A nova crise que afeta o sistema financeiro global, detonada por problemas no mercado imobiliário dos Estados Unidos, mostra mais uma vez o que sustenta a famosa “mão invisível do mercado”: os Estados nacionais e seus recursos públicos. Em um artigo publicado na revista Counterpunch, Ralph Nader (que já foi candidato à presidência dos EUA), conta uma conversa que teve com seu pai há muitos anos: “Meu pai perguntou a seus filhos durante uma conversa na hora do almoço: Vocês sabem por que o capitalismo sempre sobreviverá? Ele respondeu: Porque sempre utilizará o socialismo para salvar-se”. Essa história se repete agora, assinala Nader. A manipulação do mercado hipotecário de alto risco levou a uma crescente contração de crédito e a uma crise de liquidez. Na hora do aperto, basta apelar ao Estado para que ele abra a carteira para resolver a crise.
O Banco Central europeu, o Banco do Japão, o Federal Reserve e o Banco Central dos EUA injetaram mais de 200 bilhões de dólares para estabilizar os mercados financeiros logo que a crise eclodiu. Uma vez mais, o Estado e os governos foram convocados para o resgate dos mercados financeiros em crise. Quando o tempo não é de crise, o discurso é o do Estado mínimo. Quando alguma aposta no cassino financeiro global resulta em grandes perdas, o Estado máximo é imediatamente convocado. Os bancos centrais, recorda Nader, são instâncias de regulação governamentais, possuindo, entre outras tarefas, a de regular as taxas de juros. “Mas estão tão saturados de executivos e ex-executivos do sistema financeiro em seus conselhos, comitês e direções, que estes se consideram salva-vidas em tempo integral de seus irmãos banqueiros”, resume.
E exemplifica: o irmão Henry M. Paulson, ex-executivo do Goldman-Sachs, um dos maiores bancos de investimento do mundo, e atual secretário do Tesouro dos EUA, disse semana passada que os mercados são resistentes e podem absorver as perdas que sofreram. “Temos passado por tempos difíceis nos mercados e enfrentaremos o desafio”. Nós quem, cara-pálida? – pergunta Nader, lembrando que Paulson é um funcionário governamental que, supostamente, deveria estar preocupado, em primeiro lugar, com os milhões de proprietários de imóveis condenados a perder suas casas nos próximos 18 meses.
A origem da bolha imobiliária nos EUA
A crise imobiliária aumentou em 60% o número de famílias despejadas nos Estados Unidos, segundo dados da consultoria imobiliária RealtyTrec. Somente entre janeiro e julho deste ano, as ações de despejo atingiram a marca de 1,1 milhão de imóveis. Em julho, esse número explodiu aumentando 93% em relação ao mesmo período do ano passado. Um total de 179,6 mil famílias inadimplentes foram expulsas de suas casas. Mais ainda, uma em cada 700 casas hipotecadas está sendo devolvida: no primeiro semestre. Antes da crise, essa relação era de uma a cada 134. Tudo isso porque uma boa parte dos créditos imobiliários foi concedida sem a devida comprovação das condições de pagamento por parte dos compradores. A maioria dos detentores de hipotecas repassou as dívidas para fundos de investimento nos EUA e na Europa. A sedução do crédito fácil acabou custando caro. Sob a ameaça de inadimplência, os fundos de investimento tentaram repassar as hipotecas adiante. Não conseguiram, e aí passaram a vender ações de empresas consideradas saudáveis financeiramente, o que acabou derrubando as bolsas em todo o mundo.
A sugestão de Bush para a crise
No auge da crise, durante uma coletiva de imprensa na Casa Branca, o presidente dos EUA, George W. Bush, culpou os devedores por terem firmado hipotecas sem saber o que estavam fazendo. Não disse uma palavra em relação às agências de crédito que sabiam que estavam oferecendo empréstimos a pessoas que, provavelmente, não poderiam pagá-los. A solução, disse Bush, seria um programa de alfabetização financeira para os consumidores. Por outro lado, Bush procurou acalmar os mercados garantindo que o governo estava “ injetando dinheiro suficiente” para que “os mercados fizessem suas correções”. Quanto às milhares de famílias que perderam ou perderão suas casas, estas não terão ajuda do Estado. Terão que fazer suas “correções” no olho da rua, ou na casa de amigos e parentes.
Crise atinge brasileiros nos EUA
A crise acabou atingindo também muitos brasileiros que moram nos Estados Unidos, conforme mostrou matéria do jornal O Estado de São Paulo (22/08/2007). Imigrantes foram uma das principais vítimas da promessa de crédito fácil, com garantia hipotecária. Resultado: acabaram contraindo dívidas que não conseguem pagar. Empresas de hipoteca, relata a matéria, cortejaram os brasileiros oferecendo financiamentos sem necessidade de muita documentação ou comprovação de renda. Segundo Fausto Mendes da Rocha, diretor executivo do Centro do Imigrante Brasileiro, com sede em Allston, Massachusetts, dos 230 mil brasileiros no estado, 30 mil têm casa própria. Desse total, 1 mil estão com dificuldades para pagar e correm o risco de perder suas casas. Cerca de 5 mil brasileiros, prevê Rocha, devem deixar os EUA este ano por causa de dívidas imobiliárias e da dificuldade em conseguir emprego em função do endurecimento das leis de imigração.