litros de álcool combustível que devem ser consumidos nos carros flex, chega-se a 1 bilhão e 200 mil litros de etanol. “É um mercado consolidado, não é preciso buscar a venda”, anima-se Alencar.

Cultura sobrevive a estiagens

Mais de 1/3 – 182 dos 496 municípios – do território gaúcho está apto a cultivar canaviais segundo o estudo produzido pelo Mapa. “É uma área muito representativa”, avalia Alencar.

As melhores condições climáticas são da região Noroeste, no chamado Vale do Rio Uruguai. É uma feliz coincidência já que os solos dessa área não servem às culturas mais tradicionais gaúchas, a soja e o milho. A proposta da Emater é justamente substituir as lavouras, que por não possuírem a produtividade adequada, puxam o preço das commodities para baixo e prejudicam a comercialização. “Há um milhão de hectares de soja plantados inadequadamente”, revela o técnico.

A diversificação das culturas deixa os agricultores menos reféns do clima – e dos já comuns períodos de estiagem. “A cana possui raízes profundas e um período vegetativo de 180 dias, o que lhe confere boa estabilidade mesmo sem chuva”, garante Alencar.

Além disso, é uma cultura semiperene, que pode ser cultivada alternadamente com outras plantas. A rotatividade preserva o solo do desgaste de nutrientes. Além disso, como qualquer outra árvore, a cana absorve gás carbônico, o vilão do aquecimento global. “É importante desmistificar. A cana é benéfica para o meio ambiente”, defende o professor da UFPR, Edelclaiton Daros.

À espera de um projeto

Todo esse cenário promissor pode ruir caso o governo do estado não intensifique as ações para desenvolver a produção e – fundamentalmente, a industrialização da cana. “Se não tiver dinheiro girando, ninguém produz”, sentencia Alencar.

Já existe um projeto chamado RS Energia para Investidores, ligado aos Programas Estruturantes da governadora Yeda Crusius que, através de linhas de crédito do BNDES, vai lançar no mercado cerca de R$ 2 bilhões por ano para a produção de energia renovável das mais diversas fontes: eólicas, hidrelétricas e térmicas de biomassa, além dos biocombustíveis.

Também estão previstas concessão de áreas para instalação de usinas e montagem de infraestrutura, como abertura de acessos e pequenas estradas. E o governo do estado promete reduzir o ICMS para a aquisição de máquinas e equipamentos produzidos no Rio Grande do Sul.

Mas entre a ação do governo e o ideal pregado pelos técnicos há um vácuo. Os especialistas no tema garantem que o Rio Grande do Sul não pode copiar o modelo paulista de produção, baseado em grandes extensões de terra e usinas com alta capacidade de geração de energia. “Pelas peculiaridades do sistema fundiário do RS, deve-se evitar o incentivo à monocultura e pequenas usinas devem ser priorizadas”, sublinha um estudo preliminar executado pelos engenheiros da CEEE cujo objetivo era tornar o Rio Grande do Sul autossuficiente em álcool em dez anos.

Para atingir esse patamar a proposta era que o estado entrasse como avalizador de negócios que envolvessem a produção de 100 mil litros de álcool por dia. O custo de cada usina seria aproximadamente R$ 10 milhões. “É difícil um agricultor ou mesmo uma cooperativa conseguir um financiamento desses, mas para uma estatal não seria problema”, sugere Capeletto.

O governo, no entanto, espera que os empresários tragam o capital de giro. “O projeto de implantação de agroindústrias não está implementado por falta de empreendedores dispostos a investir”, revela o coordenador da assessoria técnica da Secretaria de Infra Estrutura e Logística, Edmundo Fernandes da Silva.

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