EDUCAÇÃO

Universidade para ganhar dinheiro

Por Naira Hofmeister / Publicado em 26 de abril de 2008

Depois de quase um século de desenvolvimento do Ensino Superior voltado para a formação da elite brasileira, baseado nos modelos estatal e confessional, universidades tradicionais se confrontam com a estratégia empresarial de faculdades como a Anhanguera, que recentemente adquiriu cinco unidades no Rio Grande do Sul.

A chegada do grupo Anhanguera ao Rio Grande do Sul em setembro de 2007 marca definitivamente o ingresso do estado numa nova fase de desenvolvimento do Ensino Superior. São instituições administradas segundo a lógica empresarial e cujo regente maior é o livre mercado.

Com aquisição, em fevereiro deste ano, das Faculdades Planalto, em Passo Fundo, o grupo Anhanguera atingiu a marca de 34 unidades espalhadas pela federação. Pelotas e Rio Grande também já possuem escolas operando.

“Ao final do ano de 2007, contávamos com mais de 92 mil alunos matriculados em nossas unidades, número mais de três vezes superior ao de dezembro de 2006. Nosso Lucro Líquido Ajustado foi mais de quatro vezes superior ao de 2006, atingindo R$ 63,5 milhões”, informa o mais recente relatório de resultados da instituição.

A expansão da Anhanguera é patrocinada pela oferta de ações na Bolsa de Valores. No dia 12 de março de 2007, a empresa abriu seu capital na Bovespa, atingindo o valor de R$ 512 milhões em captação.

“É assim que essas instituições crescem: tendo resultados positivos no mercado acionário e investindo em expansão”, explica o economista Gabriel Leal, diretor da XP Educação, empresa voltada à formação de investidores.

A exemplo da Anhanguera, a Estácio Participação e o grupo Kroton, ambos de São Paulo, estão listados na Bovespa. A Ulbra também ingressou no mercado financeiro em 2003, sendo a precursora na atividade. Comercializou R$ 205 milhões em debêntures, ou seja, títulos de uma dívida a ser paga aos compradores em 8 de janeiro de 2012.

“Nos Estados Unidos e na Europa, a Educação é naturalmente considerada um business. O Brasil está em rota de crescimento, o que tem tudo a ver com a consolidação desse mercado”, projeta Leal.

De fato, entre 1999 e 2006, o número de instituições de Ensino Superior privadas saltou de 27 para 92 no Rio Grande do Sul. A grande investida aconteceu nos anos iniciais do século 21, sob a gestão do ministro Paulo Renato de Souza, que liberou concessões sem a necessidade da abertura de escolas.

“Os governos Collor e FHC não priorizaram a educação pública e deixaram que as privadas se desenvolvessem com rapidez”, rememora o professor da Feevale e do IPA, Gabriel Grabowski, que, além de lecionar, presta consultoria para faculdades em processo de expansão através da empresa Ephistheme Pesquisa e Planejamento.

Mas foi muito antes disso, no final da década de 1980, que a legislação brasileira se abriu aos investimentos em Educação. “A Constituição de 1988 permitiu a exploração comercial privada, que antes era estritamente sem fins lucrativos, através das confessionais e comunitárias”, resgata Grabowski.

A análise de uma pesquisa recentemente divulgada pelo Dieese mostra os reflexos dessas políticas. Segundo o estudo, o ano de 2002 marca o crescimento das instituições de ensino privadas com fins lucrativos no estado, que atingem um índice de 72%. No ano seguinte, o número de instituições aumentou em 52%, e em 2005, 37%.

“O crescimento em si não deveria ser ruim, pois teoricamente significa postos de trabalho para professores, oferta de vagas aos alunos e melhoria da qualidade de ensino em função da concorrência”, observa Ecléia Conforto, economista responsável pelo estudo.

O analista de mercados Gabriel Leal acredita que nos próximos 20 anos haverá intensificação no número de instituições privadas no estado. “Antes de haver fusões entre as empresas, as pequenas faculdades devem crescer ainda mais”, projeta.

O preço do crescimento

Convém observar que o público-alvo dessas novas instituições pertence a uma classe social que há alguns anos sequer tinha Ensino Médio completo. “A maioria de nossos alunos são jovens de média e média-baixa renda que trabalham durante o dia e estudam à noite, um segmento não atendido plenamente pelas instituições de Ensino Superior do Brasil”, relata um documento apresentado aos candidatos a acionistas da Anhanguera.

O relatório deixa claras as motivações das classes C e D quando ingressam no Ensino Superior: “aumentar perspectivas de desenvolvimento profissional” e, conseqüentemente, de renda.

“É óbvio que o nicho de mercado que se abre é o das classes populares. No Brasil, quem tem dinheiro já tem instrução. Essa é a principal transformação que trazem essas empresas”, acredita o economista Gabriel Leal, da XP Educação.

Mas um estudo conduzido pela Ephistheme Pesquisa e Planejamento, do professor Gabriel Grabowski, demonstra que essa parcela da população não suporta mensalidades acima de R$ 300,00. “Há 4,5 milhões de estudantes universitários no Brasil. Outros 2 milhões querem ingressar na faculdade mas não têm como pagar”, completa.

A economista Ecléia Conforto concorda que a fatia hoje ocupada pelas filantrópicas, comunitárias e confessionais está esgotada. “Mesmo a classe média hoje não tem mais como pagar R$ 1,5 ao mês por um curso de Administração”.

Por isso a opção de escolas como a Anhanguera é por mensalidades muito mais baratas, que variam entre os R$ 300,00 sugeridos por Grabowski e R$ 600,00. Mas qual a fórmula para manter o prometido “ensino de qualidade”, aliado à economia de recursos?

“Como têm que reduzir custos obrigatoriamente, promovem demissões para evitar planos de carreira, diminuem o valor da horaaula e aumentam o número de alunos por professor”, relata Ecléia. Cursos de dois anos de duração e recursos como educação a distância e matriz curricular também são comuns a essas instituições.

O resultado é previsível: baixa qualidade na formação dos alunos. “Me apresente um professor que consiga atender plenamente 80 alunos numa aula”, desafia Ecléia.

“Segundo essa lógica, o padrão educacional será ditado pelo mercado. E quando foi que um serviço entregue ao controle do livre mercado melhorou”?, alfineta Grabowski, referindo-se às privatizações dos governos neoliberais.

“Relatos de turmas com 120 ou 130 alunos são recorrentes em escolas cujos professores – inclusive com doutorado – recebem R$ 23,00 a hora-aula”, denuncia Amarildo Pedro Cenci, membro da Executiva da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee) e diretor do Sinpro/RS. A organização lançou recentemente a segunda fase da campanha “Comercializar estudantes é crime”, que critica o sistema de ensino com fins lucrativos.

Não é novidade que o brasileiro ainda encara a Educação como um custo e não um investimento. Atraídos pelos valores reduzidos dos cursos, alunos de baixa renda ajudam a engordar a carteira de clientes das faculdades.

“O investidor quer ver o resultado, que nesse caso é contabilizado também pelo número de unidades e de alunos”, exemplifica Gabriel Leal. Por isso, nas apresentações aos acionistas, a Anhanguera descreve assim a compra da Faplan: “Em 15 de fevereiro de 2008, a Companhia adquiriu a Sociedade Educacional Garra Ltda., mantenedora das Faculdades Planalto – Faplan. O valor pago pela Faplan foi de R$ 10,3 milhões. O número de alunos de Ensino Superior previsto pela Faplan para o primeiro semestre letivo de 2008 é de 2,5 mil alunos, o que representa um múltiplo por aluno de R$ 4,1 mil”.

“Quando a Educação vira um negócio de ações, tem seu objetivo desvirtuado. Educação deve ser tratada como bem público, não explorada comercialmente como um tênis ou um celular”, enfatiza Grabowski.

Oferta sem demanda

Para Gabriel Leal, o papel das empresas de Educação é preencher um espaço vazio na formação profissional que não foi suprido pelo poder público e que, agora, pode representar uma ameaça ao desenvolvimento do país. “Temos um Ensino Médio e Técnico muito fraco. Se o Brasil continuar a crescer 5% ou 6% ao ano, vai faltar mão-de-obra qualificada”, projeta.

A ampliação do número de vagas proporcionada por essas escolas acontece em áreas já densamente ocupadas, o Direito e a Administração. São cursos de manutenção pouco onerosa, que não dependem de investimentos em tecnologia ou laboratórios. Enquanto isso, sobram postos de trabalho em áreas técnicas. “O Brasil sofre com a carência de engenheiros. Petrobras, Gerdau e Vale não têm de onde tirar profissionais”, exemplifica Grabowski.

Para suprir a falta de escolas com foco nessas profissões, as maiores empresas brasileiras começaram a criar universidades próprias, caso da Petrobras e do Banco do Brasil.

Crise nas comunitárias

A formação acadêmica voltada para a necessidade local, tradicionalmente é papel cumprido pelas universidades comunitárias. “Uma instituição de Ensino Superior é mais do que procedimentos e pessoas. É o que possibilita experiências diversas com a comunidade”, defende Gilmar Antonio Bedin, reitor da Unijuí e presidente do Consórcio das Universidades Comunitárias Gaúchas (Comung).

Confessionais e comunitárias, durante anos se sustentaram através dos benefícios da filantropia. “É uma troca de impostos por serviços: em vez de repassarem ao governo, eles mesmas investiam em clínicas, escolas, atendimento à população carente”, relata Grabowski. São essas pequenas instituições as que devem sentir diretamente os efeitos dos novos concorrentes. “Recuamos nossa estrutura para atender um número reduzido de alunos”, lamenta Bedin.

A pesquisa do Dieese mostra que os professores estão migrando das instituições tradicionais para universidades recém-criadas ou adquiridas por grandes grupos do país. Entre 2005 e 2006, o número de docentes nas filantrópicas caiu 3,49%, ao passo que nas privadas comerciais cresceu 12,48%.

Bedin não se abate e garante que as comunitárias vão disputar a sua fatia do mercado. “Vamos nos adaptar ao novo ciclo”, aposta. A estratégia é direcionar as escolas para cursos de pós-graduação, pesquisa e desenvolvimento local. “Não vamos entrar em competição por preço, mas sim por qualidade”. A estratégia é apoiada por Grabowski. Ele acredita que as comunitárias devem servir à região à qual pertencem. “Essa vinculação submete as pequenas instituições a um controle social direto e as obriga a manter um alto patamar de qualidade”.

Terra estrangeira

Além da desqualificação dos cursos universitários, o alerta da Contee é para a inevitável presença de investidores estrangeiros nas instituições que abrem seus capitais na Bolsa de Valores. “É uma visão de mundo diferente, não necessariamente em sintonia com os interesses da nação”, avalia Cenci. Além da Contee, a União Nacional dos Estudantes (UNE) também é crítica ao processo de abertura de mercados. “É inaceitável a ingerência de especuladores estrangeiros nos assuntos educacionais do país”, alerta o site da entidade.

O controlador da Anhanguera, o Fundo de Educação para o Brasil — FIP, detém 78% das ações com direito a voto da empresa. “Tradicionalmente esses fundos são compostos por capital estrangeiro”, diz Leal.

As promessas de expansão agradaram os investidores internacionais. A surpreendente elevação dos papéis de R$ 17,00 para R$ 39,00 em poucos meses deixou o mercado eufórico. Agora, lentamente, o valor das ações da Anhanguera se estabilizam entre R$ 22,00 e R$ 24,00. “O que importa nesse mercado é cumprir o prometido. Para eles faturarem R$ 215 milhões no lançamento, a garantia não foi um projeto com meia dúzia de unidades”, pontua Leal.

E a expectativa foi tão bem suprida que no dia 10 de março a Anhanguera registrou o pedido para uma nova emissão de ações na Bolsa de Valores. Por isso, enfrenta o período de silêncio imposto pelo mercado e não pode fornecer nenhuma informação pública sobre seus negócios.

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