Enjaulados mostra o dia-a-dia dos presídios
O resultado deste relato está no livro Enjaulados – Presídios, Prisioneiro, Gangues e Comandos(Editora Gryphus). Sem entrar no mérito do crime, Negrini questiona, através de Aparecido, o sistema prisional brasileiro. O livro traz ainda dois textos: em um deles, o jornalista carioca Marcelo Auler explica como se deu o nascimento e a evolução das gangues e comandos no Rio de Janeiro. E o jornalista paulista Renato Lombardi descreve o surgimento e o crescimento das facções existentes em São Paulo. Um dos protetores de Aparecido era justamente Sombra, líder do Primeiro Comando da Capital (PCC), que foi assassinado: “As facções começaram para proteger os presos contra os abusos de outros presos e da diretoria dos presídios”, observa Negrini. O advogado salienta que não adianta mais a sociedade botar o “lixo” debaixo do tapete e fingir que não existe. “O Estado necessita repensar as prisões”, enfatiza. “Como ninguém pode ficar preso por mais de 30 anos, por maior que seja a soma de suas penas, os presos um dia voltam à liberdade – se tiverem conseguido chegar vivos ao final de sua estada na prisão. Com raríssimas exceções, voltarão para as ruas sempre piores do que eram quando entraram”. Aparecido virou motorista de Negrini. Muitos outros cedem à pressão e se envolvem com o crime novamente.
Mas o livro não sugere o fim das prisões – ao contrário, diz que inclusive os chamados “criminosos inteligentes” ou de colarinho branco causam mais danos financeiros ao país e também deveriam ser presos. “O critério de avaliação de periculosidade deve ser bem estudado pelos juristas que vão propor a aplicação de penas alternativas em substituição à aplicação de penas restritivas de liberdade, para que não deixem de ir para a prisão os criminosos inteligentes que não derramam sangue, mas que fazem morrer por desamparo as pessoas vítimas da falência do Estado para a qual aqueles criminosos contribuem”, afirma.
A solução, acredita o advogado, é dar aos presos condições de sobrevivência digna – e isso inclui trabalho – , sob uma vigilância armada feita por um corpo de profissionais especialmente preparados. Não se trata de dar-lhes “boa vida”, mas de tratá-los como seres humanos. Caso contrário, conclui Negrini, “a sociedade estará lavando as mãos e despendendo dinheiro para transformar os presos em monstros, com os quais terá que novamente conviver”.
Confira alguns trechos da obra
“As visitas íntimas têm início por volta de onze e meia, se o carcereiro for legal, e por volta de meiodia se o carcereiro for “carniça” ou “sujo” e ficar enrolando o máximo só para “sacanear”. Na hora certa, os presos já ficam de pé, com os braços nos ombros de suas mulheres, esperando abrir as portas de acesso aos corredores que vão para as celas. Parece fila em porta de shopping center em dia de liquidação. São cerca de 200 casais, prontos para entrar nos corredores e nas celas. (…)
Os “come quieto” têm 90cm de largura por 2m de comprimento e 1m50cm de altura. De um lado, eles têm a parede, de outro, uma cortina feita de lençol escuro amarrado no alto da cabeceira e no alto do pé da cama. Se o lençol for branco ele é tingido com Kisuco.
Os treliches, no total 12 camas, são de concreto armado, não havendo perigo de desabamento. Mas há perigo de quedas, já tendo ocorrido casos em que pessoas quebraram braços, bacias e costelas.
(…) As transas ocorrem em relativo silêncio. Os homens não podem fazer qualquer ruído, mas às mulheres é permitido deixar escapar algum. Há mulheres que não conseguem fazer amor quietas, às vezes até sem chorar. Havia uma que dava gargalhadas. O ambiente é respeitoso. O que se passa e se ouve ali, morre ali. A respiração de todos é ofegante. Todo mundo fica sabendo se os outros estão no pré-orgasmo ou no orgasmo. Também se escutam algumas reclamações: “o que está acontecendo, você arranjou alguma bicha aqui?” Também se ouve alguns homens dizendo “fala baixo, mulher”. Menstruação não é coisa que se respeite”.