Escolas com irregularidades trabalhistas
A escola tem prédio próprio, piscina, laboratórios de informática e química. Amplos corredores e salas de aula espaçosas. Ambiente muito limpo. Na aparência é colégio de primeira categoria, mas basta escutar os ecos da sala dos professores para ver que a infraestrutura camufla desrespeito a docentes e até mesmo aos alunos. Em quatro escolas investigadas pela reportagem, as denúncias são idênticas. Nenhuma instituição cumpre com seus deveres trabalhistas. Contratam professores sem assinatura da Carteira de Trabalho, contabilizam menos horas-aulas do que deveriam, e não pagam salários em dia. Décimo-terceiro, adiantamento de férias, acordos coletivos, FGTS e verbas rescisórias também são ignorados.
Para aumentar verbas, oferecem cursos de Educação a Distância ou intensivos presenciais que, não raro, são embargados pelo Conselho Estadual de Educação. Para evitar as cobranças judiciais, recorrem a alterações na razão social da mantenedora, confundindo empregados e o próprio Ministério Público.
A desculpa repousa sobre dois fatores: a legislação aplicada pelo Conselho Estadual de Educação – tida como demasiado rígida – e a eterna justificativa da inadimplência dos alunos. “Eles já conhecem muito bem seus direitos. Sabem que a escola não pode proibir ninguém de freqüentar a sala de aula, ainda que não esteja em dia com o pagamento”, adverte Vanderlan Vitória Leite, sócio-diretor da Sociedade Educacional Professor Huberto Rohden, em Cachoeirinha.
Além do colégio Huberto Rohden, Cachoeirinha abriga outra instituição que acumula problemas com o corpo docente, o Instituto de Ensino Superior (IES). Em ambos os casos, as irregularidades começam na hora da contratação.
Escolas prometem mas não cumprem
“Prometem que vão assinar a carteira, pagar vale-transporte, dar suporte. Mas cada mês é uma briga para cobrar as dívidas passadas”, relata uma professora do IES que não recebeu nada desde o início do ano letivo. Ela relata que há professores que somam mais de R$ 10 mil em cobranças judiciais. A direção não quis se manifestar.
Outra coincidência entre IES e Rohden é o incremento dos problemas depois de uma mudança de endereço. Inicialmente espalhado em diversas salas alugadas, o IES atualmente aluga um prédio inteiro no centro da cidade. O inquilino anterior era a Prefeitura, que pagava aluguel de R$ 8 mil mensais.
“Antigamente, não constatávamos problemas de repasse”, alerta o professor José Carlos Radin, da Faculdade São Francisco de Barreiras (Fasb/Bahia). A instituição de ensino superior baiana rompeu um contrato de 2002 que oferecia certificação dos cursos de graduação oferecidos no IES.
Além da falha nos repasses dos 11% das mensalidades, acordado no início da parceria, a Fasb não recebeu a documentação de estudantes e professores dos cursos, o que pode impedir a certificação dos alunos. “O IES firmou outros convênios com instituições como a Universidade do Paraná e a catarinense Universidade do Contestado e enfrenta os mesmos problemas de inadimplência”, observa Amarildo Cenci, diretor do Sinpro/RS.
O Rohden repete irregularidades semelhantes. No início de 2005, a escola mudou-se de um andar alugado na Campos Sales para uma sede própria, construída na Avenida Erico Verissimo, num bairro de classe média de Cachoeirinha. Segundo levantamento feito pelo Sinpro/RS, o número de alunos “aumentou significativamente” na época.
O sócio-diretor da escola, Vanderlan Vitória Leite, explica que a construção foi realizada para atender às normas do Conselho Estadual de Educação, publicadas no parecer 580, que rege o ensino médio gaúcho.
“A fiscalização não existe em nenhuma outra escola da região, apenas no Rohden”, reclama. O diretor se sente penalizado por tentar se adequar à lei “enquanto nossos vizinhos deixam os professores em condições ainda mais dramáticas”.
Para o diretor do Rohden, “é um problema político e não técnico”. Vanderlan admite que a escola enfrenta problemas financeiros.
“As denúncias são verdadeiras, mas acreditamos que com trabalho e seriedade vamos resolver a situação.” Ele garante que parte dos 17 professores recebe seu vencimento em dia e todos são contratados pela CLT. “O maior atraso é o do meu próprio salário”, diz. Vanderlan, que também é professor, afirma que está recebendo apenas parte do pagamento há mais de um ano.
Oito ações judiciais já foram julgadas e as vítimas recebem indenização. Mas há outras tantas em andamento. Uma delas é a que move o professor de História, Gilvan Teixeira. A primeira vez que trabalhou no Rohden foi no ano de 1992 – depois de sair e retornar mais de uma vez, foi embora definitivamente em agosto de 2007. “Muitos professores acabam ficando por respeito aos alunos – para não perder a continuidade do trabalho. Mas eu cansei de tanto pedir”, desabafa.
Segundo as narrativas que Gilvan ouvia na sala dos professores, a situação é grave. “Sempre houve problemas, mas salário atrasado há mais de um ano é uma novidade.” Gilvan garante que o pagamento dele não é efetuado desde agosto de 2006. Vanderlan contesta. “Vamos provar que devemos muito menos ao Gilvan.”
O Ministério Público aguarda o resultado de uma investigação da Delegacia Regional do Trabalho para tomar medidas mais drásticas. Enquanto a determinação judicial não vem, a escola segue com suas atividades normalmente.
Validação de diploma
Rohden e IES, em Cachoeirinha, também enfrentam questionamentos dos alunos quanto à validade do diploma. O primeiro, porque foi proibido de oferecer cursos intensivos por disciplina durante o período de verão, em 2004.
Era uma maneira de alunos reprovados em uma ou mais matérias não perderem um ano inteiro para recuperá-las. Os estudantes frequentavam classes específicas durante um mês e podiam matricular-se na sua antiga instituição de ensino para o próximo ano letivo.
O Conselho Estadual de Educação emitiu parecer determinando a não-validação dos “comprovantes de conclusão do ensino médio, expedidos em nome dos alunos que frequentaram componentes curriculares e concluíram o ensino médio em regime intensivo, desde 2001”.
No caso do IES, a Fasb garante que vai validar os diplomas de graduação assim que a instituição gaúcha enviar a documentação completa de alunos e professores. O IES tem até o final do ano letivo para providenciar a regularização dos papéis.
Mesmo com o título de graduado, os professores questionam a validade real desse diploma.
“Vi trabalhos de conclusão de curso com 18 e até 13 páginas”, denuncia uma professora.
O professor Radin confirma: “Não podemos modificar as notas emitidas pelos professores gaúchos, mas haverá alunos graduados com monografias que mereceriam nota três”.
Na capital, o Colégio Kennedy engrossa a lista dos maus patrões. Enfrentando seis processos coletivos e oito individuais de professores que não receberam o que lhes era devido, recentemente a escola do bairro Sarandi investiu pesado na construção de uma piscina e em uma nova e vistosa identidade visual.
As denúncias se repetem: falta de recolhimento de FGTS, contratação de professores sem assinatura da CTPS, pagamento irregular de férias, atrasos no pagamento de 13º salário, salários e verbas rescisórias não-pagos e falta de recolhimento de imposto sindical e de contribuição assistencial para o Sinpro/RS.
A mais investigada
Uma das empresas mais investigadas pela Justiça Trabalhista por suspeita de irregularidades transferiu-se para Caxias do Sul e lá abriu uma universidade. Trata-se do antigo cursinho Mauá. Um dos pré-vestibulares mais tradicionais de Porto Alegre é também campeão de denúncias de professores que trabalhavam irregularmente na instituição.
Em junho de 2006, o Extra Classe denunciou irregularidades a que os proprietários da instituição recorriam para não ter de saldar suas dívidas.
A mais grave de todas é a mudança frequente da razão social da empresa, que já foi Sociedade de Ensino Integrado – Mauá, Sociedade de Ensino Supletivo Pré-Vestibular Ltda., Sociedade de Ensino e Cultura. Atualmente, responde por Associação Nossa Senhora do Caravaggio, mantenedora da Faculdade do Imigrante, em Caxias do Sul.
Segundo o histórico fornecido ao Ministério Público pelo Sinpro/RS, apesar de “todo o empenho do Sinpro/RS em demonstrar a conexão existente entre o novo e o extinto Mauá”, a instituição foi autorizada a funcionar em março de 2004.
“O Rohden tem se especializado em descumprir a Convenção Coletiva, realizar acordos em juízo que são sistematicamente desonrados, abandona os professores sem salário, sem rescisão de contrato. O Sinpro/RS, além de cobrar na Justiça os descumprimentos, encaminhou dossiê ao Ministério Público do Trabalho, denúncias junto ao Conselho Estadual e à Coordenadoria Regional de Educação e informará a opinião pública da Região sobre a conduta desta instituição”, enfatiza Cenci.