OPINIÃO

Invenções

Publicado em 16 de setembro de 2007

Quando comecei no jornalismo, há 200 anos, fazia de tudo – inclusive horóscopo, como já contei mais de uma vez. Me escalaram para ser editor de Frescuras, que era como chamavam as seções de entretenimento e cultura do jornal. Uma das minhas tarefas diárias era redigir um guia de bares e restaurantes, que eu enchia de pessoas conhecidas da cidade, mesmo algumas que jamais freqüentariam os lugares em que eu as via. E que na maioria dos casos nem eu freqüentava. Além de gente de verdade comecei, para variar, a citar personagens inventados, como o conde italiano Ettore Fanfani, dono de uma fortuna de origem misteriosa que costumava recitar DAnnunzio no ouvido das meninas e tomar Negronis com canudinho, ou o jovem executivo Aldo Gabarito, dono do único Porsche conversível da cidade. Eu acompanhava suas andanças pelos bares e restaurantes, revelava suas preferências gastronômicas e suas frases, e não raro os colocava na mesma mesa com personalidades reais e especulava sobre o que tinham conversado. E nutria, confesso, o desejo secreto de todo ficcionista, que é o de ver um personagem seu ganhar vida própria. Um dia o conde Fanfani pularia da minha seção para a crônica social do jornal, ou alguém me diria que conhecera o jovem Aldo na escola. Nunca aconteceu. Aconteceu que uma vez um dono de restaurante me confidenciou que o responsável pelo guia de bares e restaurantes do meu jornal vivia lá, e comia de graça em troca da citação no guia. No fim a única criação minha que ganhou vida própria fui eu mesmo.

Como ninguém acreditava nos meus personagens, ou, aparentemente, sequer os notava, me senti encorajado. Comecei a inventar, não apenas falsos freqüentadores de bares e restaurantes, mas falsos bares e restaurantes. Tão inverossímeis – como um misto de churrascaria e sauna servido por prendas só de botas, ou coisa parecida – que, pensava eu, todo o mundo entenderia a brincadeira. Pensava errado. Depois de procurála em vão com um grupo de amigos, um executivo do jornal pediu para saber o endereço exato da tal churrascaria lúbrica, ou uma boa explicação. Acabaram-se as invenções.

Minha tentativa de ser criativo com o horóscopo também fracassou. Como tinha pouco tempo para inventar previsões e conselhos para cada signo, outra tarefa diária, comecei a revezar os signos, na ingênua suposição de que cada leitor só lê o que lhe interessa. No meu horóscopo apressado, o que um dia valia para Capricórnio no outro valia para Libra, sem mudar um alerta, um bom presságio ou uma vírgula. Mas, como se sabe, todos lêem todo o horóscopo, todos os dias. Choveram protestos. Fim da minha curta carreira de astrólogo.

Acho que foi então que me botaram na editoria internacional, onde as oportunidades para fazer ficção eram mínimas.

Comentários

Siga-nos