A “guerra civil” em curso no RS
No dia 26 de fevereiro, o jornal Zero Hora publicou um artigo do diretor teatral Luciano Alabarse, onde o mesmo se diz farto do “clima de guerra civil” que estaria em curso no Rio Grande do Sul. “Praticamente todos os dias, um governo politicamente inábil bate de frente com uma oposição intransigente, acusações sem provas contra nossas autoridades fazem parte do nosso cotidiano há meses (…) Estamos mais interessados em destruir o adversário político do que restaurar nossa dignidade estadual”, escreve Alabarse.
O argumento não é novo. A indignação expressa pelo diretor teatral não faz nada mais do que repetir o discurso utilizado por Germano Rigotto (PMDB), na campanha eleitoral de 2002, e por Yeda Crusius (PSDB), na campanha eleitoral de 2006. “Chega de guerra!”, “Vamos nos unir em defesa do Rio Grande!”, “É hora de pacificar o estado, fazer um pacto pelo Rio Grande” são algumas das palavras de ordem que animam esse discurso. Curiosamente, ele passou a ser empregado com frequência somente após o governo do petista Olívio Dutra. Aparentemente, só houve guerra justa no estado quando o PT esteve no governo do estado e na prefeitura da capital. Passado esse período sombrio, a palavra de ordem reiterada passou a ser “pacificar o estado”.
A indignação expressa por Alabarse, que se apresenta como um “gaúcho, simplesmente”, anda de mãos dadas com uma memória cuidadosamente seletiva na hora de apontar os responsáveis pela “guerra civil” que estaria em curso no estado. O diretor teatral deixou alguns personagens e algumas narrativas fora de sua peça. Para refrescar a memória de todos, cabe recordar o que disse o Ministério Público Federal sobre o “clima de guerra civil que assola o RS”:
“No período compreendido entre os anos de 2003, em data não precisa, mas por volta do mês de junho, até o mês de novembro do ano de 2007, precipuamente no Município de Santa Maria, mas também na Capital do Estado, os denunciados associaram-se em quadrilha ou bando para o fim de cometer diversos crimes, dentre os quais peculato-desvio, corrupção passiva, falsidade ideológica, corrupção ativa qualificada, indevida dispensa de licitação, contra a ordem tributária e locupletamento em dispensa de licitação.
Os denunciados compuseram organização criminosa que operou no estado do Rio Grande do Sul voltada à prática de diversos delitos de ‘colarinho branco’. A ‘societas delinquentium’ restou formada pela associação perene e estável dos denunciados, integrantes de diferentes núcleos estatais e diversas esferas privadas, no objetivo consciente e deliberado de perpetrar, continuadamente, sob diversas formas e com a máxima lucratividade possível, as condutas penalmente típicas apuradas em face da Administração Pública e do Erário. O agir do grupo enquadrase no conceito de organização criminosa da Lei nº 9.034/1995, estando presente a hierarquia da associação delitiva, o intuito lucrativo, gestão empresarial das negociatas criminosas, destruição de provas, omissão de rendimentos, corrupção do tecido social, inserção estatal ilegítima e blindagem patrimonial.
A quadrilha estabeleceu verdadeiro bureau do crime, utilizando-se, de forma fraudulenta, da possibilidade de dispensa de licitação para contratação de fundações de apoio, bem como de prestígios políticos de seus integrantes para o estabelecimento e manutenção dos intensos contatos com gestores públicos – para quem ‘vendiam’ a fraude e dos quais dependiam decisivamente para a consecução da sangria do Erário.”
Em curso, uma notável inversão de valores
O sr. Luciano Alabarse não julgou adequado escrever um artigo manifestando sua indignação sobre os fatos relatados acima. Levando em conta a denúncia do Ministério Público Federal parece mais correto dizer que, se há uma guerra civil no Rio Grande do Sul, ela se dá entre instituições republicanas que estão exercendo seu papel de defesa do patrimônio público e grupos acusados de saqueá-lo.
Por essa razão, a “denúncia” acerca da existência de uma deplorável “guerra civil” que estaria em curso no estado soa estranhíssima. Poucas vezes na história do Rio Grande do Sul, crimes contra a administração pública foram tão detalhados como os expostos pelas investigações da Polícia Federal e do Ministério Público Federal. Soa estranho também porque faz eco às palavras da própria governadora Yeda Crusius, que já se referiu a essas investigações como “a famigerada Operação Rodin”. Assim, o que estaria em curso, na verdade, seria uma notável inversão de valores: os investigadores passam a ser acusados de “famigerados”e “intolerantes”; e a defesa do patrimônio público, classificada como uma “guerra civil”.
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