Mais uma vez, o Brasil parece não repetir a história de produzir modernização produtiva, porém sem combinar com o avanço nas relações de trabalho. O principal exemplo disso na atualidade provém das inegáveis modificações no interior do agronegócio, especialmente no setor sucro-alcooleiro, que ameaça constituir um dos principais vetores de uma nova matriz energética mundial.
O uso do álcool como combustível renovável tem perspectivas de expansão extremamente positivas, tendo em vista as promessas anunciadas e já em curso de investimentos públicos e privados (nacional e estrangeiro). Mas, na mesma medida em que o país se consolida como portador de um dos principais componentes da nova matriz energética mundial, percebe-se a desconexão entre a evolução do rendimento da produção da cana-de-açúcar e a remuneração dos trabalhadores.
Exemplo disso é o comportamento do rendimento médio do ocupado na colheita da cana-de-açúcar (reais por tonelada colhida), que foi multiplicado por 2,6 vezes entre 1979 e 2004, enquanto o pagamento recebido por esse mesmo trabalhador caiu 57,4% do seu valor real. Isso se deveu fundamentalmente à alteração da remuneração em relação ao rendimento médio desde a primeira metade da década de 1980, com a remuneração média perdendo 28,3% do seu valor real, enquanto o rendimento médio da produção de cana aumentou 60%.
Parcela decisiva dessa situação se deve ao avanço do processo de reestruturação produtiva que tem sido verificado na cultura da cana-de- açúcar, que opera cada vez mais segundo a lógica de uma empresa urbana-industrial. Assim, os trabalhadores passam, em geral, por realinhamentos segundo padrões de gestão e organização de trabalho muito distintos daqueles que prevaleciam até então. Registra-se, então, tanto a contenção no uso da mão-de-obra como a intensificação dos trabalhadores no interior do complexo produtivo do setor sucroalcooleiro.
Mesmo com a ampliação crescente da formalização dos empregados, que tem permitido o acesso considerável aos direitos sociais e trabalhistas, prevaleceu uma desconexão entre ganhos de produtividade e a evolução real dos salários dos trabalhadores. Ao mesmo tempo em que mudou completamente o perfil dos ocupados no setor, cada vez mais escolarizados e com carteira de trabalho, não se verificou a redução do ambiente de insegurança ao qual se encontram submetidos os empregados. Enquanto houve elevação do nível de capital humano no setor sucroalcooleiro, por exemplo, assistiu-se à concentração de postos de trabalho na base da pirâmide salarial acompanhada por um padrão de emprego mais próximo do asiático (baixos salários, alta jornada de trabalho e rotatividade no emprego).
Diante disso, urge reverter a atual situação social. Torna-se, então, fundamental a constituição de um conjunto amplo de medidas de ajustamento nas relações de trabalho, como forma de permitir a melhor repartição dos frutos do desenvolvimento do setor em todos os segmentos sociais envolvidos com as atividades produtivas.
Passo Fundo: a consolidação de uma “capital regional”
José Antônio Alonso*
A diversidade das formações sub-regionais no Rio Grande do Sul contempla uma constelação de municípios (cidades) no Planalto Rio-Grandense comandados regionalmente por Passo Fundo. O papel exercido por Passo Fundo ao longo do tempo tem sido o de uma “capital regional”. O conceito de “capital regional” é amplo, mas, nesse caso, refere-se a uma cidade que cresceu, em termos econômicos e demográficos, a taxas mais elevadas do que as demais cidades do seu entorno, e que é supridora, em grande medida, de bens e serviços a esse âmbito territorial.
A “região” do Planalto é uma das mais dinâmicas do Estado em termos de produção agropecuária, especialmente na cultura de grãos (soja, trigo e milho). A modernização da agricultura do Rio Grande do Sul passa obrigatoriamente pelo Planalto. É aí que se observam os maiores indicadores de produtividade.
Pode-se afirmar que todas as cidades beneficiaram-se da expansão agrícola do final dos anos 1960 até agora. Todavia, a absorção do excedente regional foi assimétrica entre os centros urbanos da região, um traço inerente às formações capitalistas.
Mesmo perdendo parte considerável do seu território por conta do frenético processo de emancipações, Passo Fundo continuou crescendo aceleradamente, tanto do ponto de vista econômico quanto demográfico. Considere-se que as emancipações não impõem somente perdas territoriais, mas principalmente de centros urbanos em formação.
Do ponto de vista econômico, a liderança de Passo Fundo é assegurada pela maior produção industrial da região (1,26% do total do Estado em 2004) e pela maior oferta de serviços (1,96% do Estado em 2004). Na verdade, o setor de serviços vem se constituindo, progressivamente, no carrochefe da economia do município, com destaque especial para os serviços distributivos e os serviços sociais. Trata-se de um conjunto de atividades terciárias aglomeradas em Passo Fundo, que tem como área de mercado toda a “região”.
Esse desempenho econômico acabou por determinar um crescimento demográfico acima da média regional, assegurando escala urbana (aproximadamente 184 mil habitantes em 2007) que viabiliza grande número de atividades modernas no campo dos serviços (educação superior, saúde, etc.). Nesse sentido, o município se torna cada vez mais urbano, ostentando um grau de urbanização crescente, tendo passado de 93,19% em 1991 para 97,12% em 2000.