Escolas privadas profissionalizam gestão
Na edição de novembro, o Extra Classe mostrou como as escolas tradicionais gaúchas, especialmente as ligadas a instituições religiosas, estão conseguindo não apenas sobreviver, mas também expandir suas unidades em um mercado extremamente competitivo, que recebe o assédio de projetos educacionais de cunho exclusivamente comercial. São os casos do Centro de Ensino Pastor Dohms, Colégio Farroupilha, Colégio Senhor Bom Jesus e dos estabelecimentos de ensino São Francisco. O fenômeno é característico do Rio Grande do Sul – nos demais estados, as escolas confessionais, comunitárias e filantrópicas encontram maiores dificuldades para enfrentar a concorrência. Nesta reportagem, vamos mostrar como as instituições tradicionais estão alterando seus modelos de gestão, além de investir na divulgação de suas marcas e na profissionalização de seus gestores.
“Há cerca de três meses, a pedagoga Silvana Sartori mudou-se de mala e cuia de Curitiba para Porto Alegre. Assessora da Rede Educacional Bom Jesus, atualmente ela dá expediente no Colégio Sévigné, de onde comanda os processos de parceria e consultoria firmados pela instituição paranaense com vários colégios em território gaúcho. Pós-graduada em Administração Escolar pela UniFAE, do Paraná, Silvana tem o perfil de executiva na área da Educação, uma figura que cada vez ganha mais força dentro do novo modelo de gestão que está sendo adotado pelas escolas tradicionais do ensino privado. Elas correm contra o tempo para se adaptar às novas exigências do mercado, criadas a partir da proliferação de empresas educacionais de caráter prioritariamente comercial.
As mudanças que serão adotadas a partir de 2008 no Sévigné resultam da parceria entre a Associação Educacional São José (à qual pertence a escola localizada no centro de Porto Alegre) e a Rede Bom Jesus (ligada à Associação Franciscana de Ensino Senhor Bom Jesus), que tem sede em Curitiba e possui unidades nos estados de Santa Catarina, Paraná, São Paulo e Rio de Janeiro. Conforme Silvana, o objetivo é “compartilhar as experiências adquiridas durante mais de cem anos na Educação, o que significa unir aprendizados e retomar a caminhada de maneira a otimizar resultados”. Não por acaso, a parceria se estende à Escola de Ensino Médio São Luiz, também de Porto Alegre, e ao Colégio Santa Joana d’Arc, de Rio Grande, igualmente pertencentes à Associação São José.
“As escolas estão preocupadas com a unificação e a facilitação do processo administrativo, por meio do estabelecimento do trabalho em rede e parceria de colégios pertencentes a uma mesma congregação”, salienta Silvana. Sem entrar em detalhes, a representante da rede paranaense informa que, entre as alterações que serão postas em prática, destacam-se “o planejamento em rede com a unificação de ações pedagógicas e administrativas, o desenvolvimento de um programa de formação continuada em que os professores das três escolas possam trocar experiências, e a revisão e a adequação da proposta pedagógica e do regimento escolar”.
Engana-se quem pensa que a atuação da Rede de Ensino Bom Jesus no Rio Grande do Sul limita-se à parceria com a Associação São José. “Atualmente, estamos com parcerias em duas frentes – uma que presta assessoria pedagógica e administrativa, outra que faz somente consultoria administrativa”, explica Silvana. No último caso, enquadram-se os colégios Nossa Senhora Aparecida, de Venâncio Aires, e São Miguel, de Arroio do Meio, ambos ligados à Sociedade Sulina Divina Providência. Da mesma forma, a instituição do Paraná está prestando consultoria administrativa ao Colégio Bom Conselho, de Porto Alegre, mantido pela Congregação das Irmãs Franciscanas da Penitência e Caridade Cristã.
Vínculo religioso vira marca
Além de buscar consultorias ou parcerias para adaptar seus modelos administrativos à necessidade de maior competitividade no mercado, as escolas tradicionais se valem de um marketing agressivo para buscar novos alunos. Uma das estratégias é destacar nas ações de comunicação o vínculo com a instituição religiosa ou filantrópica. “Toda empresa, em qualquer atividade, tem que se modernizar. E quem tem um passado atrás de si precisa ter habilidade de fazer isso sem perder essa qualidade que é a tradição”, afirma Roberto Py, diretor do Colégio Farroupilha, de Porto Alegre, vinculado à Associação Beneficente e Educacional 1858. A pedagoga da Rede Bom Jesus concorda: “A marca passa a ser nos dias de hoje uma referência de estrutura sólida e de credibilidade”.
É o caso do Colégio Rosário, que incorporou recentemente a palavra “marista” ao nome. “Em todo o Brasil, os nossos colégios eram conhecidos como maristas, só no Rio Grande do Sul não tinham esse adjetivo no nome. Como a palavra ‘marista’ tem maior abrangência que Rosário, Assunção ou Ipanema (escolas que também fazem parte da congregação), achou-se por bem alinhar nossas escolas às demais do país para uma maior identificação”, explica o diretor do Rosário, Irmão Firmino Biazus. “O procedimento foi integralmente pensado e anexado como reforço da marca. Sem dúvida, a marca marista tem uma história de quase dois séculos de tradição e credibilidade em Educação. Sempre foi, e ainda é, um diferencial e uma referência”, completa ele. Esse ponto de vista se estende às demais escolas católicas. Conforme padre Guido Aloys, diretor do Colégio Anchieta, “a marca dos jesuítas está presente na própria História do Brasil e a pedagogia inaciana é nosso jeito de ensinar, cujos princípios vêm de nosso fundador, Santo Inácio de Loyola”.
Outra maneira de enfrentar a concorrência é investir na capacitação do setor administrativo. A Província Marista do Rio Grande do Sul, mantenedora de 21 escolas próprias (entre elas, o Rosário) e duas conveniadas no estado, oferece cursos a seus gestores pelo menos duas vezes por ano. “As escolas estão buscando aprimoramento em todos os segmentos. Naturalmente, esse processo passa também por investimentos em uma gestão mais moderna e adequada aos novos cenários”, reforça o diretor do Anchieta. A iniciativa é adotada pelo próprio Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino Privado, que disponibiliza atividades de capacitação aos seus conveniados. Entre elas, cursos, workshops, seminários e premiações a exemplo do Prêmio Destaque Sinepe/RS em Comunicação, que há cinco anos estimula as instituições de ensino a aprimorarem seus modelos de gestão para a obtenção de resultados mais eficientes nos processos comunicacionais. “A escola dita tradicional não deve ficar engessada em seus gloriosos tempos. Ela precisa se qualificar a partir de sua competência de gestão para sobreviver”, justifica Osvino Toillier, presidente do Sinepe/RS.
Pais resistem às mudanças
Ex-aluna e ex-professora do Colégio Sévigné, a pedagoga Liana Borges é uma das líderes do movimento Vamos Salvar o Sévigné, formado por pais de estudantes descontentes com as reformulações pedagógica e administrativa decorrentes da parceria com a Rede Bom Jesus. “As alterações comprometem a tradição de uma política pedagógica progressista e humanista. Diferente do Anchieta e do Rosário, escolas católicas que priorizam preparar o aluno para o vestibular e o mercado de trabalho, o Sévigné sempre se propôs a preparar para a vida”, explica Liana.
O movimento redigiu três cartas distribuídas na porta do colégio e recorreu à Arquidiocese de Porto Alegre, à Associação de Escolas Católicas (AEC) e às comissões de Educação da Assembléia Legislativa e da Câmara de Vereadores, que realizaram audiências públicas para debater a questão. Como não obtiveram sucesso, as famílias que participam do movimento pretendem transferir os filhos para outros estabelecimentos e não descartam buscar na Justiça reparo para os “danos morais e materiais” que alegam ter sofrido. “Quando você adquire um produto ou serviço, não cogita que haverá uma ruptura radical de uma hora para outra no que lhe é oferecido”, justifica Liana. Procurada pelo Extra Classe, a direção do Sévigné preferiu não se manifestar sobre as alterações que serão efetuadas no projeto pedagógico e no modelo de gestão da escola.