GERAL

Especialistas analisam o resultado das eleições

Os especialistas afirmam que a opção do eleitorado em conceder segundos mandatos aos governantes não ocorre por indiferença ou baixo grau de consciência política. O conservadorismo se daria muito mais pelo
Por Flávia Bemfica / Publicado em 23 de novembro de 2008

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O segundo turno das eleições municipais de 2008 endossou o que foi predominante no primeiro turno dos pleitos: a forte tendência do voto pela reeleição. Entre as três cidades que tiveram segundo turno no Rio Grande do Sul, duas reelegeram os prefeitos. Porto Alegre concedeu mais quatro anos a José Fogaça, do PMDB, desconsiderando a grande possibilidade de ele vir a disputar uma vaga ao Senado ou ao governo do Estado em 2010. Pelotas votou mais um mandato para Fetter Júnior (PP), que em 2004 elegeu-se vice na chapa encabeçada por Bernardo de Souza (PPS) e assumiu a prefeitura em 2006, quando Bernardo afastou-se por motivos de saúde. A exceção foi Canoas, onde Jairo Jorge (PT) venceu o atual vice-prefeito, Jurandir Maciel (PTB), e o principal candidato da situação, Nedy Vargas (PMDB), apoiado pelo prefeito Marcos Ronchetti (PSDB), não alcançou o segundo turno. A opção por Jairo, contudo, ocorre depois de Ronchetti ter sido reeleito em 2004 no primeiro turno, com 70,13% da preferência dos eleitores, e a administração municipal – e parte de seus integrantes – terem recentemente se transformado em alvo de investigações do Ministério Público Federal (MPF), da Controladoria Geral da União (CGU) e da Polícia Federal (PF), a partir de indícios de fraudes em obras ou serviços prestados nas áreas da Educação, Saneamento Básico e Saúde.

A vitória da reeleição se deu independentemente do partido dos candidatos ou do tamanho dos municípios, mesmo que, entre os dez maiores colégios eleitorais (Porto Alegre, Caxias do Sul, Pelotas, Canoas, Santa Maria, São Leopoldo, Novo Hamburgo, Rio Grande, Viamão e Alvorada), seis tenham reeleito os atuais chefes do Executivo. Em Rio Grande não houve reeleição, mas o prefeito eleito é Fábio Branco (PMDB) primo do atual, Janir Branco, que, nas eleições de 2004, concorreu no lugar Fábio. Este então disputava a reeleição, mas teve a candidatura cassada e renunciou. Levantamento da Federação das Associações dos Municípios (Famurs) aponta que em 184 das 268 cidades gaúchas onde estavam na disputa, os prefeitos se reelegeram. A tendência é nacional. Conforme os dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), 67% dos prefeitos brasileiros que disputaram a reeleição em 2008 obtiveram sucesso no primeiro turno. Considerando-se apenas as capitais, 20 prefeitos tentaram o feito: 13 se reelegeram em primeiro turno e, dos sete que foram para o segundo, seis obtiveram sucesso também. A exceção foi o prefeito de Manaus, Serafim Corrêa (PSB), derrotado por Amazonino Mendes (PTB).

A opção não é ideológica

Na tentativa de detalhar a tendência, especialistas e cientistas políticos rechaçam a argumentação de que o eleitor fica propenso a conceder um segundo mandato aos atuais governantes por indiferença ou baixo grau de consciência política. “Se colocarmos conservadorismo como o fato de o eleitor inclinar-se a conservar as coisas como estão, acredito que podemos dizer que sim, ele existe. Mas não se trata de posição ideológica. O eleitor tende a se afastar do risco, ou seja, tende a não trocar o certo pelo duvidoso. Então, há conservadorismo, mas não despolitização. O eleitor opta, sabe que é uma questão de escolha e que a escolha tem muito de simpatia e empatia”, defende o professor Fernando Lattman-Weltman, do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) da Fundação Getúlio Vargas (FGV) no Rio de Janeiro.

Doutor em Ciência Política e com pesquisas nas áreas de Pensamento Social e Político Brasileiro e História do Brasil República, Weltman diz que são diversos os motivos que levam os eleitores a conceder um segundo mandato a detentores de cargos executivos, e eles incluem um grau aceitável de satisfação com o desempenho do político que tenta a reeleição, a necessidade de acreditarem que de fato os prefeitos precisam de mais tempo para concluir seus projetos ou, até, insegurança. Em relação ao propalado baixo grau de consciência política e falta de informação, ele é taxativo. “Nada garante que a escolha de uma pessoa que detém mais informações é melhor que aquela de quem detém menos. Esta é a legitimidade da democracia. Trata-se de algo muito relativo saber que informação o eleitor quer e precisa para fazer sua escolha e o que prioriza na hora de escolher. Esta idéia de que a população está à margem é perigosa do ponto de vista político. Daqui a pouco se pode chegar à conclusão de que o povo não sabe votar e que por isso não precisa votar, ou seja, meia dúzia de sabichões resolvem o assunto”.

O professor David Fleischer, do Instituto de Ciência Política (Ipol) da Universidade de Brasília (UnB), concorda que as eleições deste ano indicaram uma posição favorável à manutenção do status quo. “O eleitor é conservador, mas depende muito da cidade”, ressalva. Fleischer, cientista político norte-americano naturalizado brasileiro, que durante as últimas décadas se debruçou sobre os temas das eleições, do sistema político e dos partidos brasileiros e da corrupção, está entre os que consideram que o ambiente econômico favorável pré-crise financeira mundial ajudou na reeleição de prefeitos por todo o país. “Foi um fator que transcendeu a situação política e muitos pegaram carona”, completa. Quanto ao grau de politização e de acesso à informação do eleitor médio, o professor assinala que pode ser classificado como razoável, e chama a atenção para uma diferença entre a escolha de candidatos municipais e os estaduais ou federais. “Nos pleitos municipais a informação é mais de comunicação pessoal, boca a boca. Já nos demais a informação que chega pelos meios de comunicação conta bastante”.

Um terço dos “ficha-suja” foram eleitos

Se são razoáveis os graus de informação e politização dos eleitores brasileiros, como explicar então o fato de que, nas últimas eleições, apesar de a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) ter divulgado a lista dos chamados candidatos ficha-suja, um terço dos 127 candidatos a prefeito e vice incluídos na lista tenham sido eleitos ainda no primeiro turno e outros 13 chegassem ao segundo, entre eles Gilberto Kassab em São Paulo e Dario Berger em Florianópolis? Entre os candidatos a vagas nas Câmaras Municipais de 19 capitais, conforme dados da ONG Transparência Brasil, metade dos 75 que tinham seu nome na lista mantiveram o mandato. “No fator rejeição, o envolvimento do candidato com denúncias de corrupção pesa muito, mas acontece que vivemos hoje em um momento de banalização destas denúncias. Aí todo mundo empata e a lista de fichas sujas acaba não se constituindo em um diferenciador”, responde o cientista político e professor Antonio Lassance. Doutorando em Ciência Política na UnB, ele destaca que a responsabilidade sobre a impugnação de candidatos com pendências é do Judiciário, que deveria ser mais célere no julgamento dos processos. “No fundo esse procedimento acaba desviando o foco porque o eleitor, na maior parte das vezes, não tem elementos suficientes para julgar se o candidato é ou não corrupto”, avalia.

Em relação à reeleição, os estudos realizados pelo professor indicam que a tendência possui outras razões além do momento econômico ou o conservadorismo do eleitor. No ano passado ele defendeu na UnB sua dissertação de mestrado, intitulada Bases da Política Brasileira: um estudo das reeleições nos municípios. O estudo concluiu que políticos identificados com a melhoria dos instrumentos da gestão pública apresentam os mesmos índices de continuidade no cargo de candidatos que mantiveram ou pioraram a gestão. O que aparece com um grande peso na manutenção do cargo é o partido do prefeito, acima de sua eficiência como gestor. Um ponto de partida para lá de interessante na discussão a respeito da fragilidade das legendas partidárias no Brasil.

Para o trabalho, Lassance analisou 240 variáveis, referentes a 5,5 mil municípios, usando como fontes a Base de Informações Municipais e as Pesquisas de Informações Básicas Municipais (Munic) do IBGE, além dos dados das eleições municipais de 1996, 2000 e 2004 do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Apurou que nas eleições de 2000 e 2004 a porcentagem de reeleição foi de 18,3% para os políticos com melhores índices de gestão, e de 18,73% para aqueles com índices regulares ou ruins. Ao mesmo tempo, os reeleitos tiveram em comum o fato de pertencerem a grandes partidos. “Os quatro grandes são PMDB, PT, PSDB e DEM. Eles possuem uma estabilidade no que denomino de taxa de sucesso em reeleições. E ela é altíssima, na ordem de 70% ou mais”, destaca. Segundo ele, com os chamados partidos nanicos ocorre o contrário, e a taxa de fracasso em tentativas de reeleição é que é próxima de 100%. “A escuderia te dá uma estrutura que o nanico não tem. Esta estrutura inclui fundo partidário e horário na propaganda eleitoral gratuita. Além disso, os grandes em geral fazem acertos estaduais, formando alianças em dobradinhas diferentes. O prefeito tem mais força para puxar o apoio do governo, do presidente da República… Isso tudo faz muita diferença”, garante.

O peso da campanha é determinante

Conforme o cientista político Antonio Lassance, na hora de votar o eleitor acaba sabendo discernir entre quem é mais forte e quem é mais fraco na conquista dos recursos, quem tem melhor trânsito, até porque na atuação partidária e nas campanhas isto fica muito evidente. Por isso, o peso de uma grande sigla acaba sendo determinante. “Não precisa ter feito uma administração excelente. Se fez de razoável para boa já está ok, porque a primeira pergunta que o eleitor se faz é: vale mais a pena manter ou trocar? Não dá para esquecer também que os candidatos que já são prefeitos têm uma maior exposição. Até os adversários falam muito o nome deles”.

Se novos estudos vierem a ser feitos levando em conta os números das eleições de 2008, já há muito para se pensar. Além de o índice de reeleição de prefeitos ter aumentado, o PMDB foi o partido que conquistou o maior número de prefeituras no país (1.201 ao todo) e também o que obteve o maior número de votos (22.922.343). Assim como o PDT, em termos de número de prefeitos, cresceu pouco mais de 12% na comparação com os resultados obtidos nas eleições de 2004. Ainda em número de prefeituras, obteve quase que o dobro daquelas conquistadas pelo PT (que ficou à frente de 559 cidades, atrás também do PSDB, que obteve 786). Mas apesar de numericamente estar em terceiro lugar no ranking nacional de número de prefeitos, o partido do presidente Lula apresentou um crescimento que deixou todas as outras siglas bem para trás. O PT, na comparação com 2004, cresceu 35%. Em número de votos – 21.688.633 –, superou o PSDB (16.030.175). Apesar do expressivo número de prefeituras, o PSDB, assim como o DEM, encolheu. O PSDB havia obtido 879 prefeituras em 2004. O DEM, que a partir de 2009 estará à frente de 500 cidades, em 2004 havia conseguido 789. Outras grandes siglas, como o PP e o PTB praticamente não saíram do lugar, encolhendo ou crescendo de forma insignificante. Quando são consideradas as 79 principais cidades do país – além das 26 capitais as 53 que possuem mais de 200 mil eleitores, e que, juntas, abrigam 46% do eleitorado do Brasil – PT e PMDB também estão à frente. O primeiro ficou com 21 dos 79 prefeitos e o segundo com 17.

 

No estado 67% dos prefeitos se reelegeram

No caso específico do Rio Grande do Sul, nas campanhas políticas e também fora delas, o que seria o alto grau de politização do eleitorado gaúcho está sempre em destaque. Estado dos pluralismos, das identidades bem marcadas, das oposições e da democracia são alguns dos termos em alta durante as eleições. Pois o resultado dos pleitos, na avaliação de cientistas e analistas políticos, mais uma vez mostrou que o RS não só faz parte do Brasil, como repete tendências nacionais, vide números das reeleições.

Os gaúchos não só reelegeram 67% de seus atuais prefeitos. Eles constituem ainda fortes bases de partidos como o PP e o PMDB, os mais tradicionais. O PP foi a legenda que fez o maior número de prefeitos no estado em 2008 (147), seguido de perto pelo PMDB (144, inclusive a capital). Em seguida, mas distante, vem o PDT, com 63 prefeitos, e em quarto lugar o PT, com 61. Na configuração da ocupação dos espaços pelos partidos é que é possível notar as diferenças regionais. Nacionalmente o PP, por exemplo, é o quarto colocado em número de prefeituras, atrás do PMDB, PSDB e PT, nesta ordem. Mesmo que tenha encolhido, no país o PSDB continua com fôlego de sobra enquanto que no RS praticamente não existe. Apesar de deter o governo do estado, fez 19 prefeitos nessas eleições.

Para a coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Ufrgs, Maria Izabel Noll, o alto índice de recondução de prefeitos aos cargos, dentro e fora do estado, está relacionado ao próprio mecanismo da reeleição. “Em praticamente todos os países que adotaram a reeleição, a tendência foi a de os políticos serem reconduzidos. Na França, inclusive, isto é uma característica e, como não há a limitação de número de mandatos, há prefeitos que permanecem por 20 ou 25 anos.” Em relação ao RS, contudo, a cientista política chama a atenção para o caso da capital.

Eleitores gaúchos na essência
são iguais aos outros

“Porto Alegre tem um posicionamento do eleitorado mais à esquerda. Durante o regime militar predominava o MDB, no início da abertura, o PDT, e a partir do final dos 80, o PT. Nas últimas eleições, o prefeito Fogaça também se apresentou como de esquerda. Mas a idéia da alternância no poder não sei se vale, porque, durante toda a República Velha, por exemplo, Porto Alegre teve apenas dois prefeitos. Eles se eternizaram aqui”, lembra. Mais recentemente, a cidade concedeu quatro mandatos consecutivos ao PT e, agora, pela primeira vez, reelege um prefeito.

Em relação às demais cidades, a professora destaca que em várias delas as eleições locais se caracterizam por uma presença muito grande das mesmas figuras políticas, o que se aguçou com a possibilidade da reeleição. “Além dessas características a gente ainda viu, neste último pleito, a instauração do discurso conciliador. O que caracteriza a política são justamente modelos que se contrapõem. Política é conflito definido, no qual a eleição é o seu tempo. O que foi construído foi uma idéia de que não se pode brigar, e logo no RS, onde se fala na característica do enfrentamento positivo”, assinala.

“Um candidato faz uso de uma estratégia despolitizada quando oculta ou quando não há discussão que envolva conflitos de interesses e de posições”, completa o cientista político Fernando Lattman-Weltman, da Fundação Getúlio Vargas. Para ele, os eleitores gaúchos possuem uma história muito própria, com identidade bem marcada, mas no essencial não são diferentes dos eleitores brasileiros. “O RS é mais partidarizado”, avalia o professor David Fleischer, da Universidade de Brasília.

Para o professor Benedito Tadeu Cesar, do Pós-Graduação em Ciência Política da Ufrgs, o estado possui uma tradição partidária anterior a de outros estados e, no passado, teve uma maior universalização do acesso à Educação, que ajudaram a formar a avaliação de que seus eleitores seriam mais politizados. “Este quadro não existe mais. O que temos é uma tradição de mais nitidez nos recortes ideológicos”, assinala. Ele detalha que, em ciência política, o grau de politização remete à cultura política que, por sua vez, é medida a partir do grau de adesão da população aos valores cívicos e democráticos. “Quanto maior o padrão de bem-estar social, que inclui, por exemplo, grau de escolaridade, qualidade do ensino, acesso à saúde pública e condições adequadas de moradia, maior a defesa da democracia e da igualdade social. Hoje, quando tratamos do RS, não é possível dizer que há um maior grau de politização”.

 

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